26º Domingo do Tempo Comum – Ano B – 2018

26º Domingo do Tempo Comum – Ano B – 2018

30/09/2018

Pistas homilético-franciscanas

Leituras: Nm 11,25-29; Sl 18 (19), 8.10.12-13.14 (R 8a e 9b); Tg 5,1-6; Mc 9,38-43. 45.47-48

Tema-mensagem: Não são apenas os discípulos e a Igreja que profetizam e evangelizam, mas também todos aqueles que de uma ou de outra forma se deixam tocar e guiar pelo Espírito do Senhor e seu santo modo de operar (São Francisco).

Sentimento: magnanimidade

Introdução:

Com alegria e gratidão a Igreja se reúne neste domingo para celebrar o mistério do pluralismo e da universalidade do profetismo e da evangelização de Cristo.

  1. Um espírito que se infunde e se efunde

Quem faz a abertura da celebração do mistério deste domingo é um pequeno trecho do livro dos Números que tem como centro a infusão do Espírito de Deus sobre Moisés que por sua vez, em seguida, se efunde e se difunde sobre seus companheiros: “O Senhor desceu na nuvem e falou a Moisés. Retirou um pouco do espírito que Moisés possuía e o deu aos setenta anciãos. Assim que repousou sobre eles o Espírito, puseram-se a profetizar…”.

  • O profetismo na lógica do Espírito

O profetismo, embora presente nos povos do crescente fértil (Mesopotâmia, Canaã, Egito), foi em Israel que se mostrou de modo decisivo, prestando um serviço especial para toda a humanidade. 

O protagonista do profetismo, porém é sempre o Espírito que não apenas sobrevém ao homem, mas também se infunde sobre ele proporcionando uma radical transformação de sua existência. Em vez de viver e de falar a partir de si mesmo, começa, então, a viver e a falar a partir do Espírito – que passa a ser a vida de sua vida. Por isso, também, sua fala é clara e apaixonada, contundente e aguda, tocante e ardente como o fogo.

A verdade de sua fala se dá a modo de uma evidência luminosa, de testemunho e confissão, de uma demonstração (apodeixis), mas não no sentido lógico e sim pelo vigor do espírito (pneuma) (Cf. 1 Cor 2, 4). É uma fala que faz aparecer (prophaino) com nitidez, no brilho da evidência, os envios e mandatos divinos na história. Por isso, é irrefutável.

  • Em vez de prender, deixar-se prender pelo Espírito

Ao longo da caminhada de Israel a profecia, o profetismo, como experiência do Espírito, foi adquirindo manifestações diferenciadas e compreensões várias.

Nos tempos mais antigos o profeta era chamado de “vidente”: “Outrora, em Israel, tinha-se o costume de dizer quando alguém ia consultar a Deus: ‘vinde, vamos procurar o vidente’. Porque o ‘profeta’ de hoje outrora era chamado ‘vidente’” (1 Sm 9, 9). Ele via mais do que o visível, via o invisível. Via mais do que o patente, via o latente. Via mais do que o presente, via o porvir. Como diz um oráculo do estrangeiro Balaão a propósito de Israel: “Eu vejo, mas não é para agora; observo-o, mas não de perto…” (Nm 24, 17).

Outra experiência feita pelos antigos profetas, era a do “homem de Deus” (Cf. Elias)[1]. Mais tarde, foram chamados de “nabi”: aquele que chama, anuncia, prega, ou então, aquele que é chamado e nomeado para ser porta-voz da fala divina (o que fala em nome de Deus)[2]. Sua palavra é radicalmente histórica. Fala a partir dos acontecimentos e das destinações do povo. Trazem, como mensageiros de Deus, uma palavra que ultrapassa as circunstâncias imediatas e que merece não somente ser ouvida, mas também comunicada. Sua mensagem está voltada, ao mesmo tempo, no presente, para o passado e para o futuro. Os acontecimentos axiais do passado servem para iluminar o porvir e abrir perspectivas e horizontes de futuro. O profeta é o guardião do devir.

Destaque especial, porém, merecem Abraão e Moisés. Os dois, figuras fundantes do povo de Israel, eram profetas. Abraão não é só o pai, o patriarca, de um povo. Ele é também o profeta de uma nova humanidade. Pode-se ler toda a saga de Abraão no Gênesis, como fizera Martin Buber, tomando como fio condutor o aspecto de vidente (aquele que vê) de Abraão. Não à toa, segundo uma certa tradição, “Israel” significa “aquele que vê Deus”.  

O livro dos Números expõe a formação de Israel sob a vocação de Iahweh e a profecia de Moisés. Moisés é o grande profeta que media entre Deus e o povo de Israel no Êxodo e na travessia do deserto, em que Israel se constituiu como o povo chamado a ser, por vocação divina, o povo que por seu testemunho de fidelidade a Jahvé, iria unir todos os povos a Deus. Deus, povo e profeta formam um todo uno. Deus escolhe o povo para si, institui uma aliança com ele, caminha com ele, envia-o à terra da liberdade. O povo, porém, sempre de novo, fracassa. Ele permanece surdo e esquece a aliança. Por isso, eram necessários profetas, para manter desperta a determinação espiritual desse povo na história. Espírito, história e vocação-tarefa de um povo são um.

  • O profeta e a liberdade do Espírito

No relato de hoje, o Espírito que animava e sustentava Moisés é compartilhado com outros setenta anciãos. Dois destes, porém não estavam com Moisés e os outros junto da Tenda. E, mesmo assim, profetizavam, no acampamento. O Espírito sopra, afinal, onde e como quer. A profecia não está circunscrita a lugares sagrados. Ela pode acontecer dos mais diversos modos e nas mais diversas configurações no mundo dos homens, mesmo ali onde não parece haver nenhum vestígio de sacralidade. Era o que Josué, fiel auxiliar de Moisés desde a juventude, ainda não tinha compreendido. Quando este sugere a Moisés que se proíba a profecia a Eldad e Medad, Moisés replica: “estás ciumento por minha causa? Oxalá todo o povo do Senhor se tornasse um povo de profetas, sobre o qual o Senhor pusesse seu espírito!”.

A plenitude da profecia em Israel apontava para um profeta que seria não um, mas o Profeta. No Deuteronômio, Moisés mesmo aponta para além de si: “O Senhor Deus suscitará para vós, dentre os vossos irmãos, um profeta como eu; vós o escutareis em tudo o que ele vos disser” (Cf. Dt 18, 18). Depois de Pentecostes, Pedro proclamará ao povo de Jerusalém a realização das profecias, dentre elas, da profecia que previa a vinda do Profeta por excelência: “Moisés primeiro disse: O Senhor Deus suscitará para vós, dentre os vossos irmãos, um profeta como eu; vós o escutareis em tudo o que ele vos disser” (At 2, 22).

 

  1. Jesus e a universalidade de sua evangelização

A questão acerca da universalidade do profetismo enfrentada por Moisés com seus discípulos se repete mais tarde com Jesus e seus discípulos. Eis o tema do Evangelho de hoje apresentado por Marcos da seguinte forma: “João disse a Jesus: “Mestre, nós vimos alguém que expulsava os demônios em teu nome e procuramos impedi-lo, porque não nos seguia”.

  • Acima e antes do grupo, o Evangelho

O motivo que leva os discípulos a tentar impedir a ação deste homem, ao que parece, foi, como outrora com os discípulos de Moisés, o ciúme sectarista. Na melhor das hipóteses, numa interpretação mais benévola, João queria que o exorcista fizesse parte do grupo dos que seguiam Jesus “mais de perto”. Em todo o caso, o problema consistia no fato de que aquele exorcista não era do grupo dos discípulos (“ele não te segue conosco”, diz o evangelho de Lucas – Lc 9, 49).

É verdade. Ele não seguia Jesus com os seus discípulos. Mas, nem por isso ele estava contra Jesus Cristo. Sua ação era libertadora. E, depois, esta ação mesma estava sob a égide, a inspiração, do nome de Jesus. É neste Nome que os homens encontram a libertação do demoníaco – isto é, daquilo que, se opondo a Deus, rebaixa a dignidade humana e embota a imagem divina no homem, por meio dos vícios e pecados. Tratava-se, portanto, de um homem crente, que tinha recebido um carisma e um poder que também os doze tinham recebido. O problema é que não andava com eles. O fato de não andar com eles, porém, não significava que estava contra eles. A resposta de Jesus no evangelho de Lucas deixa claro que este homem não estava contra eles, apenas não estava com eles: “não o impeçais, pois aquele que não está contra vós é a favor de vós” (Lc 9, 50). Mesmo na pior hipótese, a saber, se aquele homem fosse mal-intencionado e indigno, não deveria ser impedido. Afinal, por meio dele, o bem estava sendo feito e o Nome de Jesus se estendia levando salvação aos homens (Teofilato).

