25º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 2020

25º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A

Leituras: Is 55,6-9; Sl 144; Fl 1,20-24.27; Mt 20,1-16

Tema-mensagem: Enquanto nós respondemos com medidas justiceiras, Deus recompensa a todos, justo ou injustos, santos ou pecadores, com suas medidas sem medidas.

Introdução: Enquanto no domingo passado, celebrávamos “O perdão sem medidas” (perdoar até setenta vezes sete), hoje celebramos “A remuneração sem medidas”. Deus não é patrão, mas Pai que nos remunera não segundo nossas medidas, justiceiras e mesquinhas, mas segundo a magnanimidade de seu coração. É o que nos ensina Jesus através da parábola dos “Operários da última hora”.

  1. Os pensamentos e os caminhos do Senhor estão bem acima dos nossos pensamentos e dos nossos caminhos (Is 55,6-9)

A primeira leitura é tirada do último capítulo do Segundo Isaias que tem como assunto principal a iminente volta dos israelitas do cativeiro babilônico, considerada como um segundo êxodo, uma nova libertação ofertada por Jahvé. Este retorno se concluirá com a consumação de uma nova aliança muito mais perfeita que a primeira e com um grande banquete escatológico, messiânico, universal no qual Jahvé reunirá em torno de Israel todos os povos e nações.

 Mas, essa graça passa necessária e primariamente pela conversão. Por isso, a perícope de hoje começa com esta ardorosa e insistente exortação do profeta: Invocai o Senhor. Enquanto pode ser achado: invocai-o enquanto ele está perto… Abandone o ímpio o seu caminho… volte para o nosso Deus … (Is 55,6-7).

Chegara a hora da graça. Apesar de suas infidelidades, Israel não precisava ter medo de seu Senhor. Israel o abandonara, mas Ele, não. Continuava ao seu lado, perto, ao seu alcance. Bastava converter-se. Mas, para isso havia uma exigência lógica:  abandonar os caminhos dos montes, os caminhos dos falsos ídolos e voltar a viver deixando-se guiar, orientar e conduzir pela Palavra de Jahvé. Essa graça exigia, pois, muita humildade, coragem e boa vontade, ou seja, fé e firmeza. Pois, em vez dos caminhos falsos e dos pensamentos vãos dos ídolos, os caminhos e os pensamentos do Senhor estão acima desta terra; são caminhos que os levará e elevará às alturas do céu. (Is 55,9).

  1. Deus, um Pai que contrata e paga a todos segundo as medidas Dele (Mt 20,1-16)

O trecho do Evangelho de hoje faz parte da penúltima seção do Evangelho de Mateus que contém algumas parábolas referentes à Vinda definitiva do Reino de Deus.

  • Dos contratados

Para o ensinamento de hoje, Jesus elabora uma história a partir de uma atividade muito conhecida do povo de então, a vindima: O Reino dos Céus é como a história do patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha. Combinou com os trabalhadores uma moeda de prata por dia. E os mandou para a vinha (Mt 20,1-2).

Diferentemente dos deuses pagãos que consideravam o homem como um possível concorrente, um adversário ou, pior ainda, um inimigo, o Deus de Jesus Cristo nos vê e quer como colaboradores seus e administradores de seus bens. É assim, com esta primeira vocação, que Ele nos criou: Jahvé tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para que o cultivasse e o guardasse (Gn 2,15). E, mesmo ou justamente, após o pecado de Adão, Jahvé não desacredita do homem. Continua chamando pessoas – patriarcas, reis, profetas, etc. – e, até mesmo, todo um povo – Israel – para que o ajude e colabore na obra da salvação. São os trabalhadores da madrugada, das nove, das dez e das quinze horas de que fala a parábola.

As contratações são diversas, mas o contexto é sempre o mesmo. De um lado o patrão que necessita de muitos trabalhadores porque a vinha é enorme. Por isso, desde cedo até à tardinha, sai à procura de operários. De outro lado, muitos trabalhadores vivendo à toa porque ninguém os contratava. Vem, então, a convocação do patrão para todos eles, os do cedo e os da tarde: Ide, também vós à minha vinha. E eu vos pagarei o que for justo (Mt 20,4).

