32º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 2020

32º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO “A”

08/11/2020

Pistas homilético-franciscanas

Leituras: Sb 6,12-16; Sl 62(63); 1Ts 4,13-18; Mt 25,1-13

Tema-mensagem: Como noivas cheias de amor aguardemos vigilantes a vinda do esposo Jesus 

Sentimento: vigilância sábia.

Introdução

Nunca como hoje, nos últimos séculos, somos despertados pela Igreja de que o encontro com Jesus Cristo é o princípio e o sentido de toda a nossa vida e missão cristã, nossa alegria e júbilo maior (Cf. EG). Por isso, as três leituras de hoje nos convocam à sabedoria vigilante ou, se quisermos, à vigilância sábia a fim de que jamais percamos nenhuma de suas visitas; que sejamos como virgens ou noivas sábias e prudentes, sempre preparados para abrir-lhe a porta de nosso coração quando vier, seja nos acontecimentos do nosso cotidiano, seja no último dia de nossa vida terrestre.

  1. A sabedoria vem ao encontro de todos os nossos projetos (Sb 6,12-16)

A primeira leitura de hoje é um pequeno trecho do livro da “Sabedoria de Salomão”, mais precisamente, da segunda parte que traz um “Elogia à Sabedoria” (Sb 6, 1 – 11, 3). Salomão convida os grandes do mundo, os reis, a entrarem na escola da sabedoria israelita, que é a sabedoria da fé e que traz salvação. Uma de suas novidades é a personificação da Sabedoria.  Seria, no caso, um simples recurso poético? De qualquer forma, a Sabedoria é celebrada como uma potência que preexiste à criação e que está junto de Deus (Cf. Sb 9, 9) e que procede da boca do Altíssimo (Cf. 24, 3.10.23). Neste caso, vem a se identificar com a Palavra criadora de Deus. Por isso, depois, muitos, como São Francisco, dizem que “Jesus Cristo é a verdadeira sabedoria do Pai” (2CF 67).

O pequenino trecho começa: “A sabedoria é resplandecente e sempre viçosa, incorruptível”. Isso significa que ela não apenas está na origem do homem e de cada criatura, mas também que é ela quem forma o homem e o transforma. Enquanto tudo o que é do homem envelhece, se corrompe e corrompe, ela e tudo o que dela se origina jamais muda, porque é sempre originária e a tudo faz rejuvenescer. Por isso, diz: “Ela até se antecipa, dando-se a conhecer aos que a desejam” (Sb 6,13). Não é por acaso que, depois, São Francisco a coloque como princípio de sua “Saudação das Virtudes”, exclamando: “Ave, rainha sabedoria, o Senhor te salve com tua irmã, a santa e pura simplicidade”. E, no final desta mesma Saudação, volta a exclamar: “Ave, vós todas santas virtudes infusas, pela graça e iluminação do Espírito Santo, nos corações dos fiéis, fazendo-os de infiéis em fiéis de Deus” (SV 1). Aqui podemos aplicar o que Santo Agostinho diz acerca da justiça: o homem justo pode deixar de ser justo; mas a justiça ela mesma não deixa nunca de ser justiça… O mesmo diga-se da sabedoria: o homem pode deixar de ser sábio, mas ela, a sabedoria, jamais deixará de ser Sabedoria, uma vez que ela “é imortal” (Sb 1, 15).

Em referência aos versos: “Quem se levanta cedo para a reencontrar não se afadigará. Sim, ela se encontra sentada à sua porta” (v. 14) e: “pois ela perambula em busca dos que lhe são dignos…” (v. 17), Eckhart tece diversos comentários. Entre eles destacamos este: Se alguém busca a Sabedoria é digno da sabedoria e a sabedoria é digna dele. 

A última sentença diz: “Pois ela mesma – a Sabedoria – sai à procura dos que a merecem e, cheia de bondade, aparece-lhes benevolamente nos caminhos e vai ao encontro deles em cada um de seus pensamentos” (Sb 6,16). Como não ver aqui um presságio da graça, do amor!? Pois, são eles que sempre tomam a iniciativa, como diz Jesus: “ninguém pode vir a mim se não for atraído pelo Pai que me enviou” (Jo 6,44). Nesse sentido, a Sabedoria poderia ser comparada a uma jovem que, com seu encanto, sai pelas ruas e praças da cidade arremetendo seus olhares aos homens para que assim aquele que a desejar possa contemplá-la e encontra-la com facilidade. Em verdade, “ela, se manifesta aos homens em todas as obras para que através das coisas visíveis sejam conduzidos às invisíveis” (São Gregório). E ainda acentua que ela o faz, “cheia de bondade” (v16).

