4º Domingo do Advento
Leituras: 2Sam 7,1-5.8b-12.14a.16; Sl 88 (89); Rm 16,25-27; Lc 1,26-
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Tema-mensagem: Pelo anúncio do Anjo à Maria, consumam-se todos os
anúncios do Messias
Introdução
Através da assim chamada História da Salvação, o anúncio do Messias veio se dando aos poucos e se mostrando cada vez mais claramente e mais próximo dos homens. Hoje, último Domingo do Advento, através do anúncio do anjo e do sim de Maria, celebramos o fim, a consumação, de todo este processo. No limiar da festa da Natividade (nascimento) do Senhor, somos convidados a contemplar o mistério de sua concepção no seio da Virgem Maria, a entrada do Filho no mundo, na história, assumindo nossa humanidade.
1. O desejo de construir uma habitação para Deus (2Sm 7,1-5.8b-12.14a.16)
Quem, nesse Domingo, nos introduz nesse mistério é um trecho do Segundo Livro de Samuel, no qual se registra um dos mais importantes momentos da história do Antigo Testamento: a união das tribos do Norte (Israel) à tribo do Sul (Judá) em torno de um único rei (Davi) e de uma capital comum – Jerusalém – (fim do século XI e início do século X a. C.). Depois que a cidade de Jerusalém havia sido conquistada por Davi, a “arca da aliança” foi transportada para lá. Davi disse, então, ao profeta Natã: Vê, eu resido num palácio de cedro, e a arca de Deus está alojada numa tenda (2Sm 7,2).
Aparentemente, uma boa iniciativa. O profeta Natã, porém, inspirado por Deus, se opõe a esse projeto. Como Davi daria uma casa, isto é, uma morada estável ao Deus que caminhara como peregrino com Israel, até então, na sua saga de libertação?! O que estava acontecendo era o contrário: Deus mesmo é quem daria a Davi uma casa, isto é, uma dinastia estável. Trata-se da aliança de Jahvé com Davi. Mais uma vez, porém, como no passado, com Noé (Cf. Gn 9), com Abraão (Cf. Gn 17) e com Moisés e o Povo no deserto (Cf. Ex19-24), através dessa sua aliança de amor com os hebreus, Deus quer chegar a
uma aliança com toda a humanidade.
Mas, talvez, se possa, também, ver na resposta de Deus um leve sorriso de brincadeira, como que dizendo: “Que pretensão essa a tua, hein, Davi, simples criatura minha, de querer construir uma casa para mim que sou a Casa, o guardião de todos os povos e de todas as criaturas? Como poderás tu me assentar num templo, por mais sagrado e amplo que seja, se nem o universo inteiro é capaz de me conter? Como posso eu ficar preso num pequeno lugar, se meu viver é ser peregrino e estar no meio de todas as pessoas, povos e nações do mundo inteiro?”
Além do mais, esta aliança davídica não tem sentido em si. Ela aponta para uma Nova Aliança, aquela que seria eterna e que seria selada no sangue do Cristo, o “Filho de Davi”. Assim, a profecia de Natã, e a promessa que ela contém, serviu como aviamento de uma nova esperança, que vai perpassar o Antigo Testamento, a saber, a esperança do Messias (Cristo = Ungido), em que o Reino de Deus se consumaria num reinado de justiça e de paz para todos os povos e todos os tempos.
2. A Igreja canta a Deus sua eterna aliança com os homens (Sl 88/89)
Os cristãos sempre viram e veem a aliança davídica concretizar-se em Jesus de Nazaré. Nele, incomparavelmente, são realizadas as palavras da profecia de Natã. Jesus é o “descendente”, o “Filho de Davi”, em que o reinado de Deus se consuma na história de maneira consolidada. Ele é a habitaçã definitiva de Deus com os homens. Nele se cumprem e se plenificam as palavras de Deus: Serei para ele um pai e ele será para mim um filho! – palavras essas que ecoam no salmo da Missa de hoje (88/89): Ele Me invocará: ‘Vós sois meu Pai, meu Deus, meu Salvador’. Assegurar-lhe-ei para sempre o meu favor, a minha aliança com ele será irrevogável. A aliança de Deus com Davi era, na verdade, apenas a prefiguração da aliança de Deus com Jesus de Nazaré e, através desta, com toda a humanidade, envolvendo todas as tribos e línguas,
povos e nações da terra.
