11º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO B

11º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO B

17/06/2018

Pistas homilético-franciscanas

 

Leituras: Ez 17, 22-24; Sl 91; 2Cor 5,6-10; Mc 4, 26-34

Tema-mensagem: O mistério da germinação e do crescimento do Reino de Deus é como o vigor e a fecundidade da semente quando lançada na terra

Sentimento: admiração e gratidão

Introdução

Celebramos neste domingo, o mistério da germinação e do crescimento do Reino de Deus em cada um de nós, no mundo e na história. Para conduzir-nos para a proximidade deste mistério, Jesus, fala da semente e do grão de mostarda quando lançados na terra.

 

  1. O Reino de Deus é como o mistério da Terra e da Semente…

1.1. A semente na terra e com a terra

                  Para compreender seu Reino, diz Jesus, é preciso concentrar-se no como ele se dá. “Como” aqui, indica o modo, o espírito, o ânimo. E o modo ou espírito que move o Reino de Deus, diz Jesus, é semelhante ao ânimo da semente lançada na terra: um processo ininterrupto e repetitivo de morte e vida, vida e morte. Morrer para nascer, crescer, florescer, dar fruto, e, a partir daí, morrer de novo, para nascer de novo. Em todo o caso, vida que vem da morte, morte que serve à vida. Vida e morte como dois momentos do mesmo mistério. Assim como um pássaro não pode voar com uma asa só, mas precisa de duas, do mesmo modo, o destino da semente só se cumpre compondo vida e morte.  Jesus resumiu isso ao dizer: “Em verdade, em verdade, eu vos digo, se o grão de trigo que cai em terra não morre, ele fica só; se, ao contrário, ele morrer, produzirá fruto em abundância” (Jo 12, 24). Eis o como, a alma, o espírito, a Lei da Terra. É este o modo de ser que rege tudo o que nela é lançado e que dela surge: passagem da vida à morte, da morte à vida. Lei que rege também tudo o que existe fora dela como o Sol, que declina a cada dia, no seu ocaso e ressurge a cada dia, no seu levante: ocidente e oriente. Rege também o suceder das gerações humanas: nascimento e morte, crianças e velhos. Rege igualmente nossa história, nosso cotidiano: trabalhamos, vivemos durante o dia e descansamos, adormecemos durante a noite para, ao acordar, começar a viver de novo;  ressurge o corpo que adoece e se recupera de novo; rege nosso ânimo: entristecemos, desanimamos para logo em seguida alegrar-nos e animar-nos de novo, etc. Eis o movimento fundamental, o como se dá o historiar-se da vida: caminho, envio de ser para ser através do não ser.

Esta lei aparece já no livro do Gênesis onde o homem é convocado para ser não o dominador e amo da Terra – na concepção de Descartes e dos modernos – mas o seu servidor e cuidador. O homem é o jardineiro da Terra: aquele que é incumbido de crescer para o céu a partir do relacionamento com a Terra, aprendendo com a sua abertura para a vida e com a sua gratuidade generosa.

O destino da semente fala, pois, de vida e morte numa unidade: “se o grão de trigo lançado à terra não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto” (Jo 12, 24). A semente “morta”, enterrada, traz consigo a força da vida nova. Por isso, com muita propriedade, São Francisco chamava a Terra de “nossa irmã e nossa mãe”. A parábola é mais uma tentativa de Jesus explicar o mistério da vida, e da nova criação inaugurada pelo princípio de sua Encarnação-morte e ressurreição: o Reinado de Deus. Eis o modo, o como se dá a germinação e o crescimento do Reino dos Céus introduzido por Cristo no meio dos homens e de sua história.

 

1.2. Semear: um ato de fé e de esperança

Assim, lançar a semente na terra é um grande ato de fé e de esperança. Fé e esperança de que os gérmens de vida sejam bem recebidos e que assim, possam criar raízes na terra. Ora, esta semente de que fala Jesus é em primeiro lugar Ele mesmo, o Logos (a Palavra) eterno (a) e o Pai é seu primeiro semeador e a terra, o coração dos homens, o seminário, isto é, a sementeira do Pai.

Com a Encarnação, por sua vez, além de Logos, semente, ele se torna também seu semeador. Nesse evento se revela como Ele amou a Terra dos homens e os homens da Terra. Mas, a boa semente do Verbo eterno do Pai – o trigo – tem que aprender a conviver com as sementes que o Maligno também lança na terra dos homens: sementes – palavras, mensagens – de ódio, de exclusão, de violência, de desespero… Os meios de comunicação de massa, as redes sociais, o mundo virtual, facilmente disseminam tais sementes de ervas daninhas nas mentes humanas.

