1º Domingo do Advento ano B – 2020

Leituras: Is 63,16b-17.19b; 64,2b-7; Sl 79/80; 1Cor 1,3-9; Mc 13,33-37
Tema-mensagem: Vigiemos porque não sabemos nem o dia e nem a
hora em que o Senhor voltará.


Introdução
Damos início, hoje, não apenas à celebração de mais um Ano Litúrgico,
mas também do Tempo do Advento. Fazendo a memória da primeira Vinda de
Jesus, nosso Salvador, se acende em nós, de novo, a alegria da espera, a certeza
da fé e a vigilância para a sua segunda Vinda que é certa, embora não saibamos
nem seu dia, nem sua hora, muito menos como virá. É a graça, o espírito do
“Advento”, do espírito da espera e da preparação de mais um santo Natal.


1. A necessidade de gritar: nosso Pai (Is 63,16b-17.19b; 64,2b-7)
Advento é o tempo que dá início a um novo Ano Litúrgico. Seu principal objetivo é colocar-nos, de novo, dentro do princípio de nossa história e
de nossa vida; de acordar-nos para o Deus e Pai de Jesus Cristo e de tomar
consciência de nossa dignidade de filhos seus. Enquanto no mundo ao nosso
redor, os homens adormecem no frenesi do ídolo do consumo natalício, nós
somos chamados a tomar consciência de quem somos e a ser como discípulos
de Jesus Cristo. E quem nos ajuda para isso é o espírito de Isaías e de sua
linhagem através de uma incomparável e tocante oração, uma verdadeira joia
da literatura e da Teologia Bíblica, considerada como “o primeiro Pai Nosso”
ou “o Pai Nosso do Antigo Testamento”.
1.1. Pecar é romper com Deus
Quando essa oração era feita, o Povo de Deus estava saindo e se libertando de uma de suas mais dolorosas experiências religiosas: o exílio, a deportação para o meio dos pagãos, onde perdera toda a sua identidade, sua
origem religiosa, divina. Era hora de voltar para casa, para a Terra Prometida
e começar tudo de novo. A degradação religiosa do povo não podia ser pior:
Nos tornamos imundície, e todas as nossas boas obras são como um pano
sujo; murchamos todos como folhas e nossas maldades nos empurram como
o vento (Is 63,5). O desalento não podia ser mais grave: Não há quem invoque
teu nome, quem se levante para encontrar-se contigo; escondeste de nós tua face e nos entregaste à mercê de nossa maldade (Is 63,6). O povo chegara
assim a mais profunda experiência e consequência de seu pecado. Como sair
dessa situação?
Foi então que o profeta, em nome do povo exclama: Vós, Senhor, sois
nosso Pai e nosso Redentor; desde sempre, é o vosso nome! (Is 64,7).
Certamente, não há títulos mais expressivos e belos para nosso Deus do
que estes: “Senhor”, “Pai”, “Redentor”! O de Pai, inclusive, será o mesmo
que, mais tarde, o próprio Filho do homem usará abundantemente para designar sua origem, sua pertença e também para indicar o rumo de toda verdadeira
oração. Além do mais, o termo Pai, muito mais que criador, nos transporta
para a proximidade, a familiaridade, a intimidade de Deus.
“Pai” quer dizer princípio do ser, fonte da vida, proteção e cuidado pela
sua casa (senhorio). “Redentor” (goel) quer dizer aquele que se faz próximo
para defender, para libertar, para proteger e fazer justiça. São Francisco, na
sua “Exposição do Pai-Nosso”, assim comenta a invocação: Ó Santíssimo Pai
nosso: criador, redentor, consolador e salvador nosso! (EPN 1).
O Pai é criador, princípio e doador do ser a tudo o que é e existe; é redentor e salvador, especialmente pelo envio do Filho, que pela sua santa Cruz
nos redimiu; é Deus de misericórdia que se compadece de nós, se compromete
em socorrer-nos em nossa miséria; é nosso conforto, isto é, a força em nossa
fraqueza, consolação em toda a nossa desolação. São Francisco nos ensina,
assim, a agarrar-nos, a confiar-nos ao Pai, desde a obra da criação, desde a
obra da redenção e salvação, e desde a obra de nossa eleição e santificação.
De um coração tomado pela angústia, mas também pela fé dos repatriados
de todos os tempos, brota então, através do profeta, esta humilde e belíssima
prece: Porque nos deixaste andar tão longe de teus caminhos e endureceste
nossos corações para não termos o teu amor? (Is 63,16). Aqui está a mais
clara e expressiva consciência e experiência teológica da origem do pecado:
o rompimento com Deus, não buscando mais sua vontade, seu bem-querer
de Pai. Tal rompimento transforma a existência humana em errância, desvio,
perda de vigor e ruína. Mas, Deus vem ao encontro de seu povo arruinado. Por
isso, o profeta diz: É nestes caminhos de outrora que seremos salvos (Is 64,4).
A obra de argila, que somos nós, racha, se despedaça e se arruína pelo pecado.
Mas ela é restaurada e recobra nova consistência quando se entrega nas mãos
do seu Oleiro e deixa-se modelar por ele. A árvore que somos nós, murcha
sem Ele. Mas, com Ele, ela recobra novo viço.


