Moema Miranda
Introdução: “a sirene não tocou” (1)
Pela primeira vez em muitos anos, na verdade em séculos, cientistas, sábios das sociedades indígenas e a mais alta autoridade da Igreja Católica convergem na interpretação dos tempos vigentes: vivemos uma “complexa crise socioambiental” (LS,139), de dimensões sem precedentes. A Encíclica Laudato Si’, primeiro documento da Doutrina Social da Igreja dedicado ao tema socioambiental, apresenta um diagnóstico acurado das “raízes humanas” da crise que vivemos. Os cientistas mais proeminentes do mundo, no quinto Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC)(2), apresentam dados inequívocos sobre a gravidade das condições atuais: temos apenas doze anos para operar mudanças profundas nas formas de produzir, consumir e desperdiçar. Como afirmou a cientista atmosférica Kate Marvel, da NASA: “Temos hoje mais certeza de que os gases de efeito estufa estão causando o aquecimento global do que temos de que o fumo causa câncer.”(3)
A dimensão e a urgência da crise socioambiental contribuíram para aproximar estes campos do e de saber que, pelo menos desde o início da Modernidade, foram extremamente defensivos uns em relação aos outros.
A Floresta Amazônica, com seu bioma megadiverso, a variedade social e cultural que alberga, suas imensas reservas de água doce, o vínculo com o sistema de chuvas e a contribuição indispensável para o equilíbrio climático de todo o globo é locusprivilegiado para a convergência de saberes. Simultaneamente, a Amazônia é paradigmática em relação às brutais ameaças à vida, própria dos tempos presentes.
Não quero parecer catastrófica no início deste artigo. Mas considero que a seriedade de nossa situação não autoriza ingenuidade, tanto quanto não permite inocência. É preciso assumir uma atitude de profundo compromisso com a Terra e com a História o que, do ponto de vista cristão, significa compromisso com a Encarnação: são tempos extremos.
Nesta ambiência, em janeiro de 2019, na cidade de Puerto Maldonado, o Papa Francisco deu início ao processo preparatório do Sínodo para a Amazônia, com o lema: “Novos caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”. Na reunião de abertura de sua viagem ao Peru, junto aos povos indígenas, afirmou o Pontífice: “Muito desejei este encontro”. Mais ainda: “Nós que não habitamos nestas terras precisamos da vossa sabedoria e dos vossos conhecimentos (…) para estarmos juntos no coração da Igreja, solidarizando-nos com vossos desafios e, convosco, reafirmamos uma opção em defesa da vida, defesa da terra, defesa das culturas.” (idem, grifos meus)
Nesta frase de aparência singela, estão elementos centrais da perspectiva que hoje pode salvar a vida no planeta: a conversão profunda, “uma revolução cultural” (LS, 114), rumo à ecologia integral. Sobre estes elementos estruturantes versam a presente reflexão: respeito e reconhecimento da diversidade como elemento essencial do vivente e do que permite viver; solidariedade e respeito mútuo entre culturas e sociedades para a defesa simultânea da vida, da terra e das culturas. E, finalmente, humildade para reconhecer que a sabedoria dos povos indígenas, dos que vivem há mais tempo na floresta sem destruir, deve nos guiar no percurso de volta à casa. Voltar a habitar a Casa Comum (4) como vivente amigo dos demais viventes: eis o desafio da humanidade.
Mas, contra quem se afirma assim com tanta profundidade uma proposta que parece querer apenas o Bem? O bem comum, bem da terra, da vida e das culturas? Quais são as forças que devastam a diversidade, a vida e a terra?
