No trono da cruz o amor se entregou

Frei Almir Guimarães

“A missão de Cristo continua a escrever-se através de nós”

♦ Mais uma vez, bem no final do ano litúrgico, comemoramos a solenidade de Jesus Cristo, rei do universo e o dia nacional do leigo. Aquele que foi o primeiro no pensamento de Deus e para o qual tudo convergia, o que antes dele vinha e tudo que o sucedeu. Rei porque tudo é dele, vem dele e para ele converge. Rei que nasce na singeleza da pobre manjedoura e morre nu no madeiro da cruz. Rei cujo título de honra é o de ter amado até fim. Rei por causa de um amor sem meias medidas. Rei despojado que deseja que colaboremos com ele na construção do Reino do Pai. Sua missão continua a se escrever através de nós.

♦ Rei porque veio com sua palavra e seu testemunho apontar para o Reino novo de seu Pai, reino de justiça, de paz, de amor, mundo novo em que os humildes são reis e os prepotentes e insolidários são destituídos de seus tronos, mundo que se adquire vendendo o que temos e cantando a canção da partilha.

♦ Lucas lembra o fato de que os que estavam no Gólgota faziam pilherias, zombavam dele. “Se és mesmo o escolhido de Deus, desce daí, faz um milagre, como outros que andaste fazendo”. Para tornar tudo extremamente ridículo colocaram no alto da cruz do Crucificado nu se contorcendo um letreiro: “Este é o Rei dos Judeus!”. Cena sempre chocante.

♦ Todos os que comentam estas cenas não se cansam de repetir que a crucificação de Cristo continua no sofrimento dos inocentes de todos os tempos. Desses miseráveis que são chutados, injustiçados, sadicamente torturados ou simplesmente excluídos. Seria realmente uma inconsequência beijar a imagem do Crucificado enquanto vivemos indiferentes aos sofrimentos que não são os nossos.

♦ Acontece então algo inusitado. Assim se exprime Pagola: “De repente no meio de tanta zombaria, uma invocação: “Jesus, lembra-te de mim quando chegares ao teu trono”. É o outro delinquente que reconhece a inocência de Jesus, confessa sua culpa e cheio de confiança no perdão de Deus, só pede a Jesus que se lembre dele. Jesus lhe responde imediatamente: “Hoje estarás comigo no paraíso”. Agora estão os dois agonizando, unidos no desamparo e na impotência. Mas hoje mesmo estarão os dois desfrutando a vida do Pai” ( Lucas, p. 351).No momento de morrer aquele malfeitor se entrega confiantemente a Jesus. E ele ouve estas consoladoras palavras: “Hoje estarás comigo no paraíso”.

♦ Somos pecadores como o ladrão: “O incurável crente confia todo este anseio de vida nas mãos de Deus. Todo resto se torna secundário. Não importa os erros do passado, a infidelidade ou a vida medíocre. Agora só conta a bondade e a força salvadora de Deus. Por isso de seu coração brota uma oração semelhante à do malfeitor moribundo na cruz. “Jesus, lembra-te de mim quando chegares ao teu reino”. Uma oração que é invocação confiante, petição de perdão e, sobretudo, ato de fé vida num Deus salvador (cf. Pagola, Lucas, 355).

♦ Dia do fiel cristão leigo. Daqueles homens e mulheres, solteiros, casados, jovens e idosos, garis e desembargadores, padeiros e astronautas. Homens e mulheres que não estão vinculados ao serviço do altar, mas pessoas tocadas por Cristo Jesus, discípulos do Evangelho na busca do bem, da justiça e da verdade. Pais educadores primeiros de seus filhos, aqueles que podem despertar no coração deles o desejo e a sede de Deus. Homens e mulheres que fazem de sua casa uma Igreja doméstica. Leigos que se inspiram em Tristão de Athayde, Madeleine Delbrêl e Contardo Ferrini. Leigos que labutam nas associações de bairro. Pessoas que ajudam vigorosamente na construção de um mundo de justiça, de paz, de solidariedade. No momento atual haverão de se ocupar de modo especial em humanizar o humano. Os leigos têm como espaço de ação o vasto mundo e não os estreitos espaços da sacristia. Leigos ungidos no Batismo e na Confirmação, garantia da presença de Cristo no campo de luta onde se desenha o amanhã da humanidade: sal a terra, luz do mundo e fermento na massa.

♦ “Pedir o Reino de Deus é pedir que o nome que nós carregamos, o nome de cristão, o nome de cristã, tenha de fato a vitalidade de Cristo dentro de si. E que sintamos que participamos do ministério de Cristo. Somos ungidos para tornar presente esse Reino no meio do mundo” (cf. Tolentino).

Oração

Não tens mãos…

Jesus, não tens mãos.
Tens apenas as nossas mãos para construir
um mundo onde habite a justiça.
Jesus, não tens pés.
Tens apenas os nossos pés para pôr em marcha
a liberdade e o amor.
Jesus, não tens lábios.
Tens apenas os nossos lábios para anunciar
aos pobres o Reino de Deus.
Jesus, não tens meios.
Tens apenas nossa ação para fazer com que
homens e mulheres sejam irmãos.
Jesus, nós somos o teu Evangelho, o único Evangelho,
que as pessoas podem ler para acolher teu Reino
(Autor anônimo).

FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.