1.2. A necessidade de uma nova vinda de Deus
Diante de tamanha desgraça e de tão amarga angústia de outrora – a perda de sua própria origem, da fé, da religião e do próprio Deus – e de hoje – a desertificação da natureza e do coração do homem, causada pela “morte de
Deus” no mundo da religião, pela perda da moral, pela corrupção da política,
da economia, do trabalho, da família, etc.; diante de tantas esperanças que
estão sendo enterradas, o profeta de ontem e de hoje sabe que a salvação só
pode vir de Deus, e não pode fazer outra coisa senão gritar: Oh, se rasgásseis
os céus e descêsseis! Ante a vossa face estremeceriam os montes! (Is 63,19).
Eis o grande desejo da Igreja no tempo do Advento, anseio que se renova a
cada ano!
Hoje, renovamos este anseio: que Deus rasgue os céus e desça, que ele
venha das alturas de sua majestade à baixeza de nossa condição e faça misericórdia para conosco. Com, e como o profeta, este grito vem recheado de fé e
de esperança pois outrora Vós descestes e, perante a vossa face estremeceram
os montes (Is 64,2). De fato, toda a história sagrada não passa de um grande
testemunho do quanto Deus veio se inserindo na baixeza de nossa condição,
culminando com a Encarnação de seu Filho amado no seio da Virgem Maria
(Cf. Fl 2,6-11). Os montes, então, se estremeceram de uma vez por todas: isto
é, os grandes e poderosos da humanidade se viram estremecidos diante da
grandeza que se revela nesta pequenez e simplicidade de um Deus-homem,
um Deus-criança, crucificado e transubstanciado em pão. E conclui o profeta
com esta magistral indicação para nossa salvação: é colocando-nos para dentro dos caminhos de outrora que seremos salvos (Is 64,4). Eis o sentido da
primeira leitura de hoje e de todo o Ano Litúrgico.


2. Cantar o desejo da vinda do Salvador (Sl 79/80)
Fazendo eco à entranhada prece do profeta Isaias, o Salmo de hoje lança,
também, a súplica, cheia de desejo ardente, a Deus, para que nos dê a graça de
consumar a nossa conversão ou retorno: Senhor nosso Deus, fazei-nos voltar,
mostrai-nos o vosso rosto e seremos salvos! (Refrão).
Mostrar o rosto significa, aqui, ser benevolente, favorável, gracioso, sorridente. É o contrário de desviar o rosto (ser desfavorável). O fundamento
desta confiança está no pertencimento deste Povo a este Deus. Afinal, ele é
Pastor e os membros deste Povo são suas ovelhas.
Deus-Pastor e Deus-Agricultor, Povo-grei e Povo-vinha: imagens que
o Evangelho irá resgatar de maneira delicada para mostrar a relação de
amor e cuidado entre Deus e seu Povo. Esse Povo pode sempre confiar na
vinda de Deus, em suas parusias (Adventos, Chegadas), na história: o Pastor não deixará abandonada sua grei, o agricultor não deixará abandonada
sua vinha… 

3. Necessidade da vigilância e do cuidado (Mc 13,33-37)
Toda a História da Salvação vem perpassada pelo mistério de um Deus
que vem para visitar os seus, sua gente, seu povo a fim de libertá-lo e salvá-lo.
Daí, também, a insistência dos profetas e do próprio Jesus, como no Evangelho de hoje, para que sejamos atentos, vigilantes e cuidadosos, na espera do
Deus que vem.