Bom seria, aqui, apenas mostrar a imagem da lama tóxica da barragem de dejetos da empresa Vale S.A cobrindo quilômetros de chão e de rio no estado de Minas Gerais, Brasil: deixando no seu caminho tudo homogêneo, nada diverso. Tudo morto e marrom sob a sua passagem. Lembremos que a Vale S.A. é uma das maiores empresas atuando na Amazônia. Ao lado disto, veríamos a dor dos que choram a morte de mais de trezentas pessoas e de uma quantidade, ainda incalculada, de árvores, flores, rãs, peixes, flores e rios. Veríamos, por outro lado, o presidente da empresa apresentar os cálculos da recuperação rápida do valor de suas ações e comparar o que ocorreu na cidade de Brumadinho a um “acidente de avião”. Não. Não foi acidente. E dizer as palavras que nominam, sem encobrir, é urgente neste tempo em que a lama pode homogeneizar a percepção superficial de qualquer fato. “Não houve aqui um acidente. Houve um crime ambiental e um homicídio coletivo” (5) , afirmou Dom Joaquim Mol, bispo auxiliar de Belo Horizonte na Missa rezada um dia após o crime.
Em honra aos que morreram em Brumadinho, aos que lutaram contra a permissão para expansão da barragem e aos que defendem as vítimas humanas e não humanas deste crime, que poderia ter sido na Amazônia, começamos nossa reflexão com o subtítulo “a sirene não tocou!”. Esta é uma metáfora para nossos tempos: o Mal, o que homogeniza e nega a vida, não virá tocando sirenes e anunciando sua chegada. E, ainda assim, não temos o direito de ficar distraídos (6) . Por isto, com o Papa e com a Igreja buscamos “novos caminhos”, que nos permitam defender a Amazônia e a vida. A ecologia cultural e social, indica um rumo urgente e portador de esperança.
Vivo e diverso: assim é nosso mundo!
Nos anos 60 do século passado, no âmbito da corrida armamentista e espacial, o cientista James Lovelock (7) , da NASA, foi encarregado de estudar os planetas próximos buscando indícios de possibilidade de vida. Na comparação entre a Terra e Marte, o cientista percebeu que o nosso é um planeta com características únicas, distinto dos vizinhos. Examinando em detalhes, afirmou que a Terra é um “superorganismo vivo”. Ou seja, a vida não se fez sobre a Terra, como algo superficial. Ao contrário, o planeta alberga e aninha a vida. Aqui, em processos longuíssimos de evolução, foram sendo gestadas as condições que criaram as possibilidades para que a Vida se fizesse. E esta avançou do simples ao complexo. Passando do quase homogêneo ao cada vez mais diverso, mais plural. Pode parecer óbvio, mas não é. Esta afirmação contradiz o paradigma que orientou a ciência durante a Modernidade, quando o Cosmos passou a ser compreendido segundo um modelo mecânico: Terra inerte, inanimada, coisa extensa, com propriedades definidas por leis mecânicas e imutáveis.
Ao nominar sua descoberta “Hipótese Gaia”, James Lovelock recorreu ao nome de uma antiga deidade grega. Gaia é uma força vital, anterior ao nascimento dos deuses do Olimpo. Esta compreensão tão contemporânea aproxima-se da sensibilidade e da sabedoria ancestral dos povos: a Terra é casa comum dos viventes, como afirma o Papa Francisco na Laudato Si’. Mas ela é mais que isto, é fonte geradora de vida, é matriz que permite ao vivo se fazer vivente. Ela é co-criadora. Segue a obra criadora de Deus, Pai, permitindo que a vida vá adquirindo formas cada vez mais complexas. Por isto, a Terra é Mãe.
Para a sensibilidade cristã, durante muitos anos esta imagem gerou pânico: estaria ela reacendendo antigas superstições pagãs panteístas? Não temos como nos deter em uma análise mais profunda destas dinâmicas. Mas a Encíclica Laudato Si’ já responde a estas apreensões, quando assume o carisma franciscano, rompendo com uma leitura romantizada e infantilizadora do Cântico das Criaturas de São Francisco de Assis: terra como “mãe e irmã”, que “sustenta e governa”. Aquela que governa e, portanto, determina os limites. Aquela a quem devemos escutar e obedecer.