Em meio a isso, convém recordar sempre a força da semente divina, seu vigor, seu dinamismo, sua grandeza, sua fé,  não obstante sua aparente pequenez; confiar nesse dinamismo e no seu vigor e, assim, continuar preparando terrenos – as mentes, os corações humanos – esperando e confiando na força da vida, no seu germinar, crescer, florescer e frutificar em nossas vidas; saber que a medida do crescimento de nossas vidas se fará, a exemplo de Maria, pela acolhida generosa, alegre, feliz e agradecida da Palavra divina – Ela: a mais bela sementeira do Pai; o “hortus conclusus” (horto, jardim, fechado) do Pai, segundo uma bela imagem poética medieval[1]. Em verdade, no Reino do Pai – bem diferente do reino do mundo, que gosta de agitar-se atrás de mil e uma coisa – o que se exige, de nossa parte, é apenas que acolhamos generosamente e com alegria suas sementes. Este é o chão, o lar, a terra natal, a terra mãe: o Amor-Gratuidade, o Amor Jovial do mistério da Encarnação-Cruz-Morte e Ressurreição do Senhor. Maria é, neste sentido, a mais bela concreção humana da Terra Mãe. Nela, a Terra foi redimida, pois deu o seu mais belo fruto: Jesus Cristo – filho de Deus e filho do homem.

Feito o anúncio da parábola, Jesus diz: “Quer o homem durma, quer esteja levantado…”. Segundo o próprio evangelho, o dormir do homem evoca a morte do Salvador e o levantar, o seu ressuscitar. Assim, com a sua morte e a sua ressurreição a semente de seu anúncio, de seu Evangelho, germinou e cresceu mais e mais, na prosperidade e na adversidade. É o paradoxo da vida que nasce da morte, da Ressurreição que nasce da Cruz.

A seguir ouvimos: “…de noite e de dia, a semente germina e cresce, sem que ele saiba como”. Isso revela a grande generosidade da semente que germina e cresce na prosperidade e na adversidade, na tranquilidade e na perseguição, na consolação e nas tentações; a palavra de Cristo germina e cresce, e floresce e frutifica em nós, sem que saibamos como. Às vezes uma palavra aparentemente cheia de ódio, pode redundar e repercutir num ato de amor e de perdão. É o mistério da grandeza, da magnanimidade, da nobreza do Reino de Deus em nós.

Diz ainda Jesus: “A terra produz por si mesma primeiro a erva, depois a espiga, por fim, a espiga cheia de trigo”. Se antes a parábola apontava para a generosidade da semente, agora revela sua gratuidade. Ou seja, Jesus Cristo confia sua palavra de graça e de vida a nós, à nossa liberdade. De nossa parte apenas espera e solicita a nossa boa vontade, para que possamos deixar a sua palavra germinar, crescer, florescer e frutificar em nós, a partir de nós mesmos, do âmago de nossa liberdade. Já diziam os antigos: “Gratia supponit naturam”, isto é, na terra da natureza é que cresce a graça. Por vezes, uma palavra ouvida nos primeiros anos de nossa existência só vai ecoar e produzir seu efeito nos últimos anos de nossa vida.

 

1.3. O grão de mostarda: a semente e sua excelência

Se a parábola anterior falava da fecundidade da semente do Evangelho, a que vem a seguir – a do grão de mostarda – fala da sua excelência e nobreza:  “a menor de todas as semente do mundo… uma vez semeada, cresce e se torna a maior de todas as hortaliças e dá grandes ramos, de tal forma que, à sua sombra, os pássaros do céu podem fazer seus ninhos” (Mc 4, 30-32).

A palavra do Evangelho é, na verdade pequenina como pequenino e pobre é Aquele que a anunciava: um simples nazareno, filho de José e de Maria, que todo o mundo conhecia, isto é, igual a qualquer um de nós. Um “zé-ninguém” era Jesus…  Era tão pequeno, tão humilde, na sua “ninguendade”, que causou espanto quando a força de sua palavra eclodiu para a Terra dos homens, e cresceu face ao mundo estupefato. Pequeno é também o grupo de homens que Jesus congregou ao seu redor, junto ao mar da Galileia, um país e uma paisagem esquecidos da terra, longe dos grandes centros do poder, “para estarem com ele e para os enviar a anunciar” (Mc 3, 14). Cada um deles também era um “zé-ninguém”… Um nada. Eram pequenos não só no número, pequenos também eram na humildade de sua origem: quatro pescadores (Mc 1, 16-20), mais alguns pecadores, como Levi (Mc 2, 13-17). Enfim, trata-se de um “pequeno rebanho” (Cf. Lc 12, 32). E, no entanto, a palavra do Evangelho, se difundiu por toda a terra, sendo anunciada aos humanos de todos os povos da terra. O grão de mostarda cresceu e produziu inúmeros e frondosos ramos. Como dirá Paulo: “Mas o que é loucura no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; o que é fraco no mundo, Deus o escolheu para confundir o que é forte; aquilo que no mundo é vil e desprezado, o nada, Deus o escolheu para reduzir a nada o que é, a fim de que nenhuma criatura possa orgulhar-se diante de Deus” (1 Cor 1, 27-29).

Mas, o que mais importa nesta parábola é o contraste entre a pequenez da semente, quando escondida no chão e engolida pela terra, e a amplitude da planta, quando se ergue ao céu. Isso sugere o vigor escondido do Reino de Deus, da Cruz que age em segredo nas ações, nas palavras, na paixão e ressurreição de Jesus, bem como nos que acolhem sua Mensagem.

 

  1. O grande vigor do que é pequeno e frágil. Ezequiel: o pequeno e novo ramo da velha árvore será o começo de uma grande e nova história.

À luz da conclusão do Evangelho, que fala da grande hortaliça em que se tornou a semente de mostarda, de modo que “à sua sombra, os pássaros do céu podem fazer seus ninhos”, a primeira leitura de hoje ganha uma significação mais plena.

Essa é tirada do livro de Ezequiel. Nela se pode sentir a preocupação do profeta pelo momento histórico de seu Povo: o tempo tenebroso do exílio babilônico. Parecia ser o fim do Reino de Judá. Onde tinha ido parar a aliança de Deus com Davi e com sua descendência? Perguntavam, desolados, os judeus daquele tempo. É então que entra a voz profética de Ezequiel: “Assim, diz o Senhor Deus:  ‘Eu mesmo tirarei um galho da copa do cedro, do mais alto dos seus ramos arrancarei um broto e o plantarei sobre um monte alto e elevado’” (Ez 17,22).

Muito presente na cultura dos povos antigos do oriente, o cedro, por causa de sua exuberância, sempre foi considerado, também entre os israelitas, como um símbolo da grandeza, da nobreza, da força, da perenidade e, principalmente, da incorruptibilidade.  Por isso, Orígenes, do século II d.C., ao comentar o verso do Cântico “Cedros serão as vigas de nossa casa”, assim se expressa: “O cedro jamais apodrece: fazer de cedro as vigas de nossas moradas é preservar a alma da corrupção”. Por isso, também, sempre foi considerado um símbolo da imortalidade[2].

Assim, com esta alegoria, Ezequiel faz o anúncio da esperança da restauração e da continuidade da promessa de Jahvé, pois Ele mesmo é quem ocupa o posto de rei de Israel. Os reis humanos são apenas seus representantes. Por isso, Ele mesmo é quem vai arrancar um broto de uma árvore já velha, para plantá-lo no monte Sião. A alegoria remete para o famoso “resto” de Javé, de Isaias (Is 10,22) e do “broto”, de Jeremias que servirão como princípio de um novo Israel, de um novo Povo de Deus. Desse broto novo da velha árvore surgirá um grande povo – de proporções universais. Os povos da terra virão a ele como as aves do céu vem se reunir à sombra de uma grande árvore.

O cumprimento da profecia de Ezequiel não se deu no sentido dos sonhos de poder restabelecido para a dinastia davídica num reino político. Realizou-se não no poder do mando e da dominação, mas no não-poder da Cruz. Jesus Cristo é o broto novo da velha árvore de Israel, o qual plantado sobre o monte alto do calvário em Jerusalém. Ele, o Crucificado, revelou-se, para todos os povos da terra, como a árvore da vida plantada no meio do paraíso.

