RESILIÊNCIA E ACEITAÇÃO NA VELHICE E NA DOENÇA.
“E temos este tesouro em vasos de barro, para que se veja que, este incomparável poder é de Deus e
não vem de nós. Somos atribulados em toda parte, mas não esmagados; estamos em tremenda
dificuldade, mas não desesperados; somos perseguidos, mas não desamparados; derrubados, mas
não destruídos. Trazemos sempre em nosso corpo a agonia de Jesus, para que em nosso corpo
também manifeste a vida de Jesus. (1)
Nesta reflexão nos propomos recordar alguns elementos que poderão nos ajudar a refletir sobre uma
palavra que hoje está muito presente em todos os setores da sociedade. A “resiliência”, e em especial
a resiliência na doença e na velhice.
Iniciemos trazendo presente nossas experiências diante das fragilidades e de como as ultrapassamos
pois, diante da compreensão de que nascemos para ser felizes, imaginamos que a vida é bem estar,
felicidade, progresso, convivência agradável, saúde perfeita, e, com isso, os contratempos nos causam
temor. É verdade que Deus ao nos criar, quis que participássemos da sua vida, do seu amor, do seu
plano de construção deste mundo, como colaboradores na sua obra da criação, mas reconhecermo
nos criaturas frágeis. É fundamental nos preparamos para a velhice ou para uma doença inesperada.
Se tomamos consciência de que nossa vida neste mundo é passageira, e que de Deus viemos e para
Deus iremos, com certeza seremos mais humildes, nos revestiremos de compaixão para com os outros
e de gratidão a Deus por tudo o que conquistamos a cada dia. Falando de doença e velhice, estamos
dando nome às nossas fragilidades que começam a existir desde que nascemos. Só subsistimos,
quando crianças, porque nossos pais tiveram o total cuidado para nos ajudar a enfrentar os desafios
do crescimento. Só que nosso pequeno “eu” ignora este fato de sermos totalmente dependentes do
cuidado e nos sentimos o máximo, pois nossa tendência é pensarmos que somos fortes e invencíveis.
Pensamos que somos capazes de tudo. Esquecemos que em cada respiração recebemos o ar para viver.
Continuamos dependendo de tudo, o que Deus criou neste mundo, para continuarmos viventes.
Será que estamos preparados para aceitar nossa finitude? Como lidamos com as fragilidades que nos
cercam? Como nos posicionamos frente às próprias limitações? A vulnerabilidade humana é uma
realidade inegável e faz parte da condição humana. Reconhecermo-nos limitados, não é sinal de
fraqueza, mas, é grandeza de alma, é viver reconciliados com nossas falhas, com nossa pequenez,
com nossas impossibilidades, sem fazer disso um problema que nos deprima. Ao contrário, pode
tornar-se oportunidade para descobrirmos novas perspectivas, novos valores, crenças, e, com certeza,
termos maior paz interior. Como nos lembra São Paulo, nós temos um grande tesouro, que é a Vida,
mas a carregamos em vaso de barro, e por isso nossa confiança está em Deus, e o que nos sustenta é
a fé na sua infinita misericórdia. É natural que, como seres humanos, tenhamos limitações físicas,
emocionais e mentais. Sabemos que é uma graça envelhecer e que no percurso da vida podemos
adoecer, cometer erros, enfrentar desafios que provam nossa capacidade de superação. Aceitar essa
fragilidade é o primeiro passo para uma vida mais autêntica e plena. Aceitar que não somos perfeitos,
que temos altos e baixos, saúde e doença, virtudes e pecados, é aprender com as oportunidades que a
vida nos oferece, e ganhar maior força interior, além de nos tornarmos capazes de acolher as
limitações e as batalhas dos outros. Esta consciência de nós mesmos, ao reconhecer nossas
fragilidades humanas, é capacidade de superação, o que hoje chamamos de “resiliência”. Significa o
modo como a pessoa pode superar seus problemas com maior tranquilidade, sem perder o sentido da
vida, passando por eles com maior leveza e sabedoria.
Como discípulos e discípulas de Jesus, recordamos o que o que Jesus nos fala no Evangelho sobre a
questão de renunciar aquilo que pode nos desviar do caminho, de renunciar a si mesmo, carregar a
cruz e segui-lo: “Eis que chega a hora, e já se aproxima, em que vós sereis dispersos cada um para
sua parte, e me deixareis só; mas não estou só, porque o Pai está comigo”. (2) Temos muito que
aprender do Mestre como ser resiliente. “Eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a
Vontade daquele que me enviou”. (3) Até no monte das oliveiras, Jesus nos revela como Ele foi
tentado pelo inimigo como também nós o somos. Mas naquele momento onde até suou sangue, ele
disse:- “Pai se for possível afaste de mim este cálice, no entanto não se faça o que eu quero, mas o
que Tu queres”. A vida de Jesus foi uma constante resiliência, pois tinha consciência de sua missão,
aconselhando-nos: “Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas
tende bom ânimo, eu venci o mundo”. (4)
Na história da nossa Igreja, vemos quantos apóstolos deram sua vida por Jesus Cristo, não se deixando
abalar pelas perseguições, antes testemunhando com sua vida a fidelidade a Ele. Um forte exemplo é
São Paulo Apóstolo. Sua força vem do interior, da sua vida espiritual, tendo Jesus Cristo no centro
da sua vida e missão: “O Senhor me disse: Para você é suficiente a minha graça, pois a força se
cumpre na fraqueza’. Com satisfação, portanto, prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que
a força de Cristo habite em mim. É por isso que me alegro nas fraquezas, nas injurias, nas
necessidades, nas perseguições e angústias, por amor a Cristo, porque, quando sou fraco então é
que sou forte”. (5) Portanto, resiliência não uma aceitação passiva dos acontecimentos, é a capacidade
de questionar, de buscar respostas e se perguntar: o que Deus quer fazer em mim a partir deste
sofrimento?
Como Franciscanos temos o exemplo de nosso Pai São Francisco, de como viveu esta virtude e no
la deixou por herança: “Se um irmão cair enfermo, seja onde for, os demais irmãos não o deixem sem
designar um ou mais irmãos, se necessário, para que o sirvam como quereriam ser servidos.(…) E
rogo ao Irmão enfermo que por tudo renda graças ao Criador e deseje ser como o Senhor o quer,
sadio ou enfermo…”(6) “Acima de todas as graças e dons do Espírito Santo, que Cristo concede aos
seus amigos, está a de vencer a si mesmo e de boa vontade, por amor de Cristo, suportar penas,
injúrias, opróbrios e mal-estar; porque de todos os outros dons de Deus nós não podemos nos gloriar,
pois não são nossos, mas, de Deus.(7)
Sobre este assunto o grande Mestre Frei Hermógenes Harada, (de saudosa memória), deixa-nos uma
palavra chave para compreendermos a partir da espiritualidade Franciscana, o significado de
Resiliência, ou a busca do sentido da vida que se dá no “vencer-se a si mesmo”: “Todo e qualquer
crescimento humano verdadeiro se dá de alguma forma vencendo-se a si mesmo. Vencer-se a si
mesmo é transcender-se. Digamos que alguém atravessa todos os degraus do vencer-se a si mesmo,
colocando toda a sua liberdade na disponibilidade total de abrir-se para os grandes valores, se vier
um dia o chamamento de Jesus Cristo para esse homem, para segui-lo, esse homem deverá tomar
tudo que ele fez, tudo que ele é, abandonar tudo isso, despir-se de tudo, isto é, vencer-se a si mesmo
para abrir-se ao encontro do Senhor e dizer-lhe de todo o coração, toda a mente e todo entendimento:
“eis-me aqui”. (8). Santa Clara nos aconselha a não perder de vista nosso ponto de partida. Em cada
obstáculo do meu caminho, posso me perguntar: Como esta dificuldade, esta enfermidade inesperada,
esse empecilho pode me ajudar a confirmar e crescer no meu ponto de partida?
O que mais nos desafia talvez seja a enfermidade e a velhice. O que poderia ser um momento de
plenitude, como o ponto de chegada de uma vida bem vivida conforme o plano de Deus, comumente
se torna motivo de angústia. Somos convidados a uma compreensão maior da nossa existência neste
mundo, conforme São Paulo: “Agora me alegro em sofrer por vocês e completo na minha carne, o
que falta nas tribulações de Cristo por seu corpo que é a Igreja”. (9)
A doença física, é suportada com maior serenidade, quanto estamos abertos ao amor de Deus. Às
vezes nos conformamos porque não vemos outra saída, o que seria apenas uma resignação passiva.
Ninguém vai conseguir lidar com a doença se, no cotidiano, não estiver se trabalhando para dar um
sentido maior à sua vida. Afinal de onde viemos? Quem nos chamou à vida? Qual a vontade de Deus
para nós? Diz o Apóstolo Paulo: “Pois esta é a Vontade de Deus: a vossa santificação”. (10) Para
chegar a este grande ideal, a pessoa enferma passa por muitos exercícios diários: As necessidades
físicas, nem sempre acolhidas por quem cuida, a demora em ser atendido, a dor que muitas vezes é
mais da alma que do corpo, e que não chega a ser compreendida pelos demais irmãos, a solidão
interior de não poder partilhar seus sentimentos, a sede, o cansaço da cadeira ou da cama, as noites
mal dormidas, os incômodos de cada dia. Tudo isso parece coisa simples, mas que somados, tornam
se pesados para suportar. Nestas horas quem nos dá força? Quem nos sustenta? Recordemos o que
nos diz o Profeta Isaías: “Pode uma mãe esquecer de seu nenê? Pode ela deixar de ter amor pelo
filho de suas entranhas? Ainda que ela se esqueça, Eu nunca me esquecerei de você”. (11)
O que nos ajuda a chegarmos a esta confiança, a uma entrega humilde e grata a Deus são os pequenos
exercícios diários, por exemplo, quando alguém nos critica, nos despreza, nos calunia, e quando temos
uma perda significativa na minha família, ou uma enfermidade, são momentos de nos voltarmos para
o Pai que cuida. Isto é possível pela fé, que nos possibilita enfrentar cada novo desafio, não contando
com nossas forças, mas com a presença do Espirito Santo, que nos renova e nos leva a uma maior
libertação interior até chegarmos, n’Ele, a plenitude da vida. É o nos diz São Paulo: “Peço que Ele
lhes conceda, segundo a riqueza da sua glória, o poder de serem fortalecidos no homem interior, por
meio do seu Espírito. E que pela fé Cristo habite no coração de vocês, enraizados e alicerçados no
Amor. Isso para que vocês sejam capazes de compreender, junto com todos os santos, qual é a largura,
o comprimento e a altura e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que supera todo
conhecimento, para que vocês fiquem repletos de toda plenitude de Deus”. (12)
(Irmã Irma Madalena Calgaroto, Franciscana do Coração de Maria)
_______________________________________________________________________________
1- 2 Cor 4,7-10
2- João 16,32
3- Jo 6,38
4-Jo 16,33
5- 2 Cor,12,9-10
6- cf RNB 10,1-3)
7- I Fioretti 7,18
8- Hermógenes Harada – Estudos em Rondinha
9- Col 1,24
10 – 1 Tes, 4,3
11- Isaías 49, 15
12 -Ef. 3,16-19