Segundo a lei da natureza, tudo aquilo que é buscado, enquanto permanece escondido e não se revela, oferece fadiga. A fadiga diminui, porém, quando aquilo que se busca começa a aparecer e a manifestar-se. Como não recordar aqui, o que diz o Anjo da Igreja de Laodicéia: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir minha voz e me abrir a porta, eu me achegarei a ele, cearei com ele e ele comigo” (Ap 3,20).

Enquanto a primeira leitura fala de Deus que busca o homem, o Salmo de hoje fala do homem que busca Deus:

Senhor, sois o meu Deus: desde a aurora Vos procuro.

A minha alma tem sede de Vós. Por Vós suspiro,

como terra árida, sequiosa e sem água.

Santo Agostinho comenta dizendo que o desejo é a sede do coração. Nós estamos no deserto do mundo. Tenhamos, pois, sede de Deus.

  1. O banquete nupcial do encontro definitivo com Cristo (Mt 25,1-13)

Ao ouvirmos Jesus em seus discursos, aos observarmos seus atos e sentimentos, constatamos sempre uma única e grande preocupação: que todos conhecessem e aceitassem o grande desejo do Pai de reunir todos os homens como numa solene festa de casamento. Por isso, na liturgia de hoje, se proclama a parábola das 10 virgens.

2.1. As virgens que esperam o noivo

Se a primeira leitura falava da sabedoria vigilante, o evangelho de hoje fala da vigilância sábia. A parábola, revestida com a roupagem da alegria do ritual dos casamentos judaicos de outrora, faz parte do “discurso escatológico” de Jesus (Mt 24-25). Mateus, provavelmente, recordou-se desta parábola num dos momentos mais cruciais da vida da Igreja primitiva: era necessário reavivar o ânimo de muitos fiéis que começavam a sucumbir e a perder a fé diante das cruéis perseguições a que, então, eram submetidos. E Jesus, o Rei, o esposo cuja volta lhes fora prometida parecia estar longe. Era necessário recordar o fim, o sentido último de sua vida: Jesus – o noivo – pode demorar, mas sua vinda é certa embora inesperada; que nada, nenhum sacrifício se compara com o júbilo, a alegria de poder entrar para a solene festa final semelhante à festa de um banquete nupcial.

Como na parábola da “veste nupcial” (Mt 22,11-12), também aqui, o acento está na exortação: que estejamos preparados a fim de podermos receber o noivo e participar de seu banquete.

As “Dez moças”, amigas da noiva (madrinhas do casamento), estão divididas em prudentes e insensatas. Mateus já tinha concluído o primeiro discurso do seu evangelho, o Sermão da Montanha, falando do homem prudente, que constrói sua casa sobre a rocha, e do homem insensato, que a constrói sobre a areia (7,24-27). Prudência é inteligência prática: tino, juízo; saber decidir e ser capaz de agir conforme esta decisão sábia. E, segundo o Evangelho, prudente é o homem que ouve a palavra de Jesus e a põe em prática; insensato é quem não o faz. “Não é o que diz ‘Senhor, ‘Senhor’ que entrará no Reino dos céus, mas o que ouve a palavra de Deus e a põe em prática” (Mt 7,20-21).

A parábola das “Dez virgens ou moças” fala, pois, da necessidade de estar preparado para o encontro definitivo com Cristo na sua parousia (vinda definitiva). Os prudentes são os que vão ao encontro do Cristo preparados; os insensatos, os que não estão preparados.

2.2. A Igreja, a humanidade como Reino de Deus

Quanto ao “Reino dos céus”, aqui, Gregório Magno observa que no presente momento, é a Igreja (Cf. Mt 13, 41). Esta parábola, assim, se aplica à Igreja como um todo. O esposo é Cristo, o Deus encarnado. E a esposa a humanidade com a qual o Filho de Deus se uniu, pela sua encarnação e pela qual deu sua vida na Cruz e agora no banquete eucarístico. Ou, numa outra interpretação, a própria Igreja. Mas, certamente, mesmo nesta interpretação, a Igreja representa toda a humanidade com a qual o Filho de Deus, por meio de sua encarnação, quis se unir. Os cristãos são como as amigas da noiva. Entre esses há os que se preparam – virgens prudentes – e os desleixados – virgens imprudentes – que nada fazem para se preparar e que, por conseguinte jamais poderão entrar para a festa e para o banquete de casamento.

A parábola, portanto, para o cristão, expressa uma forte exortação à necessidade de estar preparado para o Grande Dia do encontro definitivo com Jesus, tanto de cada um em particular no dia de sua morte terrena como comum a todos os homens no fim dos tempos.

2.3. Sono e falta de óleo

As virgens insensatas, portanto, correspondem àqueles fieis que creem, mas que não vivem de modo justo, isto é, não praticam as boas obras da misericórdia e não se perfazem nas virtudes próprias de um seguidor de Cristo, o sábio e prudente por excelência (Cf. Mt 6, 16). Por isso, têm apenas um pouco de óleo nas suas lâmpadas. Nada o suficiente para caminhar para o encontro do noivo… As moças prudentes, porém, são os fiéis que não só creem, mas também apresentam boas obras a partir das virtudes, conforme São Jerônimo. Santo Agostinho, porém, vê no azeite da lâmpada uma figura da alegria, conforme diz o Salmo (44/45,8): “Amas a justiça, detestas o mal, por isso Deus, teu Deus, te ungiu com um óleo de alegria, de preferência a teus companheiros”. Já, para Orígenes, o óleo é a palavra divina que confirma na fé e que ilumina com as boas obras.

O foco da narrativa, porém, não está no fato de as jovens terem adormecido. Isto é normal. Depois de um longo dia ou semana de trabalho, o homem precisa descansar e dormir. O centro da narrativa está no fato de que “No meio da noite, ressoou um grito: ‘Eis o Esposo! Saí ao seu encontro!’”. Cristo vem quando não se sabe e quando não se espera. Vem de repente, numa hora intempestiva. Por isso, mesmo quando vai descansar ou dormir deve fazê-lo, sempre com as vasilhas cheias com o “óleo” do ardor da esperança. O que importa, então, é que o homem não retarde sua conversão deixando-se levar pelo vício da “acídia”. Orígenes vê nesta passagem do Evangelho uma alusão a este vício capital. Tomás de Aquino ensinava que a acídia é uma tristeza que pode estar na base seja do ativismo (agitação) quanto da inércia. São Francisco diz que a acídia é o modo de ser dos homens “mortos de coração” e “negligentes em começar as coisas boas e em completar as começadas” (SC 22). Na verdade, tais pessoas são como mortas.

 A hora da chegada de Cristo – hora da celebração do matrimônio sagrado – é, segundo Santo Hilário, quando Deus e a natureza humana serão definitivamente um – quando Deus será tudo em todos e a baixeza de nossa carne será transformada na glória espiritual: a ressurreição. As bodas são a aquisição da imortalidade e a união da corrupção com a incorrupção por um novo consórcio entre Deus e o homem (Santo Hilário).

Soa então o momento do juízo final, de que fala Mateus no mesmo capítulo 25 e as moças néscias descobrem que o azeite que trazem não basta para fazer o cortejo ao Esposo. Tentam então obtê-lo das moças prudentes. Estas, porém se recusam, pois poderia vir a acabar para as outras e para elas mesmas e o Esposo ficaria sem o cortejo nupcial. Isto é: no juízo, as obras dos outros de nada nos servirão. A cada um servirão só as próprias obras. Não se compensam os vícios próprios com as virtudes dos outros. Ou seja, a preparação para o banquete do amor é sempre pessoal e insubstituível.

2.4. Não vos conheço

As moças descuidadas saem para procurar o azeite. Quando voltam, encontram a porta já fechada. O tempo da penitência, da misericórdia, da aprendizagem, tinha passado. Portanto, é sempre preciso ver a preciosidade do tempo que cada um tem a seu dispor. Depois do juízo não há mais lugar para as boas obras e a justificação: a porta está fechada (Jerônimo). De que então serve invocar agora Aquele que antes fora negado com as obras?  