Aqui, dois princípios vitais emergem na convergência entre ciência, sabedoria indígena e leitura cristã do mundo. O primeiro, é que a diversidade é a expressão da vida, de sua riqueza e força. Afirmou o Papa Francisco em Puerto Maldonado: “Vejo que viestes dos diferentes povos originários da Amazônia (…) Obrigado pela vossa presença e por nos ajudardes a ver mais de perto, nos vossos rostos, o reflexo desta terra. Um rosto plural, duma variedade infinita e duma enorme riqueza biológica, cultural e espiritual. Nós, que não habitamos nestas terras, precisamos da vossa sabedoria.” (Idem, grifos meus)
O segundo princípio, é que a Terra contém em si sabedoria, tem expressão sagrada, deve ser escutada e respeitada. Não é inerte. Não é sem vida. Não é coisa extensa, que pode ser explorada ilimitadamente. Re-aprender a colocar-se em escuta do que nos diz a Terra é tarefa essencial, que requer conversão em muitos planos: cultural e espiritual; científica e política. E, também, econômica: o nomus, a norma da administração da casa, deve estar subordina ao seu logos, ao seu saber, sua sabedoria e seus limites. Afirmou o cacique e xamã Yanomani, Davi Kopenawa, em debate com empresas mineradoras que desejam abrir cavas em seu território: “Não somos apenas nós, povos indígenas, que vivemos na nossa terra. Vocês querem perguntar a todos os moradores da floresta o que eles acham sobre a mineração? Então perguntem aos animais, às plantas, ao trovão, ao vento, aos espíritos xapiri, pois todos eles vivem na floresta. A floresta também pode se vingar de nós, quando ela é ferida.”
Os tempos que vivemos, por seu extremo risco e perigo, exigem de nós, na Igreja, abertura ao sopro do novo. “Novos caminhos”, busca o Sínodo. E pode parecer incrível que alguns dos novos caminhos sejam aqueles esquecidos pela ruptura Moderna do vínculo entre a humanidade e sua casa. Afirma o Papa na Laudato Si’ que, em relação a Terra, “crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la.” (LS,2) Por isto, precisamos nos converter.
Tanto quanto James Lovelock, um cientista agnóstico, em seus estudos científicos precisou utilizar uma nominação que remetia a antigas conexões entre a Terra e o sagrado, também nós precisamos nos colocar nesta abertura. Encontraremos entre os tesouros cristãos, tais como o Cântico das Criaturas e muitos outros, contribuições fundamentais para os tempos presentes. E para este diálogo eco-lógico com indígenas e cientistas.
Três lições comuns para a Ecologia Social e Cultural
Em Puerto Maldonado, o Papa Francisco, após ouvir os líderes indígenas, reconheceu que estes povos “talvez nunca tenham estado tão ameaçados quanto estão hoje”. Mais, afirmou que a Amazônia é “terra disputada”. Por um lado, em defesa da diversidade e das condições de vida da e na floresta estão os povos em sua imensa variedade. E não apenas os indígenas, mas também camponeses, ribeirinhos e quilombolas. Contra eles, as forças que homogenizam, buscando transformar tudo em dinheiro, em lucro, em acumulação ilimitada. Nomeava o Papa naquela ocasião a ameaça da “nova ideologia extrativa e a forte pressão de grandes interesses econômicos cuja avidez se centra no petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agroindustriais”. Sob a hegemonia das forças do mercado que servem ao “deus dinheiro”, a avidez não reconhece limites. E aqui temos uma grande lição ecológica a aprender nesta comunhão entre sabedoria indígena e carisma cristão. Em uma Terra limitada, um organismo vivo, é essencial reconhecer e respeitar ritmos e limites: há um tempo de plantar e um tempo de colher. Há um tempo de descansar. A avidez do capital é, assim, contrária aos ritmos que governam a vida e que os povos que se conectam com a terra conhecem por experiência própria. Mais, ele gerou, especialmente nas últimas décadas, uma terrível distorção que permite que muito poucos acumulem uma quantidade insustentável de riqueza. Os mega-rico hoje ameaçam a sobrevivência da vida no planeta. Na Amazônia e em todos os países latino-americanos, assistimos a uma terrível regressão das legislações de proteção social e ambiental, regidas pela lógica de favorecimento à acumulação ilimitada. Evidentemente, dinâmica gera na outra ponta um número crescente de empobrecidos. Este desequilíbrio é insustentável tanto para a vida quanto para a dignidade da humanidade (8).