A parábola, além de nos oferecer um belo resumo de como se deu a obra da salvação no Antigo Testamento, nos apresenta a estrutura e a dinâmica da construção do Reino dos Céus. O início está no Pai, que manda seu Filho Jesus como o administrador de seus bens. Jesus, por sua vez, começa chamando e enviando os apóstolos – os trabalhadores da madrugada. Mas, após esses, continua chamando e enviando outros e mais outros, até a consumação dos tempos, com os trabalhadores da última hora. Nessa  edificação o que importa não é a hora, mas o fato de haver um patrão, um Senhor da vinha que não é absolutista, mas que sente necessidade de ajuda, de cooperadores. O texto os chama de contratados. Contratar tem algo a ver com “tratar”, isto é, com alimentar, dar sustento. Ora, o que são os apóstolos e todos os demais cristãos senão os chamados e eleitos para distribuir o pão da palavra, do amor e da misericórdia do Pai?!

  • A remuneração

A segunda parte da parábola trata da remuneração, do salário devido aos trabalhadores.

Olhando para a dimensão histórica, a mensagem parece muito clara: os judeus, por causa de sua inveja ou teimosia diante da Boa Nova de Jesus, serão os últimos a entrar no Reino, na Casa do Pai. Mas, o contexto, em verdade, aponta para outra direção ou mensagem que se faz presente no pagamento de cada um dos trabalhadores: Quando chegou a tarde, o patrão disse ao administrador: “Chama os trabalhadores e paga-lhes uma diária a todos, começando pelos últimos até os primeiros!” (Mt 20,8).

O centro da parábola gira, pois, em torno de dois pontos cruciais: de um lado a diversidade, a diferença da dedicação do trabalho despendido por parte dos quatro grupos de trabalhadores e do outro a mesma recompensa dada a todos eles e, ainda por cima, começando pelos últimos. Daí a reclamação, o resmungo dos primeiros: Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor o diai (Mt 20,12).

Por causa dessa aparente injustiça, a parábola poderia também ser chamada de a parábola do “Salário igual para trabalhadores desiguais”. Por isso, os homens do mundo, da justiça humana, logo se insurgirão para gritar: Injustiça! E eles têm razão, pois, se o Reino de Deus fosse deste mundo, o que fez aquele patrão estaria ferindo todos os princípios que regem o mundo do trabalho: para horas de trabalho diferentes, salários diferentes.

Mas, Jesus veio falar e inaugurar o Reino de Deus. Um Reino no qual se entra pela acolhida da Boa Nova da gratuidade de um Deus que não é patrão, mas Pai e que, por conseguinte, nós não somos empregados, mas filhos. O que está em jogo, enfim, é a doutrina do judaísmo representada pelos fariseus e mestres da lei: que a salvação é conquista, merecimento pela prática da Lei. Recordemos, aqui, a resposta que o Pai do filho da parábola do “Filho pródigo” deu ao seu filho mais velho: “Tudo o que tenho é teu”. Ou, aquela outra: É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos Céus.

Por isso, a mensagem é a mesma que perpassa todo Evangelho: não há nenhuma possibilidade de o homem poder apresentar a Deus qualquer direito, exigência ou fatura, por mais que trabalhe na obra de sua salvação. Ou seja, Deus é como esse patrão que dá a nós, seus trabalhadores, tudo de graça, sem nenhum merecimento nosso. Daí a sentença final e conclusiva: Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou estás com inveja porque estou sendo bom?! (Mt 20,15).  

Com essa parábola Jesus dá um golpe final à pretensão dos judeus – os primeiros – que não apenas se julgavam merecedores, compradores do Reino dos Céus, mas que, também, acreditavam poder apresentar a Deus uma série de merecimentos e vantagens sobre os últimos. Por isso, Jesus termina proclamando. mais uma vez, que a graça – o Pai – veio para dar um golpe mortal a todo merecimento e vanglória humana. Eis o Reino dos Céus no qual os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos.