A resposta do Esposo é: “não vos conheço”. Esta fala também lembra a conclusão do Sermão da Montanha: “Nunca vos conheci, afastai-vos de mim, vós que cometestes a iniquidade” (7, 23). Bonhoeffer comenta:

“Nunca vos conheci”. Este é, portanto, o segredo mantido desde o início do discurso da montanha até esta conclusão. Esta somente é a pergunta: se somos ou não conhecidos por Jesus.

Neste ponto subsiste só ainda a sua palavra: Eu te conheci. Esta é a sua palavra eterna, o seu eterno chamado…

Mas, o que é ou o que fazer para ser conhecido pelo esposo? Responde Bonhoeffer:

Quem, no seguimento, não se atém a outra coisa e não se apega a outra coisa que não seja esta palavra, deixando perder todo o resto, terá o sustento desta palavra no juízo final. A sua palavra é a sua graça[1].

No fim das contas, fica a advertência: “Vigiai, pois, porque não sabeis nem o dia nem a hora”. Santo Agostinho comenta: “Não só ignoramos em que tempo deve vir o Esposo, mas também a hora da morte, para a qual cada um deve estar preparado, e mesmo preparado, será surpreendido quando soa aquela voz, que despertará a todos”.

  1. A esperança escatológica (1Ts 4,13-14)

A busca pelo sentido último da vida, do homem e da história, sempre foi, é e será uma das ocupações ou preocupações mais agudas e angustiantes para todos. Sim, onde todos, homens e criaturas, vamos parar? A promessa da vinda do Senhor com seu reino de justiça, paz e amor onde está e quando vai se realizar? A segunda leitura de hoje mostra os primitivos cristãos da Tessalônica vivendo intensamente a esperança de estarem vivos quando este mistério se realizaria em sua plenitude. Mas, aos poucos, esta esperança de enfraquecia. As pessoas começavam a morrer e a bendita esperança parecia não se realizar. Vem então Paulo com sua autoridade apostólica. Depois de exortá-los para que não ficassem tristes como os demais, que não tem esperança, dá-lhes a razão: “Se Jesus morreu e ressuscitou – e esta é a nossa fé – de modo semelhante Deus trará de volta , com Cristo, os que através dele entraram no sono da morte” (1Ts 4,14).

Hoje, sabemos que o Reino de Deus é mais tarefa de uma busca contínua do que merecimento e desfrute; busca não tanto de bens deste mundo e nem mesmo do outro, mas da própria pessoa de Jesus. Ele é o Reino de Deus. Quem O tem, tem Tudo, que não O tem carece de Tudo. Jesus Cristo vive verdadeiramente! Caso contrário, «se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação» (1 Cor 15,14). Cristo ressuscitado e glorioso é a fonte profunda da nossa esperança, e não nos faltará a sua ajuda para cumprir a missão que nos confia.

A sua ressurreição não é algo do passado; contém uma força de vida que penetrou o mundo. Onde parecia que tudo morreu, voltam a aparecer por todo o lado os rebentos da ressurreição. É uma força sem igual. É verdade que muitas vezes parece que Deus não existe: vemos injustiças, maldades, indiferenças e crueldades que não cedem. Mas também é certo que, no meio da obscuridade, sempre começa a desabrochar algo de novo que, mais cedo ou mais tarde, produz fruto. Num campo arrasado, volta a aparecer a vida, tenaz e invencível (EG 275-276)

Conclusão

            A mensagem deste Domingo é muito simples e clara:  para poder participar da festa final da comunhão de Deus com a humanidade e com cada um de nós, é preciso que todos, a humanidade e cada um, a exemplo das virgens prudentes, cheguemos àquele dia preparados; “que não larguemos jamais o ardor evangélico pelo gozo espúrio, mundano de uma autocomplacência egocêntrica; que não neguemos a nossa história de Igreja que é gloriosa por ser história de sacrifícios, de esperança, de luta diária, de vida gasta no serviço, de constância no trabalho fadigoso, porque todo trabalho é ‘suor do nosso rosto’ (EG 96). Que não nos afastemos jamais da “verdadeira luz, Nosso Senhor Jesus Cristo… a verdadeira sabedoria do Pai” (São Francisco, 2CFi,67).

Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini, ofm

 

[1] Sequela, p. 181-182.