3. Na Anunciação, a consumação de todos os anúncios (Lc 1,26-38)
O Evangelho escolhido para o encerramento do Advento – última preparação para o Natal – é tirado do evangelista Lucas, mais precisamente, do “Evangelho da Infância”, usualmente conhecido como “Evangelho da Anunciação”. O termo já diz que estamos diante de um grande anúncio: “anunciação”. Na verdade, estamos diante de uma confissão (profissão de fé e louvor) e uma celebração do cumprimento, o resumo de todas as profecias do antigo Testamento: o Advento de Jesus, seu nascimento e sua irrupção na história.
3.1. No sexto mês – a origem de João Batista e de Jesus
“No sexto mês…”. O texto litúrgico de hoje começa proclamando: naquele tempo. No original, porém, está no sexto mês. Ao falar em sexto mês, Lucas, certamente, tem em mente traçar um paralelo entre João Batista e Jesus. Por isso, começa falando do sexto mês da gravidez da mãe de João Batista.
O anúncio da concepção do Batista se dá em Jerusalém, centro político, econômico e religioso de todo o Povo de Israel. Já o de Jesus se dá longe, fora, num povoado desconhecido: “Nazaré”, do qual nada de bom se pode esperar (Cf. Jo 1,46). Novamente o contraste. Enquanto, para João, a infância e a juventude são vividas nos arredores do templo, junto com os sacerdotes, especialmente com seu pai Zacarias, a infância de Jesus é passada em Nazaré, junto com sua gente sofrida, humilde, marginalizada e rejeitada pelos grandes.
O anúncio da concepção do primeiro acontece no templo, no “santuário do Senhor”, durante solene celebração litúrgica e a um dos anciãos mais veneráveis da hierarquia sacerdotal, Zacarias. O de Jesus, porém, é feito a uma mocinha, de nenhum significado, no cotidiano anonimato de Nazaré, na sua hora mais silenciosa.
Além do mais, se o anúncio de João Batista é grande, por ser extraordinário, ele ainda está dentro da possibilidade da natureza humana. O de Jesus é coisa de outro mundo, absolutamente novo e inaudito, inteiramente impossível, a partir dos homens e assim anunciado pelo Arcanjo: “O Espírito virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra” (Lc 1,35).
Ora, o que pensar de todos esses paralelismos senão uma indicação do
caminho da nova história que se está sendo inaugurado com o Advento do Senhor e assim assinalado por São Francisco: `Sendo rico´, acima de todas as coisas, Ele mesmo, juntamente com a beatíssima Virgem Maria, sua Mãe, quis no mundo escolher a pobreza (2CF 5).
3.2. O Arcanjo Gabriel foi enviado a uma virgem de nome Maria
O Arcanjo Gabriel foi enviado a uma virgem, desposada (núbil, prometida) de nome Miriâm (Maria), com um homem de nome José, da casa de Davi.
O Arcanjo, porém, não vem em forma de sonho, mas de visão solene.
Primeiramente, em Maria, mãe é expressão da origem da nova humanidade, que se mantém aberta ao mistério de Deus, na qual se concretiza não só a esperança de Israel, mas também de todos quantos lutam e sofrem pela sua verdade e pelo seu futuro. Segundo Beda, o Venerável, o diálogo do Arcanjo, enviado por Deus, com Maria é o início de nossa salvação, assim como o diálogo da serpente, enviada pelo Inimigo, fora o início de nossa perdição.
Maria é, pois, a Nova Eva, a nova Mãe dos viventes, a saber, daqueles que são vivificados pelo Espírito Santo. O nome Maria, em aramaico Maryâm,
em hebraico, Miriâm, significa Senhora Soberana5 . Ela é a esposa prometida de um homem da casa de Davi, chamado Iosseph (José), que significa “Ele acrescentará”. Este foi dado a ela de acréscimo, como um custódio, um guardador e um cuidador. O casamento com ele daria a ela a proteção necessária para o mistério que ela trazia velado consigo mesma. E o seu filho, graças a José, seria da estirpe real de Davi. Nele, a profecia de Natã poderia realizar-se.
3.2.1. Enviado por Deus
O terceiro personagem deste evento, na verdade o primeiro, é Deus. É Ele que, com sua paterna providência, age no fundo de tudo e de todos na história dos homens, e se revela como Alguém forte que comunga, se alia e se compromete de novo com a história de Israel e que, agora, age de modo decisivo e definitivo através da graça do “Sim” de Maria. É um Deus que fala e se faz presente através do seu Arcanjo, que opera de modo criativo através do seu espírito (o Espírito virá sobre ti) e que se “atualiza” no Filho, que nascerá de Maria.