 Também nós muitas vezes confundimos as coisas: pensamos que quem não está conosco, quem não anda conosco, está contra nós. Pensamos que aquele que é diferente de nós, pelo simples fato de ser diferente e de não ser “dos nossos”, é contra nós, é adversário, pior, é inimigo nosso, e, por extensão, é inimigo da Igreja, de Cristo, de Deus! Esta visão sectarista, não católica (leia-se não “universal” – não aberta ao Todo), cria animosidades e hostilidades entre os discípulos de Cristo e os homens do mundo, impede o diálogo e a comunicação criativa, pacífica, entre uns e outros. E, com isso, depõe contra os próprios homens e mulheres de Igreja, e, o pior, coloca uma barreira entre os homens que participam da Igreja e Cristo. Muitos homens até mesmo admiram Jesus Cristo, seu ensinamento, etc., mas encontram dificuldades no relacionamento com os cristãos, que, com seu modo não católico, sectarista, de ser, impedem àqueles de realizar uma aproximação maior de Cristo por meio da Igreja.

 “Não o impeçais, pois não há quem faça milagres em meu nome e, logo depois, possa falar mal de mim. Aquele que não está contra nós é a favor de nós” (Mc 9, 39-40). O não estar contra o nome de Jesus significa que ele está a favor do nome de Jesus. E, se está a favor do nome de Jesus, está a favor dos discípulos de Jesus. Da parte do discípulo de Jesus isto exige largueza de visão e nobreza de coração: onde quer que o bem e a verdade apareçam, de onde quer que venham, não somente devem ser acolhidos, mas também fortalecidos. Não somente não devem ser impedidos, mas devem ser promovidos. O critério fundamental, neste caso, para se julgar se algo deve ser acolhido ou rejeitado, não é se está com os discípulos de Cristo ou não, mas se está a favor ou contra o nome de Cristo, e, com isso, a favor ou contra os discípulos de Cristo enquanto tais.

A proposição de Jesus segue a seguinte lógica: todos os homens são meus seguidores, todos formam a minha Igreja, até provarem o contrário, isto é, até o momento em que decidem ser contra mim expulsando-me de sua familiaridade. Mesmo assim, Eu, como Bom Pastor, jamais deixarei de procurá-los.

 

  • Recompensas e escândalos

A seguir, Jesus passa a dar a razão que fundamenta toda a evangelização: “Todo aquele que vos der de beber um copo de água por pertencerdes a Cristo, na verdade eu vos declaro, não perderá a sua recompensa” (Mc 9, 41). O acento deste dito não está propriamente na recompensa, mas na pertença a Cristo. Os que pertencem a Cristo e o seguem se identificam com Ele. E vice-versa: Ele se identifica com estes. E esta identificação não deixa de ser sua maior recompensa. Por isso, a menor bondade feita em favor dos que seguem a Cristo por pertencerem a Ele é feita em favor de Cristo. Aqueles que fazem esta bondade honram o nome de Jesus. Como tal, não ficam sem recompensa. Na dádiva, não é o valor do que se oferece que conta, mas é a dignidade do que recebe e o afeto de quem doa.

O contrário também vale. “Todo aquele que provoca a queda (escandaliza) de um só desses pequenos que creem, melhor seria para ele que lhe amarrassem ao pescoço uma grande mó e o lançassem ao mar” (Mc 9, 42). Se os que honram os discípulos de Jesus por serem de Jesus são recompensados, pelo contrário, os que os desprezam e os escandalizam (os levam a tropeçar), também serão punidos. Um mal mais grave do que o ser jogado no mar com uma mó puxada por um burro lhes sobrevém. Jesus chama de pequeninos os que o seguem e os que pertencem a Ele. Fazer o mal aos pequeninos, aos inocentes, é o que há de pior. Entre estes pequeninos ainda mais dignos de cuidado são os que são pequenos na fé. A estes se há de conduzir à idade adulta e à maturidade na fé, com cuidado; não se há de fazer precipitar na incredulidade. Estes pequenos devem ser conduzidos com paciência à plenitude da verdade da fé e não à incredulidade. Não obstante, São Gregório Magno diz que, às vezes, a verdade por si mesma escandaliza os homens, e tira a conclusão: quando o escândalo nasce da verdade mesma, é melhor permitir o escândalo do que abandonar a verdade para que não aconteça o escândalo.