3.1. Vigilância: cuidar do cuidado no tempo oportuno
No Evangelho, Jesus nos convoca com as palavras: “Ficai de sobreaviso e vigiai, porque não sabeis quando será o tempo oportuno” (Mc 13,33).
Adormecemos na indolência, na displicência, na negligência. Essas atitudes
são o descuido do cuidado. Ora, a vida do homem nasce, cresce e amadurece
cercada e enraizada no mistério do cuidado. Por isso, o maior desafio da maturação humana é dispor-se a aprender a cuidar do cuidado da vida no tempo
oportuno. O cuidado com a vida é também o cuidado com o tempo e com a
morte. Faz parte da condição humana ignorar o futuro. Também os últimos
tempos de que nos fala o Evangelho não são manifestos a nós. O mistério a
respeito disso nos é salutar. Isso faz com que caminhemos todos os dias como
convocados por Deus, na direção das coisas que são mais importantes, essenciais, definitivas, últimas, as coisas do seu Reino e do seu seguimento, sem
que nos esqueçamos das coisas secundárias, provisórias, penúltimas. Assim,
cada tempo, cada dia, se nos torna tempo oportuno de perseverar na espera do
tempo oportuno, do encontro definitivo com Cristo.
Para expressar esse cuidado com o cuidado, o Evangelho de hoje usa o
verbo gregoréo, que significa: vigiar, velar; ver, olhar, observar, estar atento,
como faz o guarda, a sentinela, que, do alto, custodia, guarda a cidade. Neste
tempo de tanto descuido com tudo e com todos, principalmente o cristão de
hoje, precisa aprender a ser guardador, sentinela atenta, no cuidado da vida
– em sua pureza e inocência originária – soante em cada criatura, principalmente, nas mais frágeis e desprotegidas. Por isso, tanta insistência de Jesus na
exortação de hoje: Cuidado! Ficai em guarda, velai! Velai!
No meio da noite do mundo, com seus sonhos vãos e seus pesadelos demoníacos, é necessário que o discípulo vele. É preciso que seu espírito desperte e se mantenha vigilante, atento, na diligência e solicitude, antes que lhe
sobrevenha o sono da morte. Por isso, já alertava São Francisco: “Os meus
irmãos, que se deixam arrastar pela curiosidade da ciência, vão se encontrar
de mãos vazias no dia da retribuição. Gostaria que se reforçassem mais com
virtudes para que, vindo os tempos de tribulação, tenham o Senhor consigo
na angústia” (2C 195). Aqui, São Francisco adverte não contra a ciência (o saber), mas contra a curiosidade da ciência, que é o desejo vão de um conhecimento sem compromisso com o bem-viver, a cobiça de “ver” e de se
“informar”, que leva a uma dispersão e à perda de si mesmo. O contrário da
curiosidade da ciência é o estudo da ciência, isto é, o empenho concentrado e
comprometido com a verdade e com o bem, com a transformação e a maturação de si mesmo. E, além de alertar, os exortava: E recordem-se do que diz o
Senhor: ‘Estai atentos, pois, para que vossos corações não se tornem pesados
pela crápula e embriaguez e pelos cuidados desta vida e vos sobrevenha repentino aquele dia; pois, cairá como um laço sobre todos que habitam a face
da Terra’ (RNB 9,14).


