Prólogo da Regra da OFS: Dos que fazem penitência
Prólogo da Regra da Ordem Franciscana Secular Exortação de São Francisco aos irmãos e irmãs da penitência Carta aos Fieis (Primeira recensão)
Oração de abertura
Ao Espírito de Amor
Vem, Espírito do Pai e do Filho.
Vem, Espírito de amor
Vem, Espirito da infância e da paz, da confiança e da alegria.
Vem, alegria secreta que brilhas através das lágrimas do mundo.
Vem, vida mais forte do que nossas mortes.
Vem, pai dos pobres e advogado dos oprimidos.
Vem, Luz da eterna verdade e Amor derramado em nossos corações.
Não temos condições de te forçar;
bem por isso depositamos toda confiança.
Nosso coração receia secretamente tua vinda
porque és muito diferente de nosso coração insensível.
Temos a garantia de que, apesar de tudo, tu vens.
Vem, pois, renova e dilata
tua visita dentro de nós.
Em ti colocamos nossa confiança.
É a ti que amamos, porque és o Amor.
Em ti temos a Deus por Pai
porque lá dentro de nós mesmos, clamas:
“Abba, Pai bem amado!”
Permanece em nós,
não nos abandones,
nem durante o combate da vida
nem quando ele chegar a seu termo
quando estaremos sós.
Vem, Espírito Santo!
Karl Rahner
Introdução
Sempre de novo precisamos voltar ao essencial. Como franciscanos seculares temos a convicção mais profunda que, neste mundo em transformação, é urgente mergulhar cada vez mais nos capítulos da Regra da OFS. Na medida que os irmãos e irmãs e as fraternidades respirarem o espírito deste caminho inspiracional de vida haveremos de determinar nossa identidade no seio da Igreja e do mundo. Estaremos dando nossa parte na construção do Reino. Sentir-nos-emos contiunuadores da obra dos “penitentes de Assis”.
Os discípulos Senhor, em todos os tempos e lugares, buscam seguir as pegadas do Mestre e, na trama do cotidiano, querem ser santos como Santo é o Senhor. Desejam privar da intimidade esponsal com o Senhor e, por meio do testemunho da vida e anúncio explícito por meio palavra, tornar o Evangelho luz dos homens, insistir que o Amor precisa ser amado e , assim colaborarem na construção do Reino. A Regra dos Franciscanos Seculares, aprovada pelo
Papa Paulo VI em 1978, traça o caminho dos seguidores de Cristo à maneira de Francisco.
Há um texto escrito pelo próprio Francisco que precede e ilumina os capítulos da Regra. Trata-se da Exortação aos irmãos e irmãs da penitência ( Carta aos fiéis, primeira recensão). Os cristãos, e no caso os franciscanos seculares, escutam o convite exigente do Evangelho: “Convertei-vos, mudai o modo de pensar, crede no Evangelho. Os que percorrem os caminhos da conversão são felizes. Podemos afirmar que o Prólogo constitui a alma dos três capítulos da Regra. A conversão evangélica é o pano de fundo da Regra. É luz que incide nos temas: oração, trabalho, vida em fraternidade, serviços.
Muitos homens e mulheres foram e são tocados pelo Evangelho que se chama Cristo vivo e ressuscitado. A força desse chamamento requer uma transformação de vida. O Evangelho chama essa mudança de penitência ou conversão, mais precisamente conversão evangélica. Inúmeras vezes Francisco alude ao tema a partir de sua experiência. O tema e a realidade eram tão fortes nos tempos das origens que Francisco e os seus eram chamados de “irmãos da penitência”. Ora, a Ordem Franciscana Secular se insere nesse movimento de pessoas desejosas de reviver o Evangelho, pessoas que formam o cortejo alegre dos penitentes.
Nesta breve introdução é bom ter em mente o teor do n.7 da Regra: “Como “irmãos e irmãs da penitência”, em virtude de sua vocação, impulsionados pela dinâmica do Evangelho, conformem seu modo de pensar e de agir ao de Cristo, mediante uma radical transformação interior que o próprio Evangelho designa pelo nome de “conversão”, a qual, devido à fragilidade humana, deve ser realizada todos os dias”.
“Converter-se é acolher na fé a iniciativa gratuita, imprevisível de Deus que decidiu em Jesus nos visitar em pessoa para nos salvar, quer dizer fazer com que entremos numa felicidade sem fim. Converter-se é aceitar ser salvo gratuitamente e colocar a vida em harmonia com este evento. Conversão e fé participam de uma e única iniciativa. Converter-se, mudar a direção de sua vida, é ter suficiente fé para renunciar a se considerar o centro absoluto do mundo e respirar autossuficiência, mas orientar a vida, o futuro, a busca da felicidade em Jesus que nos chama para segui-lo” (Michel Hubaut, Chemins d’intériorité avec saint François, Ed. Franciscaines, 2012, p. 24-25).