3.2.2. Alegra-te, cheia de graça!
A primeira palavra que soa da boca do Arcanjo, na verdade, de Deus, é Alegra-te! O texto grego traz: “Chaire, kecharitoméne, ho kyrios metà soû” (“Alegra-te, agraciada, o Senhor está contigo”). Na interpretação de Mestre Eckhart, a saudação latina Ave!, significa ‘âne wê’, isto é, ‘sem dor’, sem ai 6
.
Independente da correção ou não desta etimologia, o importante é que ela alcança o verdadeiro, isto é, o essencial. A saudação Ave! fala da plena alegria e do pleno vigor da vida (saúde). Aquele que é agraciado por Deus vive a vida sem “ai”, isto é, sem lamúria, na plena cordialidade de ser. Mestre Eckhart dizia que quando a alma humana se desprende do mundo, do que é criatural, vive a vida sem ai: nela não há sofrimento. Para ela, até mesmo a desventura torna-se alegria 7
.
Quem, cheio de encanto, também canta esta saúde em Maria, é São Francisco:
Ave, ó Senhora, santa Rainha,
Santa Mãe de Deus, Maria,
que és virgem feita Igreja…
Ave, ó palácio do Senhor,
Ave, ó tabernáculo do Senhor,
Ave, ó casa do Senhor,Ave, ó vestimenta do Senhor,
Ave, ó serva do Senhor,
Ave, ó mãe do Senhor!” (SVM)
5 Este era o nome da irmã de Moisés (Cf. Nm 26,59).
6 Sermões Alemães, V. 1, n. 38, p. 227.
7 Idem, p. 228.
Na saudação do Arcanjo, Maria é evocada como cheia de graça. O que nela acontecerá é obra da graça. A obra da graça é maior do que se Deus criasse um mundo novo, diz Agostinho, recordado por Eckhart8
. O atuar da graça é seu ser. É simples! Mas, em que consiste este ser? A graça é isto: uma interioridade, uma inerência e uma união com Deus 9
. Cheia de graça, significa, então, o mesmo que: “Deus é contigo!”. Santo Agostinho emenda: Mais
que contigo, Ele está em teu coração, se forma em teu seio, enche teu espírito, enche teu ventre. A bendição de Maria é o início da bendição dos homens e das mulheres no seu Filho, Jesus.
Por isso, todos os dias, principalmente ao entardecer, a tradição cristã nos
leva a exclamar ou cantar jubilosos: “Ave Maria!”
3.3. Maria ficou perturbada
Ao escutar essa saudação, Maria fica perturbada, e se põe a refletir sobre seu sentido. Ela parece entrever uma interpelação e uma vocação singular. Ela procura penetrar o mistério desta revelação inesperada. Os Padres da Igreja ressaltam como Maria não se comporta de modo ligeiro, leviano, como um ser humano que não tem sentido para o pudor do mistério, nem de modo resistente, incrédulo, como o sacerdote Zacarias, pai de João Batista. Diante de sua perturbação, o Arcanjo a chama pelo nome, mostrando-lhe, assim, familiaridade: Não temas, Maria! Sim, tu encontraste agraciamento junto de Deus!
São João Crisóstomo comenta: quem encontra graça diante de Deus nada tem a temer. E recorda que aquele que é humilde encontra graça diante de Deus.
3.4. Eis que conceberás e darás à luz um filho
E o mensageiro segue dizendo: “Eis que conceberás no ventre e darás à luz um filho…” (Lc 1,31). Ela já tinha concebido o Messias no seu espírito, principalmente através da meditação das grandes promessas mssiânicas.
Agora, o conceberia no corpo, no seu ventre. Ela já o gerava na alma; agora o geraria no seu útero. Ela já estava disposta a dá-lo à luz espiritualmente; agora lhe cabia a incumbência de dá-lo à luz corporalmente. Ela, que estava sempre de prontidão na espera do Deus que vem, agora o traria em seu corpo e o mostraria ao mundo, unido à carne de nossa humanidade. Nela, o Filho de Deus tomaria carne, a carne de nosso ser. Santo Ambrósio recordava aos cristãos de sua comunidade (em Milão) que era preciso, espiritualmente, dar à luz a Cristo. Já São Francisco costumava exclamar para seus companheiros e seguidores seculares: Somos mães, quando O ´levamos no´ coração e em nosso ´corpo´, por amor divino e de ´consciência pura´ e sincera; O damos à luz pela santa operação que deve ‘brilhar’, em exemplo, para os outros… Oh, quão santo e dileto, benfazejo e humilde, pacífico e doce, amável e, sobre todas as coisas, desejável ter tal irmão e filho: Nosso Senhor Jesus Cristo! (1CF I,10-13).
3.5. E lhe porás o nome de Jesus
O Arcanjo diz, também, a Maria, o nome que ela deveria dar ao menino: ‘Iéshoua’ (Jesus). Este nome quer dizer: Jahvé salva. Salvar não é só livrar do perigo, pôr a salvo, no sentido de pôr no seguro. Salvar é, também, conduzir alguma coisa ao seu vigor essencial. É tornar são, isto é, sarar, no sentido de restituir a saúde, o vigor originário da vida. Salvar é ser como médico que se empenha todo em guardar, proteger, conservar e preservar o vigor originário da vida; é não permitir que a vida se corrompa. E, mais do que isso, é cuidar para que a vida encontre a plenitude de seu vigor essencial. Por isso, Beda diz que o nome Jesus quer dizer “Salvador”, ou ainda, “O saudável”. Nele, o vigor da saúde, que vem de Deus, se comunica para tornar saudável, como ele, todo homem, toda criatura do universo.
São Boaventura testemunha que São Francisco, sempre que ouvia o nome “Jesus”, passava a língua nos lábios como quem saboreasse um favo de mel (Cf. LM 10,6). Já, Tomás de Celano faz o seguinte relato:
Estava todos os dias e a toda hora falando sobre Jesus. E como seu jeito de falar era doce, suave, bondoso e cheio de amor! Falava da abundância do coração, e estava sempre transbordando a fonte
de amor iluminado que lhe enchia todo o interior. Tinha Jesus de muitos modos: levava sempre Jesus no coração, Jesus na boca, Jesus nos ouvidos, Jesus nos olhos, Jesus nas mãos, Jesus em todos
os outros membros… Também muitas as vezes, ao viajar, ficava pensando em Jesus ou cantando para ele. Esquecia-se, então, do caminho e convidava todas as criaturas a louvar a Jesus (1C 115).
3.6. E Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo
O Arcanjo prossegue com o anúncio: “Ele será grande e será chamado ‘Bèn Élion’ – ‘Filho do Altíssimo’” (Lc 1,32). Se, antes, o Arcanjo dissera a Maria que ela devia dar ao seu filho o nome de Jesus, agora, diz que este seu filho será chamado filho do Altíssimo pelo próprio Deus. E o Arcanjo prossegue: “O Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele reinará para sempre sobre a família de Jacó, e o seu reino não terá fim!” (Lc 1,33). Isto é: o filho de Maria seria o Messias anunciado previamente pelos profetas. O seu
reino seria indissolúvel, eterno!
3.7. A grande pergunta
Segue, então, a famosa pergunta de Maria: “Como se fará isso, já que não conheço varão?” (Lc 1,34). Uma pergunta bem diferente daquela de Zacarias.
Esse perguntou: “Como terei certeza disso? Já sou velho e minha mulher é de idade avançada” (Lc 1,18). Essa pergunta revela descrença e fuga (tirar o corpo fora). A pergunta de Maria revela engajamento, envolvimento, na humildade, confiança e fé. Ela deseja captar o como da doação do mistério que
está lhe advindo, a fim de poder cooperar com ele. Por isso, pergunta Como se fará isso? Ela estava interessada em saber o como da realização da graça do mistério, para saber o modo de sua cooperação com ela.
Inicia-se, assim, uma admirável e benfazeja cooperação entre os dois, Maria e Deus, que jamais terminará, vindo a ser considerada, mais tarde, pela Igreja, como redentora ao lado, junto de Jesus: corredentora. Por isso, o Arcanjo declara: “O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; e, por isso aquele que vai nascer será santo e será chamado Filho de Deus” (Lc 1,35). Teofilato vê, aqui, a ação da Santíssima Trindade: o Altíssimo, seu Poder (o Filho) e o Espírito Santo.
3.8. A Deus tudo é possível
Maria está frente ao inusitado e incompreensível da suma obra de Deus.
Mas, acolhe seu mistério na fé. Graciosamente, o Arcanjo lhe concede um sinal: E eis que Elisabete, tua parenta, está também para dar à luz um filho em sua velhice e já está no sexto mês, ela que era chamada estéril, pois nada é impossível a Deus! (Lc 1,36-37). O nome “Elisabete” (Isabel) evoca o nome da esposa de Aarão: “Elisheba” (Gn 6,23). Assim, na história de Maria e de Elisabete (Isabel) se entrelaçam as tradições régia e sacerdotal, através das quais foi transmitida de geração em geração a esperança do Messias. A gravidez miraculosa de Elisabete é indicada pelo Arcanjo como um sinal do poder de Deus a fim de realizar sua vontade salvífica. A Deus tudo é possível. Ele é o Senhor da natureza, o Senhor da vida. Por seu poder e bondade, também uma mulher anciã e estéril pode engravidar. Do mesmo modo, uma mulher virgem.