3.2. Não o quando, mas o como
A questão essencial desta exortação de Jesus, portanto, não está no quando de sua vinda, mas no como da sua espera por parte dos discípulos. O cristão
precisa aproveitar o momento oportuno da graça que lhe é concedido agora,
– neste tempo que vai da Ressurreição até a Vinda definitiva de Cristo – para ir
se preparando para o momento do encontro definitivo com Ele. Por isso, para
o cristão, a morte se reveste de uma significação grave e decisiva, mas também
cheia de esperança: o último dia de sua vida o põe em relação com o “último
dia” do encontro definitivo com o Senhor. A partir daí, para o cristão, cada dia,
cada instante, cada crise ou acontecimento é momento oportuno (kairós) da
graça, “momento favorável”, “dia da salvação” (2Cor 6,3). Para tornar mais
concreta e explícita a necessidade e a importância de como devemos portarnos neste tempo de espera de sua segunda Vinda, Jesus, com a brevidade de
mestre, cria a parábola do homem que parte para o estrangeiro.
Nessa comparação, o Senhor da casa é, evidentemente, Ele mesmo. A
casa é a Igreja. A autoridade que o Senhor dá aos seus servidores é o Espírito
Santo. De fato, é ele que faz aumentar e crescer e amadurecer a vida em nós.
O porteiro e os servos são os discípulos. Com efeito, todos precisam estar de
guarda à porta de seu coração, contra os assaltos do Adversário, isto é, dos
espíritos enganosos e impuros dos vícios e dos pecados. Todos precisam velar
na espera do inesperado do Advento de Cristo. Todo o momento guarda a
iminência do encontro definitivo de cada um com Cristo, na morte.
A espera do fim, porém, se transforma, para o cristão, numa esperança
alegre e paciente. Paciente, pois a certeza de que a esperança não decepciona dá firmeza para sustentar os sofrimentos do tempo presente. Alegre, pois,
a exemplo dos primeiros cristãos, a expectativa de encontrar Cristo como o
Bem-amado da própria alma é alvissareira e concede a jovialidade da vida.
Esta esperança é vivida como serviço à Casa de Cristo, isto é, à sua Igreja.
Cada um se empenha em realizar seu trabalho, segundo a autoridade que lhe foi dada sobre a Casa, isto é, o dom do Espírito Santo e seus carismas. Cada
um, segundo as capacidades que lhe foram dadas e segundo o serviço de que
foi incumbido, solícito no cuidado de tudo e de todos, se prepara, assim, para,
como servo bom e fiel, entrar na alegria do seu senhor.


4. Perseverar num procedimento irrepreensível (1Cor 1,3-9)
Toda expectativa, toda esperança, anunciadas pelo profeta acerca da nova
libertação dos tempos messiânicos e consumadas por Jesus Cristo, são vividas
intensamente como graças pelos primeiros cristãos. É o que proclama São
Paulo aos coríntios: Dou graças a Deus sempre a vosso respeito por causa da
graça que Deus vos concedeu em Jesus Cristo. Nele fostes enriquecidos em
tudo (1Cor 1,4).
Para Paulo, cristãos são aqueles que invocam o nome de nosso Senhor
Jesus Cristo como “Senhor” deles e nosso. Por isso, para ele, Jesus Cristo é o
único responsável pelos inúmeros dons com os quais a comunidade se vê enriquecida. Por isso, a Comunidade deve estar sempre aberta ao seu Senhor, reconhecendo que a fé lhe foi concedida do alto como dom puramente gratuito.
Por isso, insiste: Assim, não tendes falta de nenhum dom, vós que aguardais a
revelação do Senhor nosso, Jesus Cristo (1Cor 1,7).
A comunidade cristã, porém, está inserida na história e empenhada no seu
andamento e progresso, mas está sempre atenta a algo maior, que a transcende.
Por isso, às vezes, parece ser até um corpo estranho no meio dela. Vive de uma
nostalgia e de uma esperança que não podem ser encaixadas nos organogramas
e planos da busca de um simples bem-estar ao nível ou dimensão da sociedade
meramente humana. Por isso, o cristão deve perseverar num procedimento irrepreensível até o fim, até o dia de nosso Senhor Jesus Cristo (1Cor 1,8).


Conclusão
A graça de mais um Ano Litúrgico, de mais um Advento, nos leva à disposição de acolher o dom do nosso princípio, que não é outro senão o mistério
do Filho de Deus. Ele vem fazer-se Filho do homem para que nós, pobres
humanos, Nele nos tornemos filhos de Deus, filhos de seu Pai e nosso Pai.
Também nisto, São Francisco, o homem escatológico, o novo evangelista
deste último tempo (1C 89), o profeta do nosso tempo (2C 54), o homem novo
e do outro mundo (1C 82), nos deixa um belo e admirável exemplo. Diz um
de seus hagiógrafos:


Embora já consumado em graça diante de Deus e resplandecendo em obras diante dos homens deste mundo, o santo pai estava sempre pensando em empreender coisas mais perfeitas e, como
soldado veterano das batalhas de Deus, provocava o adversário para novos combates. Propunha-se a grandes proezas, sob a
orientação de Cristo e, mesmo semimorto pela falta de saúde, esperava triunfar do inimigo numa nova refrega… Ardia, por isso,
em um desejo enorme de voltar aos primórdios da humildade, e
seu amor era tão grande e alegremente esperançoso, que queria
reduzir seu corpo à primitiva servidão, embora já estivesse no
limite de suas forças. Precisando moderar seu rigor antigo por
causa da doença, dizia: “Vamos começar a servir a Deus, meus
Irmãos, porque até agora fizemos pouco ou nada” (1C 104).