O sentido de limite está no coração da proposta de “sobriedade”, apresentada na Laudato Si’. Em uma terra limitada, a insanidade da avidez das forças extrativistas será letal. Aprendizado ecológico comum número um: limites.
Ao longo de muitos anos, a ideologia do “progresso” se assentou no princípio de acumulação de bens materiais, sem levar em conta que as matérias primas necessárias aos produtos e bens de consumo, têm origem na Terra e que devem ter limites em seu uso, definidos pela própria Terra. Ideias de reciclagem e reuso deixaram de ser valorizadas.
A crise climática, expressão mais acabada da impossibilidade da Terra de suportar este padrão de ação antrópica, urge uma alteração profunda nestas concepções. Como sabiamente afirma o Papa Francisco na Laudato Si’ “é preciso redefinir o progresso.” Por isto nos convida a uma “sobriedade feliz”, que permita o vínculo com outros elementos que garantem felicidade e que não se assentam na passageira alegria do adquirir mais bens materiais. Tão próximo ao sentido de pobreza expresso por São Francisco: pobres porque livres de necessidade e confiantes na bondade e providência de Deus, Criador, que fez um mundo de amor, capaz de saciar tanto aos pássaros quanto aos humanos. Lembremos do Evangelho da Comunidade de Marcos que nos estimula a aprender com os lírios a não acumular. Sabedoria imersa e própria a todo o Criado. O sentido de pobreza, tanto quanto o de riqueza, devem ser radicalmente redesenhados em sentido ecológico. Uma ecologia cultural, um novo sentirpensar, como estimulava o famoso sociólogo colombiano Orlando Fals Borda, pode nos ajudar.
Ainda uma vez, argumenta com sabedoria David Kopenawa, no artigo mencionado: “vocês falam que somos pobres e que nossa vida vai melhorar. Mas o que vocês conhecem da nossa vida para falar o que vai melhorar? Só porque somos diferentes de vocês, que vivemos de forma diferente, que damos valor para coisas diferentes, isso não quer dizer que somos pobres. Nós Yanomami temos outras riquezas deixadas pelos nossos antigos que vocês, brancos, não conseguem enxergar: a terra que nos dá vida, a água limpa que tomamos, nossas crianças satisfeitas.”
Há aqui um chamado profundo a “deixar cair as escamas dos olhos”, como nos chamou Jesus: olhar com olhos novos a Criação. Redefinir o sentido de riqueza e pobreza, eis a segunda lição ecológica que o diálogo intercultural nos permite.
Finalmente, e retornando ao conceito forjado por Orlando Fals Borda, a ecologia cultural nos permite repensar, ou melhor, sentirpensar, o próprio conhecimento: para que conhecemos? Como geramos conhecimento? O que é saber? A tecnociência, possibilitada pela epistemologia gerada na e pela Modernidade, está entre as “raízes humanas” da crise atual, como identifica o Papa na Laudato Si’. Evidentemente, este tema merece um aprofundamento que não é possível nos marcos deste artigo. Assim, apenas indicaremos alguns aspectos importantes a serem levados em conta.
No Ocidente, a partir da Modernidade, “saber é poder”, como sintetizou Francis Bacon (9) , pai do método científico. Bacon afirmava que a ciência permitiria ao “homem” retornar à situação pré-adâmica e cumprir o mandato divino expresso em Gênesis 1,28: “dominai”. Estamos no coração ferido do sonho prometeico: conhecimento que conduziria do domínio sobre a “natureza” à superação da necessidade e, daí, em liberdade, ao ápice do projeto de desenvolvimento humano. Terreno super-sensível, que ensejou inúmeras e sofisticadas reflexões filosóficas, científicas e teológicas. Me limito a chamar a atenção para como a gravidade da crise ambiental evidencia o vínculo intrínseco, ainda que lamentável, entre um determinado tipo de saber e o poder destruidor. A bomba atômica em Nagasaki e Hiroshima, em 1945, abriu uma ferida ampliada com a “grande aceleração” que ameaça as possibilidades da vida no planeta.