O milagre não diz respeito a Deus, mas à nossa visão habitual sobre as coisas da natureza. Pois, para Ele, que do nada criou todas as coisas, isso não é difícil. Mestre Eckhart dizia: Pois a Deus, é tão fácil everter céu e terra como o é a mim virar uma maçã na minha mão10.
3.9. Eis aqui a serva do Senhor!
O texto termina a modo de um gran finale com as exclamações de Maria: “Eis aqui a serva do Senhor! Que me aconteça segundo a tua palavra!” (Lc 1,38).
“Serva do Senhor”: um título de humildade, mas, também, de glória, grandeza. A glória de Maria está na sua humildade. Com efeito, é pela sua humildade que ela dá à luz o Humilde: o Máximo, que se fez Mínimo; o Maior que se fez o menor; o Filho de Deus, que se fez filho do homem, e que, sendo
Senhor do universo, assumiu a condição de servo de tudo e de todos. Chamando-se a si mesma de serva, diz Santo Ambrósio, Maria não se apropriava da graça especial que lhe fora concedida, muito menos de qualquer vanglória. A grandeza de Maria está na sua humildade operativa, isto é, na sua disposição e
empenho de deixar vir a cumprimento as palavras do Senhor: Faça-se! (Fiat).
Com a humilde resposta de Maria ao Arcanjo – que a saudou como plena de graça e lhe anunciou o mistério da Encarnação do Filho do Altíssimo e a dádiva de sua participação nele pela maternidade – deu-se abertura à obra da redenção de toda a humanidade e, por conseguinte, também, de toda criatura.
Abriu-se de novo a porta do paraíso que Eva fechara.
4. O mistério desta aliança revelado em plenitude (Rm 16,25-27)
Quem sempre exultou de alegria e gratidão diante da revelação deste mistério da universalidade da salvação operada por Deus, através de Cristo, é São Paulo, como se pode ver no epílogo da Carta aos Romanos, escolhido para a segunda leitura de hoje: Irmãos: Glória seja dada àquele que tem o poder de
vos confirmar na fidelidade ao meu Evangelho e à pregação de Jesus Cristo, de acordo com a revelação do mistério mantido em sigilo desde toda a eternidade (Rm 16,25). Mistério este manifestado na Encarnação do Filho de Deus como Filho do homem, e, assim, dado a conhecer a todos os povos, sim, a todos os gentios, para que todos os homens fossem conduzidos à obediência(pertença na escuta) da fé.
Na primeira Carta a Timóteo este Mistério é celebrado como o mistérioda piedade (no grego: ‘tò tes eusebeías mystérion’).
Ele é chamado de “grande” e celebrado a modo de hino: Ele foi manifestado na carne,
/ justificado no Espírito,
/ contemplado pelos anjos
/ proclamado entre os gentios
/ criado no cosmo,
/ arrebatado na glória (1Tm 3,16).
Conclusão
Podemos chamar este Domingo como o decisivo “Domingo do Sim de Maria”, mas também, de nosso SIM. Um sim que expressa alegria, desejo e decisão de permitir que Deus realize, também em nossa alma, o milagre da concepção e da Encarnação do seu Filho querido. Pois ser cristão é ser cristóforo: portador de Cristo.
Mas, para isso precisamos percorrer o caminho inaugurado por Ele e vivido por Maria: olhar para baixo, para nossa pequenez, nossa “criaturalidade”, nosso pecado, sair de nós mesmos, descer para o meio dos pequenos, pobres, abandonados, doentes e pecadores. Pois, como diz São Francisco:
Esta Palavra do Pai, tão digna, tão santa e gloriosa, o altíssimo Pai anunciou do Céu, por meio do seu santo Arcanjo Gabriel, no útero da Santa e gloriosa Virgem Maria, de cujo útero recebeu a verdadeira carne de nossa humanidade e fragilidade. ‘Sendo rico’, acima de todas as coisas, Ele mesmo, juntamente com a
beatíssima Virgem Maria, sua Mãe, quis no mundo escolher a pobreza como caminho (2CF 4-5).
8 Ib idem
9 Idem, p. 229
10 Sermões Alemães, Vol. 1, n. 38, p. 228.
Frei Dorvalino Fassini e Marcos Aurélio Fernandes