3º Terceiro Domingo do Advento – 2020

3º Terceiro Domingo do Advento


Leituras: Is 61,1-2ª.10-11; Sl Lc 1,46-54; 1Ts 5,16-24; Jo 1,6-8.19-28


Tema-mensagem: Alegrai-vos porque o Senhor está para chegar e, com
Ele, sua paz


Introdução


Ao acendermos, hoje, a terceira vela da coroa do Advento, acende-se em nós, com mais intensidade ainda, a alegria evangélica. Isso porque o Senhor está para chegar e com ele sua paz. Por isso, o Domingo de hoje é chamado “Domingo da Alegria” e a antífona que nos introduz neste mistério reza: Alegrai-vos: Ele está bem perto. Sim, alegrai-vos sempre mais no Senhor! (Fl 4,4.5). A alegria, aqui, portanto, não é um sentimento apenas, mas uma pessoa: o Senhor, o Dominus, Jesus Cristo, a “Alegria dos homens” (Bach).


1. O profeta Isaías e seu anúncio acerca do futuro Messias
(Is 61,1-2ª.10-11)


Quem nos introduz no mistério da alegria cristã, celebrada hoje, é o profeta Isaias: O espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa nova aos pobres… (Is 61,1).
O mistério da unção, marca toda a caminhada da História sagrada do povo de Deus, do Antigo e Novo Testamento. Desde Jacó – que aspergiu óleo sobre a pedra que lhe servira de travesseiro na noite em que o Senhor lhe apareceu em sonho – até o dia de hoje, a unção sempre expressa uma
presença especial e marcante de Deus, principalmente quando se trata de pessoas.
Porém, todas as unções, tanto do antigo como do novo Testamento, têm como único objetivo: preparar o ungido para acolher o Senhor, o Ungido por excelência, o Messias. Por isso, a relação entre o mensageiro e o Espírito toda própria: o Espírito sobrevém a ele e dispõe dele para si.
A experiência que os homens bíblicos fazem do Espírito não se expressa apenas em forma de quietude, mas, também e principalmente, em forma de força, de entusiasmo como se pode ler nestas passagens: Sobre ele repousará o Espírito do Senhor… (Is 11,2); Eis o meu servo que eu apoio, o meu eleito,
ao qual minh’alma quer bem, pus sobre ele o meu Espírito (Is 42,1): O Espírito do Senhor está sobre mim… (Is 61,1). E, diante de tão grande efusão do Espírito, o ungido não se contém: Exulto de alegria no Senhor e minh’alma regozija-se em Deus! (Is 1,10).


2. O profeta que viu, batizou e testemunhou o Ungido por
excelência (Jo 1,6-8.19-28)


Mas, quem é esse ungido, anunciado pelos profetas e tão esperado e desejado pelo Povo de Deus? A resposta começa a ser-nos dada por João Batista na perícope do Evangelho de João, proclamada na Missa de hoje.


2.1. João, o gracioso de Deus


No Evangelho de hoje, João, ao contrário de Lucas, por exemplo, faz questão de começar sua narrativa ignorando a origem de João Batista. A ascendência de João não importava. O que importava era sua missão. Com isso, fica bem claro que ele era um enviado de Deus para dar testemunho de Jesus Cristo. Esse sim, mesmo sendo verdadeiramente homem, era, todavia, mais do que um simples homem: era o Verbo (Jo 1,1), o Filho único do Pai, cheio de graça e de verdade (Jo 1,14).
Seu nome, João, tem a ver com seu envio: “Johanan” significa, “o Senhor Deus é gracioso”. Ele foi enviado para dar a conhecer ao mundo a graça, que era oferecida aos homens no Messias, o Ungido de Deus: Jesus; veio para dar testemunho da luz, que era o Filho unigênito de Deus, Jesus Cristo. Não que Ele, o Cristo, necessitasse de tal testemunho. Antes, eram os homens que precisavam deste testemunho a fim de que crendo Nele, isto é, em aderindo ao seu amor, pudessem se tornar, também eles, filhos de Deus (Jo 1,13). João era apenas o mensageiro, aquele que não falava a partir de si, mas Daquele que o enviou para anunciar, Daquele que virá depois dele, mas que já existe, bem antes dele. Eis seu ofício, seu ministério.


