17º Domingo do tempo comum – 2020

17º DOMINGO DO TEMO COMUM – 2020

26/07/2020

Leituras: 1Rs 3,5,7-12; Sl 118; Rm 8,28-30; Mt 13,44-52

Tema-mensagem: Um grande encontro (tesouro) desperta um grande amor que, por sua vez, leva a uma grande decisão e doação.

Introdução

Este Domingo poderia ser chamado de “Domingo do grande tesouro”. Isto porque o trecho do Evangelho proclamado é o das parábolas do tesouro escondido, da pérola preciosa e o da rede de arrastão que recolhe uma enorme quantidade de peixes. No final do capítulo encontramos, também, a conclusão de todas as parábolas acerca do Reino de Deus (Cf. Mt 13). 

  1. O grande pedido de Salomão, o sábio (1Rs 3,5,7-12)

Para introduzir-nos nesse mistério, a Mesa da Palavra nos oferece, como primeira leitura, o trecho do livro dos Reis no qual se narra o famoso e sábio pedido de Salomão ao seu Senhor.  Talvez seja importante levar em conta o que se narra um pouco antes: Salomão amava o Senhor, e seguia os preceitos de seu pai Davi (1Rs 3,3). Assim, movido por esse sentimento, dirigiu-se a Gabaon, para lá oferecer um sacrifício, porque era o mais importante santuário das alturas. Naquele altar, Salomão ofereceu mil sacrifícios (1Rs 3,4).

Embora Deus possa fazer surgir filhos de Abraão de pedras (Cf. Mt 3,9), também é verdade que muito lhe agrada fazer história com pessoas bem dispostas, como Maria e tantos outros e, em nosso caso, com Salomão. Ou seja, a Sabedoria é um dom de Deus, sim, mas que foi concedida a Salomão, como fruto de sua benevolência, manifestada pela sua oração amorosa e por um sacrifício de mil holocaustos. Mais que o número importa seu significado: a magnanimidade de Salomão. Por isso, não é de estranhar que, naqueles dias, em Gaboan, o Senhor apareceu a Salomão, em sonho, durante a noite e lhe disse: “Pede o que desejas e eu te darei” (1Rs 3,6).

A oferta do Senhor é mais que generosa. É de uma doação total e de uma confiança absoluta e, consequentemente, de um risco, também total e absoluto. Por isso, também, desperta em Salomão uma resposta do mesmo quilate: um pedido desprendido de todos os interesses pessoais. Primeiramente, reconhece sua condição de servo e não de senhor, de um adolescente, que não sabe ainda como governar (1Rs 3,7); depois, que o povo ao qual deve governar não é dele, mas de Deus, um povo numeroso, especial, porque escolhido para ser Povo de Deus e não dele, Salomão. Desse sentimento nasce seu pedido: Dá, pois ao teu servo um coração compreensivo, capaz de governar teu povo e de discernir entre o bem e o mal (1Rs 3,9).

Encontramos, nesse pedido de Salomão, os princípios básicos e essenciais de todo aquele que for encarregado de alguma responsabilidade sobre os outros: ser servo, jamais senhor, muito menos dono. Como não lembrar, aqui, a exortação de São Francisco: E recordem os Ministros e servos o que diz o Senhor: “Não vim para ser servido, mas para servir”; porque lhes foi confiado o cuidado das almas dos Irmãos, dos quais terão de “prestar contas, no dia do juízo”, diante do Senhor Jesus Cristo, se algo se perder por sua culpa e mau exemplo (RNB 45,6). Mas, encontramos também o princípio da virtude da humildade e da compreensão.

 Uma resposta, tão sensata e humilde, agradou tanto ao Senhor que concedeu a Salomão muito mais do que pediu: “Já que pediste estes  dons e não pediste para ti longos anos de vida, nem riquezas nem a morte de teus inimigos, mas sim sabedoria para praticar a justiça, vou satisfazer o teu pedido: dou-te um coração sábio e inteligente, como  nunca houve outro igual antes de ti, nem haverá depois de ti” (1Rs 3,11-12).

É o sedento que encontrou a fonte da qual brotam todos os bens, e que fez de Salomão “O Magnífico”, isto é o grande, o belo, o rico e sábio rei dos judeus. Dessa fonte nasceram, segundo a tradição judaica, três mil provérbios e mil e cinco cânticos, bem como muitos gestos e atos célebres de discernimento admirável, entre os quais se destaca aquele das duas prostitutas, que disputavam a maternidade de uma única e mesma criança.  Salomão descobriu a verdadeira mãe quando essa pediu para que a criança, em vez de repartida pelo meio, fosse entregue à falsa (Rs 3,16-27).

  1. Um tesouro escondido e caro (Mt 13,44-52)

O trecho do Evangelho de hoje contém as últimas parábolas de Jesus acerca do mistério do Reino de Deus. Entre elas merece destaque a primeira e a segunda: a do tesouro escondido e a da pérola preciosa. Se, nas parábolas anteriores o acento estava na fecundidade, na paciência, na tolerância e na acolhida, nestas se realça sua preciosidade, seu valor, sua riqueza, sua importância: o Reino de Deus é um tesouro, uma pérola. Daí a necessidade de vender tudo para adquiri-lo.

  • