SANTA CLARA E OS ENFERMOS-IDOSOS
No início do século XIII, tempo de Santa Clara, a população assisense estava exposta ao perigo constante de guerra fraticida que dividia os habitantes da cidade, com inúmeros litígios. Neste tempo o mundo vivia uma precariedade, falta de alimentos, muitas doenças, nenhum cuidado sanitário, os tratamentos e medicamentos existentes não resolviam ou até agravavam as doenças. Só restava colocar o futuro nas mãos de Deus. A média de vida neste tempo não ultrapassava os 40 anos, portanto os idosos eram muito pouco e por causa das agruras da vida aos 60 anos já estava com diversos problemas de saúde. Tanto que o salmista (salmo 90) diz que a vida dura setenta anos se for vigorosa pode chegar a oitenta. As doenças eram na sua maioria consequência da falta de cuidado sanitário. As pestes que eram frequentes, transmitida pelos ratos e outros seres vivos que conviviam nos mesmos ambientes devido ao crescimento urbano. Com o crescimento das populações urbanas, os vales eram usados para produzir alimentos e as cidades eram colocadas nos montes. São Damião, onde viveu Santa Clara, foi a primeira igreja reconstruída por São Francisco, assim diz Tomás de Celano: “Este é aquele feliz e santo lugar em que, decorrido já o espaço de quase seis anos da conversão do bem-aventurado Francisco, teve início, por intermédio do mesmo homem bem-aventurado, a gloriosa Religião e excelentíssima Ordem da Damas Pobres e virgens santas; neste lugar viveu a Senhora Clara”(1 Cel. 18). Explicando a origem da Igreja de São Damião, Frei José Carlos Pedroso diz: “São Damião era uma capelinha bem antiga, fora da cidade, na zona rural. Segundo a tradição, tinha existido ali um antigo templo pagão do deus Esculápio que, para os romanos, era o deus da saúde. Muita gente doente procurava sempre esse lugar, achando que era milagroso. Uns duzentos anos antes de Clara e Francisco, os monges beneditinos, querendo voltar a sua vida primitiva, mesmo mantendo a grande abadia tinham dividido a sua enorme comunidade em grupos pequenos, que se estabeleceram em pequenos núcleos rurais. Aproveitaram o lugar para construir uma igrejinha para São Cosme e Damião, protetores católicos dos doentes. Construíram ao lado uma casa para uma comunidade pequena e ali se dedicaram à sua vida santa: Ora et labora (reza e trabalha). Cantavam todos os dias o Ofício Divino na parte alta da capelinha, em cima da cripta (que era o lugar onde enterravam os mortos), e trabalhavam muito nos campos vizinhos” (https://www.santuariopenapolis.com.br/-vida-de-santa-clara/ )
Na Idade Média, a santidade de uma mulher se fazia notar pelo exercício de três virtudes: a misericórdia, a prática de oração e a virgindade. Por isso Tomás de Celano falando de Clara dirá: “nobre pela estirpe, mas mais nobre pela graça, virgem no corpo, castíssima no espírito; jovem na idade, mas madura no espírito; firme no propósito e ardentíssima no desejo do amor divino; dotada de sabedoria e de especial humildade: Clara de nome, mais clara pela vida, claríssima pelos costumes” (1 Cel. 18,7-8). No processo de canonização de Santa Clara, vamos encontrar o gesto repetido de reservar parte de comida para dar aos pobres. Tomás de Celano na Lgenda de Santa Clara diz de forma muito interessante: “Para que o sacrifício fosse grato a Deus, privava seu próprio corpinho dos alimentos mais delicados e, enviando-os às ocultas por intermediários, reanimava o estômago de seus protegidos. Assim cresceu a misericórdia com ela desde a infância e tinha um coração compassivo, movido pela miséria dos infelizes” (LSC 3,4-5). Na vida cotidiana de Santa Clara devemos chamar a atenção para o capítulo 8º da Regra de Santa Clara: “Quanto às Irmãs doentes, a abadessa seja firmemente obrigada a informar-se solicitamente por si mesma ou por outras Irmãs, do que é exigido por sua enfermidade, tanto em conselhos como em alimentos e outras necessidades e a prover com caridade e 2 misericórdia, de acordo com as possibilidades do lugar. Porque todas devem prover e servir suas Irmãs enfermas, como gostariam de serem servidas, se tivessem alguma doença. Manifeste com segurança, uma à outra, sua necessidade. E se uma mãe ama e nutre sua filha carnal, quanto mais diligentemente deve uma Irmã amar e nutrir sua irmã espiritual? As que estão doentes deitem-se em colchões de palha e tenham à cabeça travesseiros de penas; e as que precisarem podem usar meias de lã e acolchoados” (RSC 8,12-18). Neste texto da Regra vemos a ternura característica do feminino, da maternidade. Podemos dizer que Santa Clara, foi uma mulher de misericórdia que foi viver num lugar de misericórdia. Podemos dizer que devemos transformar nossas fraternidades em lugar de misericórdia, de acolhimento para com aqueles que estão vulneráveis. Precisamos começar acolhendo os nossos irmãos enfermos e idosos. Não podemos considerar os nossos irmãos como número do cadastro e nem excluí-los quando não podem mais contribuir, esta não deve ser a lógica dos irmãos franciscanos, pois estamos caminhando no sentido contrário da lógica do mundo.
O SEI, na dimensão clariana deve ser sempre a encarnação da maternidade, da ternura de Deus. São Francisco na Regra dos Eremitérios dia a mesma coisa que Clara diz no Capitulo 8º da sua Regra: ser mãe para o seu irmão, sua irmã. Pensando de forma clariana podemos dizer como Clara: “O Senhor colocou-nos não só como modelo, exemplo e espelho para os outros, mas também para nossas irmãs, que ele vai chamar para nossa vocação, para que também elas sejam espelho e exemplo para os que vivem no mundo” (TestC 19-20). Duas coisas devemos lembrar no cuidado com os irmãos e irmãs do SEI: Tratar os nossos irmãos do SEI como gostaríamos de ser tratado se estivesse na mesma situação. Preocuparse para que o cuidado seja efetivo, e em segundo lugar ser sinal de que entre nós e no mundo ninguém é descartado.
Frei José Antonio Cruz Duarte, OFM)