Na Encíclica Laudato Si’, o Papa Francisco assume a urgência de re-interpretar o sentido do mandato “dominai”. Ele segue aqui perspectiva que já vem sendo trabalhada por diferentes teólogos e teólogas. Afirma na Encíclica: “Se é verdade que nós, cristãos, algumas vezes interpretamos de forma incorreta as Escrituras, hoje devemos decididamente rejeitar que, do facto de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas. É importante ler os textos bíblicos no seu contexto, com uma justa hermenêutica, e lembrar que nos convidam a «cultivar e guardar» o jardim do mundo (cf. Gn 2, 15) (…) Em última análise, «ao Senhor pertence a terra» (Sl 24/23, 1), a Ele pertence «a terra e tudo o que nela existe» (Dt 10, 14)” (LS, 67).
As implicações epistemológicas desta conversão são profundas: conhecer para melhor amar e servir. Conhecer não para desenvolver mas, ao contrário, para nos envolvermos mais com a terra, com os rios, com o destino da floresta.
Não apenas no âmbito do cristianismo vem sendo suscitada esta conversão. A emergência das ciências do Sistema Terra contribui para a superação de um saber fragmentário e mecanicista, destinado apenas a “descrever”, “dominar” e gerar “poder”. São reconhecidos os alertas incessantes e crescentes que a comunidade científica vem fazendo, pelo menos a partir da década de 80 do século passado, quanto à urgência de alteração nos padrões da presença antrópica. A responsabilidade humana no aquecimento global e na superação de inúmeros aspectos dos limites do planeta são hoje apontados quase que unanimemente pelos cientistas.
Lamentavelmente, a esta convergência de prognóstico que aproxima cientistas – 97% dos climatólogos afirmam as causas humanas do aquecimento global(12) -, a sabedoria indígena e muitas vertentes cristãs e de outras religiões, contrapõe-se com força impressionante o movimento negacionista! Hoje, apenas 15% dos americanos aceitam e assumem a responsabilidade humana no aquecimento global. Após o último relatório do IPCC, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse não estar convencido da veracidade do consenso científico, já que “os cientistas têm uma grande agenda política”. O atual presidente do Brasil, país que detém 67% da Floresta Amazônica, Jair Bolsonaro, também se assume como negacionistaclimático. Ora, ao não estarem convencidos das responsabilidades da ação humana na destruição ecológica, o estímulo em relação a práticas econômicas que mantenham o padrão destrutivo deve seguir.
Aqui voltamos ao ponto inicial de nossa reflexão: a Amazônia é “terra disputada” pela “avidez extrativista”, que desmata para produção do agronegócio, da pecuária e da mineração. Diante disto, a sensibilidade ecológica lança um “grito a nossa consciência” e espera da Igreja “reafirmar uma opção em defesa da vida, defesa da terra, defesa das culturas.” (Papa Francisco em Puerto Maldonado).
Nesta opção, não estaremos sós, como vimos ao longo deste artigo. Aqui, uma vez mais podemos escutar a voz do Senhor que nos diz: “Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência. “(Dt, 30, 19).
Em conclusão
Ao longo dos últimos meses, nas dioceses da Amazônia, a REPAM, Rede Eclesial da Pan-Amazônia, em sintonia com a Secretaria para o Sínodo e com o chamado do Papa Francisco em Puerto Maldonado, esteve envolvida em um intenso processo de escuta, preparatório para o Sínodo para a Amazônia. Os resultados, com todo o rigor e detalhes necessários, alimentarão a elaboração do Instrumento Laboris, próxima etapa do Processo Sinodal.
Ao acompanhar algumas das atividades realizadas, e no âmbito desta reflexão sobre ecologia cultural e social, gostaria de terminar este artigo com o que me parecem ser três indicações importantes vindas das escutas territoriais. O que espera o Povo de Deus de seus Pastores, Padres Sinodais, na “terra disputada” da Amazônia:
1. Que estejam ao seu lado na luta em defesa da Vida, de seus territórios, de suas culturas, espiritualidades e direitos. Reconheçam, como o Papa Francisco, seu protagonismo e os respeitem como interlocutores que tem um importante conhecimento a compartilhar. A defesa de sua terra e território não é egoísta ou retrógrada. Ao contrário, como afirmou David Kopenawa, fazendo eco ao que dizem camponeses, quilombolas e indígenas de diferentes etnias:
“Não estamos preocupados apenas com o que vai acontecer com os povos indígenas. Vocês pensam que os brancos não serão afetados? Vocês não aprendem com o que está acontecendo no mundo? Está ficando mais quente, em outros lugares o clima está mudando, os grandes rios estão morrendo, os animais também estão morrendo e todos estão sofrendo. Vocês ainda não aprenderam que esse tipo de desenvolvimento pode matar todos nós?”