2.2. A série de “nãos” no testemunho de João


O Evangelho nos faz ver o testemunho (“martyría”) de João, quando os judeus enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para o questionar: ‘quem és tu?’ (Jo 1,19). Eles estranhavam o seu aparecimento no deserto, longe do Templo e da capital sagrada. Por isso, se perguntavam sobre a
autoridade a partir da qual ele, João, batizava e propunha um Batismo de conversão.
João pertencia a uma família sacerdotal. Mas não agia como sacerdote. Parecia mais um profeta e até mesmo o próprio Messias. Em face a esta expectativa, ele faz uma declaração sem restrição: Eu não sou o Messias (Jo  1,20). São Gregório comenta: João negou claramente o que não era, porém, não negou o que era. Disse, pois, a verdade a respeito de si mesmo. São João Crisóstomo considera que os judeus manifestavam certo respeito por João, o que não acontecia em relação a Jesus. João era da Judeia, de família sacerdotal, um religioso, portanto. Jesus não! Era, simplesmente, filho de um carpinteiro e, ainda mais, da Galileia (Cf. Mt 13,55), terra de pagãos e de judeus degenerados. Por isso, para interrogar a João eles não enviam quaisquer uns, mas pessoas ilustres, da capital, Jerusalém, e ligadas ao Templo: sacerdotes e levitas. Não entendiam como João se colocasse abaixo de Jesus. Por isso, a Jesus enviam simples servos e herodianos.
Começa, então, o diálogo, mais precisamente, o questionamento: “Quem és tu?” “És Elias?” Ele respondeu: “Eu não sou Elias” (Jo 1,21). Como conciliar, então, essa palavra de João, aqui, com esta de Cristo, que diz: “Se quiserdes compreender-me, ele é o Elias que deve voltar” (Mt 11,15)? São Gregório Magno esclarece, evocando a menção do pai de João, o sacerdote Zacarias, que disse: E ele mesmo caminhará à sua frente, sob os olhos de Deus, com o espírito e o poder de Elias (Lc 1,17). João, pois, não era a pessoa de Elias, mas agia com o modo de ser e com a virtude profética de Elias. De fato, esperava-se que o profeta Elias, às vésperas do Juízo Final, viesse fazer aos homens uma última exortação penitencial (Cf. Ml 3,23; Eclo 48,10-11).
João nega que fosse Elias em pessoa, em carne e osso. Pois o entendimento deles era carnal. Mas, realizava, em sentido espiritual, a missão de Elias: a exortação à penitência em face dos últimos tempos.
Eles, porém, não entendem e não se dão por satisfeitos. Por isso, seguem questionando azedamente: “És tu o Profeta?” Ele respondeu: “Não!”
A pergunta fazia sentido, pois no livro do Deuteronômio escutamos a fala do Senhor que diz a Moisés: “É um profeta como tu que suscitarei do meio dos teus irmãos; porei minhas palavras em sua boca, e ele lhes dirá tudo o que eu lhe ordenar” (Dt 18,18). João, no entanto, reconhece que esta missão de
mediador não pertencia a Ele, mas sim ao Cristo. E, por isso, diz seu último “Não!” (Jo 1,21).


1.3. A identidade de João na dinâmica na História da Salvação


Perturbados, interiormente, porque na verdade eles não estavam interessados na verdade e, sim, apenas em condenar a pessoa e em impugnar o trabalho do Batista, os enviados dos maiorais de Jerusalém prosseguem: “Quem és tu? (…). Quem és, então? (…) Quem és afinal?” (Jo 1,19-22). E João responde: “Eu sou a voz daquele que clama no deserto: ‘aplanai o caminho do Senhor’, como disse o profeta Isaías!” (Jo 1,23).
João era a voz; Cristo, a Palavra, o Verbo de Deus, que estava voltado para Deus, que era Deus (Jo 1,1). A voz soa para que se possa ouvir a Palavra.
João era a voz, que precedia a Palavra, o precursor cuja missão era preparar os homens para ouvir a Palavra, o Verbo encarnado de Deus. Orígenes observa que João não era a voz que clama no deserto, mas, antes, a voz Daquele que clama no deserto. João era a voz que ressoava em favor de Cristo: “Endireitai
o caminho do Senhor” (Jo 1,23). São Gregório esclarece: o caminho do Senhor é endireitado em direção do coração quando se ouve com humildade a Palavra da verdade e se a põe em prática na vida.
Os enviados dos judeus, indagam, então, a João, pela autoridade com que ele batiza: “Se tu não és o Cristo, nem Elias, nem o Profeta, por que batizas?” (Jo 1,25). O escopo deles não era colher a verdade, mas impedir que João seguisse batizando. O Batismo de João parecia-lhes, pois, um atrevimento. Com
mansidão e humildade, mas com firmeza e clareza, João responde: “Quanto a mim, eu batizo na água. No meio de vós está aquele que vós não conheceis; ele vem depois de mim e eu nem sou digno de desatar a correia da sua sandália” (Jo 1,26-27). Ele era um precursor (aquele que corre antes) do Cristo, no
anúncio em favor da graça e do Batismo.
Como precursor, João não aponta para si, mas para a excelência do Cristo. Nem pode haver comparação entre ele, João, e este, Cristo. O “não ser digno de desatar a correia da sua sandália” quer dizer: João nem mesmo pode se colocar entre os seus servidores mais humildes. A humildade de João é, então
sua grandeza. Quanto mais humilde, quanto menor um homem se fizer, tanto maior ele é diante de Deus. No entanto, aqueles que, uma vez inaugurado o Reino, na ordem da graça e por causa da graça, seguem o Menor dos menores, o Máximo que se faz mínimo, o Senhor que se faz servo, Jesus Cristo, são
maiores do que ele (Cf. Mt 11,11). Por isso, depois, São Francisco, quando desejou escolher um nome que identificasse a ele e a seus irmãos, disse e escreveu na Regra: “Quero que esta Fraternidade seja chamada Ordem dos Irmãos Menores” (1C 38).
No quarto Evangelho, o Batista é reduzido ao essencial… Sua voz não nasce da estratégia política nem dos interesses religiosos. Vem do que o ser humano escuta quando se aprofunda no essencial. O pressentimento do Batista pode resumir-se nesta forma: ‘Há algo maior, mais digno e esperançoso do que o que estamos vivendo. Nossa vida deve mudar radicalmente. Não
basta frequentar a sinagoga todo sábado, não adianta nada ler
rotineiramente os textos sagrados, e é inútil oferecer regularmente os sacrifícios prescritos pela lei. A religião, por si só,seja qual for, não dá vida. É preciso abrir-se ao mistério do Deus vivo’.2


3. Uma alma que exulta de alegria (Lc 1,48-54: Salmo
responsorial)


A Liturgia de hoje, não podia ter escolhido melhor texto para meditar e aprofundar a alegria do anúncio da proximidade da Vinda do Ungido e Salvador dos homens – a alegria evangélica – do que o famoso “Magnificat” de Maria. Também sobre ela, proclama São Francisco, eleita pelo santíssimo Pai do céu, a quem consagrou com seu santíssimo dileto Filho, pousou o Espírito Santo Paráclito (SVM). Diante de tão inaudito mistério não podia fazer outra coisa senão proclamar, alto e bom som: “A minha alma engrandece o Senhor e se alegrou o meu espírito em Deus meu salvador, pois Ele viu a pequenez de
sua serva…” (Lc 1,46-48).
Engrandecer a Deus significa pensar grande somente Dele e de ninguém mais, e não pedir nada para nós mesmos. Disso se pode concluir que Maria teve muitos motivos para cair e pecar, como comenta Lutero:
Assim ter escapado da arrogância e da vaidade não é um milagre menor do que ter recebido esses bens. Você não percebe o quanto é maravilhoso esse coração? Como mãe de Deus, Maria se vê
elevada acima de toda as pessoas. Mesmo assim ela continua tão simples e serena, que não teria considerado nenhuma empregada inferior a si. Somos gente pobre! Por isto é lamentável que usemos esse precioso cântico de modo completamente destituído de força e graça. Cantamos apenas quando estamos bem; mas quando as coisas vão mal, termina o canto. Em seu relacionamento
com Deus, há uma grande diferença entre o rico e o pobre. Enquanto o segundo é capaz de louvar a Deus, quando nada tem, o primeiro não é capaz de louvá-lo, mesmo quando cheio de bens.
(Magnificat, o louvor de Maria, Lutero, Sinodal, Santuário, pp. 34 e 36).
Maria torna-se, assim, o protótipo dos pequeninos, dos pobrezinhos, dos humildes e humilhados (anaviîms), isto é, dos desprovidos de poder.
São os que estão fora de todo esquema, de todo o plano, do poder. Da gratuidade e da graciosidade de Deus em favor destes é que surge um mundo 2 PAGOLA, José Antônio. O caminho aberto por Jesus – João. Petrópolis, Vozes, 2013, p. 27.  próprio, um novo mundo, uma nova humanidade, o “reino de Deus”. Deus
tem uma especial predileção por este ser humano, este vivente, vulnerável, que estremece, que se aflige, que tem que suportar e padecer agruras, necessidades, privações, desamparos, que caminha curvado e enfraquecido, com o olhar desfalecido e a alma faminta3
. Ele ama os humildes com ternura.
Aqueles que conhecem o frêmito da vida. Os de “substância vexada”4  Os que caminham em “temor e tremor”. Eles se tornam o templo, a morada, o habitáculo onde repousa o Espírito do Senhor. O estremecimento, aqui, é fraqueza e ternura. É o toque do nada do mistério e do mistério do nada, o
sentido do ser, que, na experiência da fé, como em São Francisco, se dá com o nome de Senhora Pobreza.


4. Uma exortação à alegria (1Ts 5,16-24)


A Comunidade dos tessalonicenses andava um tanto perturbada e desapontada. Perturbada, porque o Senhor, que tanto desejavam ver e encontrar,estava tardando; desolada, porque alguns de seus membros haviam morrido sem a graça do encontro com seu Senhor.
É nesse contexto que Paulo procura exortá-los: Irmãos: estai sempre alegres! Rezai sem cessar. Dai graças em todas as circunstâncias… que tudo aquilo que sois – espírito, alma e corpo – seja conservado sem mancha alguma para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo! Aquele que vos chamou é fiel
(1Ts 16-24).
“Espírito” significa, aqui, aquela dimensão de nossa pessoa, a mais elevada, nobre e profunda, digamos, assim, a mais próxima de Deus, e que, por isso, nos capacita a compreendê-Lo, a admirar suas maravilhas e seus mistérios. Em resumo, espírito é a casa onde nasce e mora Deus, a fé, e onde ouvimos sua voz e lhe respondemos. “Alma”, por sua vez, é o mesmo espírito, mas na função de dar vida ao corpo, ao mundo. E “corpo”, por fim, é a alma enquanto executa, dá forma, dá corpo àquilo que ela, a alma, reconhece e o
espírito crê. Por isso, na Encarnação, quem recebe o Verbo eterno do Pai é o espírito de Maria e quem o gera é sua alma, mas quem lhe dá forma e faz aparecer é seu corpo.


3 Cf. Br 2,13-18
4 Cf. As falas de Riobaldo, o herói de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa: pobre
tem de ter um triste apego à vida. São árvores que pegam poeira… Não me envergonho de ser
de obscuro nascimento… órfão de conhecença e de papéis legais … Quem é pobre, pouco se
apega, é um giro-o-giro no vago dos gerais, que nem os pássaros de rios e lagoas. Ele fala de
sua substância vexada, de sua vida sem apego nenhum, sem pertencência.

Conclusão

Uma nova etapa evangelizadora, marcada pela alegria do Evangelho
Na caminhada que a Igreja vem fazendo, desde o Vaticano II, toda empenhada em retornar à beleza e ao vigor de suas origens, chegamos hoje à seguinte exortação do Papa Francisco:
A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Todos quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior,
do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria.
Quero, com esta Exortação, dirigir-me aos fiéis cristãos a fim de os convidar para uma nova etapa evangelizadora marcada por esta alegria e indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos (EG 1).
É evidente que não se trata de qualquer alegria, muito menos da alegria do mundo e nem mesmo da alegria do mundanismo religioso, espiritual (Cf. EG 93-97), mas da alegria que nasce da visita e do encontro com Cristo. Por isso, logo acrescenta: Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar, hoje mesmo, seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar (idem, 3).
Além do mais, atendendo ainda o apelo do mesmo papa para que façamos de São Francisco nosso modelo de evangelização, não podemos esquecer o legado que este santo nos deixou. Nos impressiona por quantas vezes vem referida a palavra alegria em seus Escritos e nas Fontes Franciscanas. Nas
“Concordâncias Franciscanas”, editadas pelos Franciscanos da Guatemala,
por exemplo, essa palavra ocupa nada mais e nada menos que 8 páginas, perdendo apenas pela palavra “pobreza” com 11 páginas. Mas, principalmente, não podemos deixar de recordar o famoso fioretto da “Perfeita Alegria”, também conhecido como “Ensinamento de São Francisco a Frei Leão que só na
cruz seja a perfeita alegria” (Fi 8; Atos 7).

 

Frei Dorvalino Fassini – Marcos Aurelio Fernandes