Frei Alberto Beckhäuser nos ajuda a penetrar no convite de Francisco à conversão: “Francisco, “o penitente de Assis” ainda hoje nos tem algo a dizer sobre isso, tanto por sua vida como através de seus escritos. Podemos afirma-lo porque Francisco resgatou o verdadeiro sentido da penitência como vida de conversão evangélica. A penitência ou conversão evangélica está no centro da mensagem do Evangelho. João Batista prega a penitência: Naqueles dias apareceu João Batista pregando no deserto da Judeia as palavras: “Converteivos porque está próximo o Reino dos Céus (Mt 3,1-2). Um pouco adiante: Dai, pois, frutos de verdadeira conversão (Mt 3,8). Marcos diz que João apareceu no deserto e pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados (cf. Mc
1,4). Jesus coloca a conversão e a penitência no centro de sua pregação: Depois de João ter sido preso, Jesus veio para a Galileia. Pregava o Evangelho de Deus dizendo: Completaram-se os tempos, está próximo o Reino de Deus, convertei-vos e crede no Evangelho (Mc 1,14-15). Diante da resistência de muitos à sua mensagem, Jesus disse: Se não vos converterdes, todos vós perecereis”(Lc 13, 3.5). Nestes textos converter-se e fazer penitência significam a mesma coisa, tanto assim que muitos traduzem: Fazei penitência e crede no Evangelho (Frei Alberto Beckhäuser,OFM, A espiritualidade do franciscano secular. Exemplo e proposta de Francisco de Assis, Vozes, 2015, p. 31-32).
Vamos estudar o Prólogo em dois momentos, segundo a divisão interna do texto: dos que fazem penitência e dos que não fazem penitência
- Dos que fazem penitência (cap. I)
Todos os que amam o Senhor, “de todo o coração, de toda alma e de toda a mente, com todas as suas forças” (Mc 12,30) “e amam o seu próximo como a si mesmos” (Mt 22,29), e odeiam o próprio corpo com seus vícios e pecados, e que recebem o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, e fazem dignos frutos de penitência: quão felizes são estes e estas que assim agirem e perseverarem até o fim, porque “sobre eles repousa o Espírito do Senhor” (Is 11,2) e ele fará neles sua habitação e a sua “morada” (Jo 14,23), e eles são filhos do Pai celestial (Mt 5,45); cujas obras fazem e são esposos, irmãos e mães de nosso Senhor Jesus Cristo (Mt 12,50).
Somos esposos quando a alma fiel está unida a Nosso Senhor Jesus Cristo pelo Espírito Santo.
Somos seus irmãos, quando fazemos “a vontade do Pai que está nos céus”(Mt 12,50). Somos mães quando trazemos em nosso coração e em nosso corpo(1Cor 6,20) pelo amor divino e por uma consciência pura e sincera: e o damos a luz pela obras santas que, pelo exemplo, devem ser luz para os outros (Mt 5, 16). (Prólogo 1-10).
Fazem dignos frutos de penitência… ·
Fazem dignos frutos de penitência aqueles que amam o Senhor com todas as forças, toda a mente e toda a alma. São pessoas capazes de escutar, em sua vida, a voz do Senhor de diferentes maneiras: no fundo do coração, na Palavra proclamada, na voz do irmão, nos sinais dos tempos, na figura de Jesus. Os que sabem escutar, respondem com obediência carinhosa e amorosa. Vivem de Deus e em Deus. Ele é o alvo de suas vidas. Colocam o Senhor antes de todos os pequenos interesses, na obediência, na oração que parte de seu nó interior. Amar ao Senhor: escutar sua voz, cultivar delicadeza nessa audição, colocar-se à disposição de seus desígnios. Começa aí a descentralização da vida de penitência, da alegre vida de conversão.
Fazem frutos de penitência os que levam em consideração a pessoa do outro, próximo ou distante, amigo ou inimigo. Levar em consideração significa adivinhar seus desejos, dar o melhor de si para que o outro seja. A pessoa do outro e suas necessidades podem fazer com que arranjos existenciais sofram mudança. Esse outro é, de modo particular, o mais necessitado, o menos envolvido em atenções, o que não enxerga claridade no fundo do túnel. Os que fazem penitência evitam tudo o que leve à tola competição, à supremacia de uns sobre outros. Condenam as guerras, recusam-se a usar qualquer tipo de armas.
O Manual para a Assistência à Ordem Franciscana Secular (CIOFS) elenca algumas determinações que eram seguidas pelos Penitentes na Idade Média: viver em comunhão eclesial; fraternidade considerada como fonte de espiritualidade e santidade; o amor a Deus e ao próximo fará com que muitas fraternidades, que possuíam bens móveis e imóveis, manifestem seu compromisso na linha da misericórdia, com obras concretas, como hospitais, dispensários, entrepostos de alimentos e roupas para os pobres e peregrinos; muitas cidades e associações civis ofereciam aos penitentes franciscanos, devido à sua honestidade, o governo e gestão das obras sociais e caritativas; o penitente não dispunha de armas (eram como que objetores de consciência), se pedia que os penitentes fizessem seu testamento antes da profissão, etc (cf Manual, p. 37-38).