A imagem do broto, por sua pequenez e fragilidade, sempre foi usada para expressar a identidade mais profunda do reinado de Deus, aqui na terra e, consequentemente, a imagem de uma Igreja pobre, pequena, simples, humilde como de fato o foi a Igreja primitiva. No decorrer dos tempos, porém, e por vezes, em vez do caminho da cruz e da pobreza, preferiu o caminho da grandeza, do poder, do triunfalismo. O grande desafio do cristianismo sempre foi, é e será, não perder de vista o vigor que se esconde na fraqueza da Cruz. Recordemos, novamente, o que diz Paulo: “Os judeus pedem sinais e os gregos procuram a sabedoria; nós, porém, pregamos um Messias crucificado, escândalo para judeus, loucura para os pagãos, mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, ele é o Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1 Cor. 1, 23-25).

Dentre os que mais a peito tiveram esta mensagem essencial para o cristianismo se encontra São Francisco. Ele costumava dizer: “A Ordem e a Vida dos Frades Menores é um pequeno rebanho, que o Filho de Deus pediu a seu Pai celeste nestes últimos tempos, dizendo: “Pai, eu quereria que me constituísses e me desses um povo novo e humilde nestes últimos tempos, que fosse diferente na humildade e na pobreza de todos os outros que o precederam e fosse contente de possuir só a mim. E o Pai disse a seu dileto Filho: “Filho, foi feito o que pediste” (Compilação de Assis, 101). Por isso, depois ao escolher o nome de sua Ordem, disse o Santo: “Quero que esta Fraternidade seja chamada de Ordem dos Menores” (1C ). Ela é, na Igreja, a recordação constante do que é chamado a ser o cristianismo segundo a sua essência evangélica: a manifestação histórica do povo pobre e humilde de seguidores do Cristo Crucificado.

 

  1. O grão de mostarda – o grande vigor da boa vontade no ânimo humano:

O simbolismo do grão de mostarda sempre atraiu e cativou a mente dos pensadores e contempladores. Entre eles, frei Hermógenes Harada. Este frade, há pouco falecido, olhava e refletia sobre a boa vontade como sendo essa semente de mostarda no ânimo humano[3]. Ele escrevia: “Talvez possamos dizer que, do ponto de vista do nosso empenho para a realização do Reino de Deus, o elemento básico, digamos, “atômico”, a partícula, a mais pequenina e substancial é a boa vontade”. Gostava de recordar, a respeito, um dos muitos e belos diálogos de um dos mais fiéis companheiros de São Francisco, o Bem-aventurado Frei Egídio. Certo dia um dos frades aproximou-se de Frei Egídio e lhe disse: “O que faço para sentir a suavidade de Deus?” E Egídio: “A ti, Deus, alguma vez, te inspirou boa vontade?” “Ora, muitas vezes…!”, respondeu o homem. Egídio começou a vociferar: “Por que, então, não guardaste aquela boa vontade que te conduziria ao bem maior?!” (DE 23).

Comentando esta história, Frei Harada sempre fazia ver que a boa vontade nada tem a ver com mera boa intenção, bom propósito, bom desejo. Mas, é vontade boa mesmo, isto é, um querer para valer que se consuma como obra. “Boa” quer dizer, então, perfeita, ou seja, que se per-faz, que se con-suma sem ficar no meio do caminho, muito menos, sem desistir jamais, dando sempre e de novo o tudo e o melhor de si. É, “algo que em atravessando (per, em latim) todas as etapas do processo de crescimento, se perfez, foi feito, tornou-se consumado, bem no ponto, portanto, perfeito”. Com outras palavras: “Boa vontade” é, pois, a vontade na plenitude da sua essência, a vontade “em pessoa”, a realização da benevolência, do bem-querer, a doação imediata, voluntária, do que há de melhor, de mais nobre, em nós mesmos: o amor. Enfim, Boa Vontade é Jesus Cristo crucificado.

Essa boa vontade que se dá como afeição/paixão, que se engaja e se consuma como ação é a imagem de Deus no homem: a centelha (“scintilla”) divina no homem. Mestre Eckhart se referia a ela como “uma força na alma… que é de todo desprendida e pura em si mesma e estritamente aparentada com a natureza divina”. E dizia ainda: “nela, Deus é tão florescente e verdejante em toda a alegria e em toda a glória, como Ele é em si mesmo (…). Nessa força, o Pai eterno gera sem cessar o seu eterno Filho, de tal modo que ela co-engendra o Filho do Pai e a si mesma como o mesmo Filho na força unitiva do Pai”. Isso é o “fundo da alma”, na linguagem de Eckhart e na de Boaventura o “ápice da mente”.

 

  1. A boa vontade como confiança escatológica em Paulo

Na segunda leitura da missa de hoje, tirada da segunda Carta de São Paulo aos Coríntios (2Cor 5, 6-10), encontramos uma mensagem escatológica que, de certa forma se relaciona com a mensagem do evangelho da missa de hoje quando, na parábola da semente, faz referência à foice que ceifa a espiga madura.