 

  1. O viver de um cristão é Cristo (Fl 1,20-24.27)

A segunda leitura é tirada da Carta aos filipenses. Paulo a escreveu num dos momentos mais críticos de sua vida. Incerto dos rumos de seu futuro, por causa de sua prisão, o apóstolo procura esclarecer, mais uma vez, seus fiéis sobre a essência da vida de um cristão: viver com Cristo. Ou, melhor, fazer com que Cristo seja glorificado em seu corpo, seja na vida, seja na morte (Cf. Fl 1,20). Eis, enfim a Boa Nova, a graça, o pagamento, a diária, a recompensa de que nos fala o Evangelho de hoje.

Nisso, Paulo repete o Mestre que também e sempre buscou na vida e na morte tão só e unicamente a glória do Pai. Buscar a glória do outro é um processo de morte de seu próprio eu para que apareça em todo seu fulgor e brilho a pessoa amada, no caso Jesus Cristo. Assim, bom médico, bom músico não é aquele que faz aparecer sua pessoa, que vai atrás de seus próprios interesses mas, antes, aquele que se doa todo para que apareça a medicina, a música. Da mesma forma bom cristão é aquele que se esquece de si e se doa todo para que apareça nele Jesus Cristo. Por isso, já dizia Jesus: Como vos é possível acreditar se andais à procura da glória uns dos outros e não procurais a glória que vem do Deus único (Jo 5,44).

Esse princípio da Boa Nova de Jesus pode ser verificado também na natureza das coisas criadas: quanto mais a vida se doa, mais ela se fortalece e, quanto mais se acomoda em torno de si mesma, mais se enfraquece (Cf. EG 10).

Por isso, Paulo, como São Francisco de Assis, é um belo exemplo de alguém que morreu a si mesmo para deixar transparecer em toda sua vida, até mesmo em seu corpo as marcas – a glória – de Cristo crucificado. De si mesmo ele dá este testemunho: ninguém moleste porque trago em meu corpo as marcas de Jesus crucificado. Do segundo, assim fala um de seus biógrafos: Desde aquela hora (Encontro com o Crucificado em São Damião), seu coração de tal modo ficou ferido e derretido ante a memória da Paixão do Senhor, que sempre, enquanto viveu, levou em seu coração os estigmas do Senhor Jesus, como posteriormente apareceu claramente pela renovação dos mesmos no seu corpo, admiravelmente realizados e clarissimamente demonstrados (LTC 14).

Conclusão

Como ilustração acerca da mensagem desse Domingo, ouçamos este jocoso “Fioretti” de um dos mais fiéis companheiros de São Francisco. Frei Masseo, certa vez, enchera-se de um desejo ardentíssimo e de um propósito firmíssimo para alcançar a santa humildade. Isso porque ouvira de Francisco que essa virtude é o tesouro da vida e da salvação eterna. Mas, vivia triste porque mesmo imolando-se todo na fome, na sede e em muitas lágrimas, não conseguia ser humilde. Aconteceu, então, que certo dia entrou na floresta; e enquanto andava pela floresta, por causa do veemente desejo emitia pesarosos clamores e lacrimosos suspiros, pedindo a Deus que lhe concedesse a dita virtude. E porque o Senhor ama os contritos de coração e ouve as vozes dos humildes, ouviu-se uma voz do céu, clamando duas vezes: “Frei Masseo! Frei Masseo!” E ele, reconhecendo pelo Espírito Santo que era o Cristo bendito, respondeu: “Meu Senhor! Meu Senhor!” E o Senhor a ele: “O que queres dar, o que queres dar para possuíres essa graça?” E Frei Masseo respondeu: “Meu Senhor, os olhos de minha cabeça!” E o Senhor a ele: “E eu quero que tenhas os olhos e a graça!” Então, Frei Masseo ficou em tanta graça da desejada humildade e da luz de Deus que, continuamente, estava em júbilo. E, muitas vezes, quando rezava, soltava um certo murmúrio uniforme de júbilo e, com voz abafada, fazia como o pombo: “u, u, u” e, com a face alegre e jucunda, doava-se à contemplação; e com isso tornou-se humilíssimo, reputando-se o mínimo dentre todos os homens (Atos 40, Fi 32).

Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini, OFM