Na mesma linha da transformação, fazem penitência os que sabem dominar seus impulsos nem sempre límpidos e transparentes, “odeiam o próprio corpo com seus vícios e pecados”, os que não ouvem todos os gritos do ego na linha do aproveitar, do cobrir-se de glória, dar vasão a todas as tendências do homem carnal. Sabem controlar-se para que seu interior se torne casa de Deus. São capazes de adotar expedientes ascéticos com firmeza e moderação. Neste contexto Francisco liga corpo a “vícios e pecados”. Nesse sentido o corpo, ou este aspecto do corpo, aspecto carnal que luta contra o espirito, precisa ser odiado.
Os que fazem frutos de penitência recebem o Corpo e Sangue do Senhor. Frei Alberto Beckhäuser, explica assim esta afirmação de maneira bastante clara: “Não se trata apenas de comungar na Missa ou fora dela. Mas de aderir totalmente a Cristo, ao seu modo de pensar, querer, amar e agir. É acolher Jesus Cristo com tudo o que ele é e ensinou. É receber Jesus Cristo em sua mensagem, o Evangelho, é receber Jesus Cristo no próximo, na natureza criada, nos fatos e acontecimentos da vida. É seguir o Senhor Jesus no mistério pascal de sua Paixão e Morte, para, como ele, participar de sua ressurreição. É percorrer com Cristo o caminho da cruz. É cumprir o seu mandamento e ser como ele, Corpo dado e sangue derramado. É dar a vida através do amor a Deus e ao próximo, como Jesus deu a vida pela salvação do mundo” (Frei Alberto Beckhäuser, OFM, A espiritualidade do franciscano secular, Vozes, p.47).
Daqueles que colhem frutos de penitência ·
Os que entram na trilha da conversão/penitência estão no caminho da felicidade. “Quão felizes são eles…”. Sobre eles repousa o Espírito Santo. Nesse espaço que é seu corpo, sua mente sua vida é preparada uma morada para o Hálito, o Sopro, o Espírito do Senhor. A mecânica observância dos mandamentos e dos tópicos da Regra pouco adiantam. O Hóspede que é o Espirito vive no coração dos que se empenham em produzir frutos de penitência. Tudo é obra do Alto.
Francisco fala, então de uma experiência trinitária. Os que fazem penitência fazem a experiência da filiação, do desponsório e da fraternidade em Cristo. Estamos longe de alusões intelectuais ao mistério da Trindade. Tudo é concreto.
- Filhos do Pai celeste cujas obras fazem.
- São esposos, quando a alma fiel está unida ao Senhor Jesus pelo Espírito Santo. Belíssima imagem do desponsório. Os franciscanos haverão de alimentar uma intimidade contemplativa a longo de sua vida. Tal intimidade amorosa se dá na medida em que a alma está unida a Jesus no Espírito.
- Somos irmãos do Senhor quando fazemos a vontade do Pai que está nos céus.
- Somos mães do Senhor, somos “Maria”, quando trazemos Jesus em nosso coração e nosso corpo pelo amor divino e por uma consciência pura.
- Damo-lo à luz pela obras luminosas que colocamos e que devem ser luz para os outros.
Oração Final
Uma das páginas mais luminosas de Francisco onde ele exprime seu amor pelo Senhor e pelos homens está no Prólogo. Trata-se de um texto todo perpassado de fé e de intimidade, admiração e confiança, ternura e promessa. É o Cristo, em sua oração sacerdotal, rezando pelo seus. Nos, franciscanos, temos a certeza de que esse Jesus está agora intercedendo pelos que trilham os caminhos jubilosos da penitência. Esta explosão trinitária serve como oração:
Como é honroso ter no céu um Pai santo e grandioso!
Como é santo ter um esposo, consolador, belo, admirável!
Como é santo e como é amável ter um tal irmão e um tal filho agradável, humilde, pacífico, doce, amorável e sobre todas as coisas desejável: Nosso Senhor Jesus Cristo que entregou sua vida por suas ovelhas (Jo 10, 15) e por nós orou ao Pai dizendo: “Pai santo, guarda-os em teu nome (Jo 17,11), os que me deste no mundo; eram teus, mas tu m’os deste (Jo 17,6)
E as palavras que me deste, eu as dei a eles e as receberam e creram em verdade que saí de ti e conheceram que tu me enviaste” (Jo 17,8). Rogo por eles, não pelo mundo (Jo 17,9). Abençoa-os e santifica-os (Jo 17,17), e “por eles eu próprio me santifico” (Jo 17, 19). “Não rogo somente por eles, mas também por quantos hão de crer em mim, mediante a palavra deles (Jo 17,20), para que sejam santificados na unidade (Jo 17,23), como nós (Jo 17,11). “Pai, quero que onde eu estou, eles estejam comigo para que vejam a minha glória (Jo 17,24) no teu Reino (Mt 20, 21). Amém. (Exortação 11-19).
Questões para círculos:
- 1 O que se deve entender por penitência evangélica? Em que sentido os franciscanos são irmãos e irmãs da penitência?
- 2 Quando uma pessoa entra em esquema da conversão?
- 3 Por que as pessoas que não fazem penitência vão perecer?
- 4 O que mais chama sua atenção na primeira parte do Prólogo ( Dos que fazem penitência)
Frei Almir Guimarães, ofm