Outra coisa é quando o escândalo nasce de dentro da comunidade mesma dos discípulos, pela palavra ruim e pelo exemplo corruptor. Mais uma vez, aqui, aparece o que é o critério decisivo: não é estar dentro ou fora da comunidade dos discípulos, mas o modo como se está dentro ou fora. Estar dentro, mas de maneira que não condiz ao discipulado, pondo a perder outros que estão dentro do círculo da comunidade dos discípulos, é pior do que estar fora. Por isso advertia São Francisco: “A todos aqueles Irmãos, porém, que não quiserem observar estas coisas, não os considero católicos nem Irmãos meus. Não quero também vê-los nem falar-lhes, enquanto não fizerem penitência. O mesmo digo ainda de todos os outros que, deixando a disciplina da Regra, andam vagando por aí, pois Nosso Senhor Jesus Cristo deu a sua vida para não perder a obediência ao santíssimo Pai” (CO 44-46).

2.3. A radicalidade e a seriedade do seguimento

As palavras seguintes de Jesus advertem para a seriedade do seguimento, do discipulado (Mc 9, 43-48). Falam de cortar as mãos, os pés, o olho, se preciso, para poder entrar na vida (eterna).

Mão significa ação, operação. O discípulo deve ter a coragem da decisão, isto é, da cisão, pela qual ele se priva daquilo que lhe serve de auxílio e apoio para agir e operar, quando isto o leva a incorrer no mal (nos vícios e pecados).

Pés significa o que serve para o movimento, para o encaminhamento da vida. Se algo nos encaminha para o mal deve ser rejeitado.

Olho significa o que dá perspicácia e abre acesso a descobertas. A curiosidade, no sentido da concupiscência dos olhos (do querer conhecer sem compromisso com o bem), deve ser cortada da vida do discípulo de Cristo.

É melhor privar-se de possibilidades de ações, de encaminhamentos, de descobertas, que danificam a alma (a vida em seu vigor e interioridade) do que mantê-las e se deixar arruinar. O que é decisivo para o discípulo de Cristo não é a manutenção de muitas possibilidades de agir, de encaminhar, de descobrir, mas é a concentração no que é realmente importante, essencial: entrar na vida, na plenitude da vida, na vida eterna.

Há privações que nos são salutares e boas. Há posses que nos põem a perder e nos arruínam. O homem está diante de duas possiblidades: a plenitude da vida ou a frustração da vida no remorso (o verme que não morre) e no sofrimento do desespero – a morte segunda, a morte eterna (a geena: o fogo que não se apaga). É enfim, não permitir que se apague o fogo do primeiro amor.

 

  1. O choro e o gemido do rico

A segunda leitura, que continua a nos trazer a Carta de São Tiago, apresenta uma advertência profética e escatológica aos ricos. Aqueles que oprimem os pobres e se enriquecem às suas custas, pois lhes retêm o salário, se arruinarão. Sua riqueza traz consigo a marca da corrupção e se voltará contra eles. O dia do Senhor será terrível para aqueles que oprimem os pobres e matam os justos não violentos que os defendem. Na verdade, os ricos que se portam assim não estão diminuindo ou destruindo os outros, mas corrompendo, destruindo a sua própria essência, seu tesouro, seu humano. Aqui o grito dos profetas alcança uma nova contundência e se reveste de sentido escatológico. Aquele que põe na injustiça, na opressão, e na riqueza amontoada a sua confiança, a sua força se verá arruinada em face ao juízo divino. Com a mesma seriedade com que Cristo nos fala no evangelho, fala-nos também o seu discípulo e apóstolo na segunda leitura de hoje.

Conclusão

Como nos antigos judeus, também a Igreja, o Cristianismo nem sempre se mostram abertos ao vigor católico (universal) de sua cristidade, ao sopro e ao fogo do Espírito. É quando se esquece da verdade kenótica do Crucificado. Então, a universalidade crística (da cristidade) se retrai e cede lugar ao sectarismo, imperialismo, ao totalitarismo, ao triunfalismo “cristão” (do cristianismo).

A autoridade do mistério se retira e cede lugar para o poder da força e da violência. Triunfo do fundamentalismo cristão e suas visões de mundo e ideologias sectaristas. O carisma profético, então, cede à funcionalização e burocracia institucional. A unidade na diversidade é reduzida à uniformidade na igualdade. A aletho-poíesis (Cf. Jo 3,21: poein ten aletheian = pôr em obra a verdade) é atropelada pela exigência de ortodoxia (Ortodoxia = reto parecer, reta opinião, reta doutrina) e ortopráxis.

 Então, o reino de Deus é identificado com a Igreja; a Igreja de Cristo, com a Igreja de Roma; a Igreja de Roma, com o poder curialista, exercido ao modo do Império Romano; o ministério papal, com monarquia teocrática; a celebração do mistério na liturgia, com ritualismo estereotipado; a ética do discipulado, com a moral repressiva e farisaica, ditada pelo clericalismo, etc.

No Pentecostes o Espírito Santo sobrevém aos discípulos de Cristo e se comunica a judeus vindos das mais diversas nações da terra. Nos Atos do Apóstolos ainda se narra como o Espírito sobreveio aos gentios assim como aos judeus. Era o surgimento do povo profético que veio a constituir a Igreja de Cristo. Desde então quantos “homens de Deus” se destacaram neste povo pela força e pelo dinamismo do Espírito Santo sobre eles, neles e através deles! E com quanta riqueza de configurações e concreções em carismas! A criatividade do Espírito, porém, nunca se sujeita aos nossos esquemas de sacralidade. O Espírito, afinal, sopra onde quer e como quer.

Assim, na história da Igreja, vem surgindo homens e mulheres como São Francisco de Assis, Teresa de Calcutá que se tornaram profetas e evangelizadores pelo testemunho de uma vida centrada em Cristo crucificado e seu Evangelho. Do primeiro se diz que ele se tornara um “homem de Deus” e que: “Até certo ponto, elevado acima das coisas deste mundo … tinha dominado, com admirável virtude, tudo o que havia no mundo, pois tinha os olhos do intelecto sempre voltados para aquela suma luz, de modo que conhecia, por revelação divina, não só o que devia fazer, como também predizia muitas coisas com espírito profético, penetrava os segredos dos corações, conhecia coisas ausentes, previa e anunciava o futuro (2C 27).

O desafio é, portanto, ouvir sempre de novo o chamado que conclama para a metanoia, a transformação da mente, do intelecto, na acolhida do evangelho. Somente a partir da autoridade da revelação do Mistério de Cristo, o Crucificado, é que o cristão se liberta das pretensões de poder movidas em nome do “cristianismo”, para viver, na liberdade da cristidade, a sua existência crística e cristificada. Mas, essa libertação da prepotência e arrogância movida em nome do cristianismo (tendências sectaristas e triunfalistas) só se dá no seguimento da via kenótica (esvaziamento) do discipulado de Jesus Cristo, o Crucificado. É a via da “Altissima Paupertas” (altíssima pobreza), indicada por São Francisco de Assis, quando, em sua Regra, escreve:  “Esta é a excelência da altíssima pobreza, que vos constituiu, caríssimos irmãos meus, herdeiros e reis do Reino dos Céus, vos fez pobres em coisas e vos sublimou em virtudes” (RB 6).

Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e frei Dorvalino Fassini,ofm

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[1] “Homem de Deus” é um título que, nas fontes franciscanas, é atribuído a São Francisco. De um modo especial, é um epíteto usado por Tomás de Celano: 1C 6; 1C 13; 1C 14; 1C 15; 1C 16; 1C 31; 1C 44; 1C 65; 1C 66; 1C 136; 2C 12; 2C 13; 2C 15; 2C 24; 1C 25; 2C 38; 2C 40; 2C 44a; 2C 46; 2C 48; 2C 57; 2C 68; 2C 70; 2C 73; 2C 77; 2C 78; 2C 84; 2C 94; 2C 98; 2C 108; 2C 109; 2C 123; 2C 137; 2C 142; 2C 158; 2C 160; 2C 171; 2C 192.

[2] O nome nabî vem de naba’, que significa “mostrar”, “apresentar”.