2. Solicitam, portanto, que os pastores conheçam e amem suas ovelhas. Que “tenham o cheiro das ovelhas” e que andem em seu meio como quem está em casa.
3.Mas fazem ainda um alerta imprescindível, como bem sintetizou Sandro Gallazzi, biblista ligado ao Cebi, no Brasil: para ser Pastor é essencial “conhecer o lobo”. Ou seja, não apenas estar ao lado das ovelhas, mas reconhecer quem as ameaça, de que meios se valem para criminalizar e perseguir lideranças; como fazem para cooptar e dividir as comunidades. Como diz Santo Inácio, hoje mais do que nunca, é essencial distinguir o mal que se disfarça de Bem. Não estamos diante de uma disputa apenas espiritual, não é suficiente uma leitura acadêmica e distanciada. Aqui, dar nome, nominar é, como foi desde o Gênesis, distinguir e criar condições para fazer juízo. E, assim, escolher!
Coragem: não estamos sós! Que Nossa Senhora da Amazônia guarde, ilumine e inspire a caminhada Sinodal de nossa Igreja!
Moema Miranda é leiga franciscana, da Ordem Francisca Secular, antropóloga e doutoranda em Filosofia pela PUC-RJ. Pesquisadora do Instituto Teológico Franciscano, secretária da Rede Igrejas e Mineração e do Diálogo dos Povos AL/África. Assessora da Rede Eclesial da Pan-Amazônia.
1. Este texto foi elaborado para o Seminário “Rumo ao Sínodo para a Amazônia: dimensão regional e universal”, realizado em Roma entre 25 e 27 de fevereiro de 2019, pela secretaria do Sínodo. Tem como referência os textos sobre “Ecologia ambiental”, elaborado por Frei Eduardo Agosta e sobre “Ecologia Política e Econômica”, elaborado por Dom Evaristo Spengler. Os trechos entre aspas no título, referem-se ao discurso do Papa Francisco em Puerto Maldonado, 19/fevereiro, 2018: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/january/documents/papa-francesco_20180119_peru-puertomaldonado-popoliamazzonia.html
Apesar dos acordos estabelecidos pela companhia Vale S.A após o crime de Mariana, o sistema de sirenes de alerta também não funcionou a tempo em Brumadinho, em janeiro 2019.
2. https://www.ipcc.ch/sr15/
3. https://www.theguardian.com/environment/2019/feb/06/trump-state-of-the-union-climate-change?CMP=Share_iOSApp_Other.
4. BUSCEMI, M Soave (2007). Eu, Terra do Meio. S. Bernardo do Campo: Nhanduti Editora.
5. Dom Joaquim Mol, bispo auxiliar de Belo Horizonte, durante missa do dia 28/01/2019 http://www.falachico.org/2019/01/dom-joaquim-mol-brumadinho-nao-houve.html
6. “Não nos façamos de distraídos [olhando para o ouro lado]! Há muita cumplicidade… [2]” Papa Francisco, Discurso em Puerto Maldonado.
7. LOVELOCK, James (2006). A vingança de Gaia. Rio de Janeiro: Intrínseca
8. Dados atualizados podem ser encontrados no Relatório da Oxfam, https://www.oxfam.org.br/node/428/done?sid=7446&token=dd8313f063a892d746f64d432ae7845b. Ver também o artigo de Dom Evaristo, já mencionado anteriormente.
9. BACON, Francis (1973). Novum organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza. São Paulo: Abril Cultural. P.7-237 (Coleção Os Pensadores)
10. https://www.theguardian.com/environment/2019/feb/06/trump-state-of-the-union-climate-change?CMP=Share_iOSApp_Other