A DIMENSÃO POLÍTICA DO FRANCISCANISMO

Defender o que é justo não é ser inimigo 


Estou concluindo esta série de reflexões sobre a Dimensão Política do Franciscanismo. Ela tem um endereço certo: ajudar os grupos de vivência franciscana a pensar, com fundamentos de nossa espiritualidade e práxis, algumas saídas para algumas crises da nossa contemporaneidade. Eu não sei qual é a saída, mas acredito em alguns aspectos: a saída para algumas crises está na força espiritual. A agenda dos encontros teológicos-espirituais, os capítulos locais, os encontros de Fraternidade não podem deixar de enfrentar a crise sistêmica que estamos vivendo. A fé, sobretudo a partir da vertente cristã e franciscana, tem uma dimensão escatológica, isto é, um hoje preparando um futuro de esperança. Tem que ser “Assim na terra como no Céu”. Como prepara-se para um futuro sem entender onde está o hoje da pertença?

É o que quis propor nestas reflexões. Temos que compreender a realidade em que vivemos, situando-se no interior desta realidade com seu intrincado emaranhado de questões e situações. Temos que fazer valer o que pedimos através da Oração atribuída a São Francisco: “Onde houver ódio, que eu leve o Amor!”. Sem ódio, queremos a justa medida de todas as coisas. Temos que ver o que está acontecendo no presente para preparar o nosso futuro. Defender o que é justo não é ser inimigo.

Escrevi esta série de reflexões porque vi muito ódio em comentários infelizes de algumas pessoas da Família Franciscana e grupos afins contra o Sinfrajupe (Serviço Franciscano de Justiça e Paz e Ecologia) e sua carta social, vi ódio contra a carta da Jufra e sua postura diante da situação do país, vi ódio contra o Frei Éderson de Queiroz, vi ódio contra Leonardo Boff, vi ódio contra a CNBBB, vi ódio contra a carta dos Ministros Provinciais, vi ódio contra o Papa Francisco porque ele escreveu uma carta a Gustavo Gutierrez por ocasião de seus 90 anos. E onde vi este ódio? Muitas vezes em alguns encontros fraternos e formativos da Família Franciscana que se reunindo como frades, OFS e Jufra em suas reuniões ordinárias; mas sobretudo li este ódio em infelizes comentários no Facebook e no WhatsApp, e em e-mails que recebi. Sei que nem todos precisam pensar igual, mas a questão não é pensar diferente, o problema maior é não pensar.

Hoje, mesmo dentro da ‘franciscanada’, muita gente apresenta o criminoso com ódio, mas não quer perguntar e nem quer pensar quem produziu o criminoso. Será que o criminoso é criminoso apenas por culpa individual? A imprensa criminaliza, e todos acreditamos na apresentação dos fatos que já vem pronta. A mídia não só corrompe, ela é a própria corrupção do Bem e da Paz. A violência da mídia nos despolitiza. Tenha medo do medo que ela instaura, mas não fique preso a este medo, porque ele paralisa. Não podemos deixar que a mídia nos faça voltar a um tempo de ódio e raiva no mundo.

A realidade do mundo está sendo refletida por movimentos que vêm debaixo, que vem das bases e que estão sufocados por fortes estruturas de consumo, mercado e produção. Cada vez que os movimentos que vêm debaixo têm uma conquista de uma migalha de solução, são destruídos por um golpe. Somos vítimas de golpes a cada três anos.

Todo ser humano nasce, sonha e luta para ter características iguais, privilégios iguais e uma mesma força ética; todos sonham o bom, o útil e o agradável. Por que isto não pode ser para todos, e o melhor está somente nas mãos de alguns? A história da humanidade não é uma história de igualdade, mas uma história de uma classe sobre a outra, e isto gerou um processo histórico que dita leis que vale somente para alguns; a lei da mais valia. Por que não queremos pensar sobre isto?

Qualquer vocabulário que venha da sociologia, da cidadania, da religião, da reflexão, tem que priorizar os seres humanos. Priorizar o ser humano para resgatar nele o melhor. Mas o que se está fazendo? Ajuda ou controle? A moda é vasculhar a vida do outro e da outra até o limite, mostrar todo o lado das fraquezas, até que a pessoa renuncie ao seu eu, até que se torne o eu dos outros.

Vamos ter a coragem de ouvir no plural! Precisamos ter a grandeza de ouvir no plural e não apenas no pensamento único. Vamos aprender a ter lucidez crítica, nem que isto tenha consequências. “Quem come o fruto do conhecimento e do espírito crítico sempre é expulso de algum paraíso”.

Ser franciscano e ser franciscana é ter a força fraterna; é ser aquele e aquela que tem em primeiro lugar as pessoas humanas em seus propósitos, e prioritariamente os descriminados. A força motriz na convivência fraterna franciscana é a fraternidade. Nosso lema não é o ódio, mas a justa medida das relações. Hoje, a visibilidade do ódio dos que conseguiram o seu lugar privilegiado é dizer: negros, índios, pobres, militantes dos direitos humanos, ambientalistas, fiquem lá no seu cantinho e não nos incomodem! Caso contrário, vamos fazer uma delação premiada! Vamos acusar vocês de alguma coisa, até porque a delação premiada é um conceito religioso que veio da Inquisição católica: se você acusar alguém será contrito e perdoado. E o pior, a delação premiada está dentro de nossas casas e de nossas Fraternidades!

Tenha coragem de mudar e de dizer que errou no seu modo de pensar, porque não leu e não se preparou para a verdade dos fatos. Muita gente não tem coragem de dizer que errou e por isso fica quieta; ou não tem a coragem de perceber que está errado e compactua com o erro dos outros para reforçar uma opinião que não tem.

Ontem, no século XIII, tínhamos São Francisco de Assis que foi dar um libertador abraço no leproso. Gosto demais da afirmação de Frei Rodrigo Peret, OFM, que a coisa mais linda deste abraço foi revelar quem estava mais doente: o que tinha a lepra ou o que tinha nojo do leproso? Francisco estava mais doente porque tinha nojo do leproso; porém, Francisco de Assis saiu da doença de ter nojo e mudou o mundo. Então, saia do nojo e do preconceito e medo que você tem e mude o mundo!

Hoje, no século XXI, temos o Francisco de Roma, que vem nos mostrar a humildade de reconhecer onde erramos e ensinar que temos que aprender com os nossos erros. Os dois Franciscos, mais do que nos ajudarem a lutar para melhorar o mundo, nos ensinam que temos que estar bem dentro e junto com o mundo e, a partir daí, transformar o mundo em Reino de Deus.

FREI VITORIO MAZZUCO