A mensagem de Paulo é muito clara e insistente. Por duas vezes repete: “Estamos sempre cheios de confiança”. Confiança, aqui, é a boa vontade, a coragem e a cordialidade que a graça de Deus insufla no ânimo de Paulo.

Paulo afirma estar pleno dessa confiança, “apesar de saber que, enquanto habitamos neste corpo”, corruptível, que ainda não é o corpo da ressurreição, “estamos fora da nossa morada, longe do Senhor, pois nós caminhamos pela fé, não pela visão”. Estas palavras de Paulo nos evocam as palavras que São Francisco quis que fossem escritas na Regra: que, como peregrinos e forasteiros a neste mundo, os irmãos servissem ao Senhor Deus (Atos 28). É como peregrinos, isto é, homens viandantes, em passagem, que seguimos Cristo. Somos forasteiros no mundo, pois nossa Terra Natal, nossa Terra Mãe, está no Reino de Deus, no Reino da Jovialidade e da Cordialidade divina, que ainda nos está velado e retraído, e que só se nos doa aqui e agora em mistério, em enigmas, na fé e na esperança, não na visão clara. Por isso, a cada dia, oramos: “Venha o teu reino”. São Francisco, ao comentar esta prece do Pai Nosso, diz: “para que Tu reines em nós pela graça e nos faça chegar ao teu Reino onde manifesta é a visão de ti, perfeita a dileção, bem-aventurada a comunhão e sempiterna a fruição” (PPN 4).

Essa confiança que se transforma em esperança escatológica, anima o Apóstolo. Por isso, para ele, o decisivo não é a vida ou a morte, mas agradar o Senhor (2Cor 5, 9). Na Carta aos Filipenses ele escreverá: “Cristo será exaltado em meu corpo, seja por minha vida, seja por minha morte. Pois para mim viver é Cristo, e morrer um ganho” (Fl 1, 20).

 

Conclusão

Além de outras, duas conclusões poderíamos meditar neste domingo. Ambas muito caras a São Francisco.

Os últimos Papas, desde João XXIII, mas principalmente hoje, o Papa Francisco, vem apontando São Francisco como modelo e exemplo de renovação e reconstrução de uma Igreja mais fiel às suas origens. Há na vida deste santo uma passagem que se assemelha muito às leituras da Liturgia deste domingo e que podem nos ajudar a renovar nosso espírito em nós mesmo e em nossa evangelização. Dizia ele, bem no começo da Ordem, quando o número de frades era de apenas seis: “Não temais por serdes poucos e parecerdes ignorantes, mas com segurança anunciai com simplicidade a penitência, confiando no Senhor que venceu o mundo… Não tenhais medo, porque não após muito tempo virão a nós muitos sábios e nobres e conosco estarão pregando aos reis e príncipes e a muitos povos. Em verdade, muitos se converterão ao Senhor, que multiplicará e aumentará sua família por todo o mundo” (LTC 36).

 A segunda conclusão se refere à marca mais sagrada que Deus imprimiu em nossa mente e gravou em nossos corações: a boa vontade. Ouçamos o que diz a respeito frei Harada:

 “De repente, levamos um susto. A boa vontade, o bem-querer, esse ato tão insignificante, tão passageiro e momentâneo, ‘algo’ tão pequenino como semente de mostarda, revela-se como o elemento básico, principal da Vida, que contém em si o mesmo modo de ser do Deus de Amor, criador do universo. É, por assim dizer, uma minúscula, micro-explosão atômica do abissal, onipotente, onisciente e onipresente vigor do Deus de Amor. …E nós, cada um de nós, em cada um dos atos da boa vontade – por mínimo e insignificante que ele seja –, participamos, em todos os afazeres e em todas as vicissitudes do nosso viver cotidiano, da imensidão e profundidade abissal desse poder do Amor de Deus; com Ele colaboramos, nele e através dele atuamos na dinâmica da boa vontade no universo”.

Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini

 

 

[1] Cf. Verbete “Hortus Conclusus” na web: https://en.wikipedia.org/wiki/Hortus_conclusus

[2] Cf. Dicionário de Símbolos, José Olympio Editora, pág. 217.

[3] Cf. texto intitulado: “A Boa Vontade, a semente de mostarda”. Este texto está no livro “Coisa velhas e novas”.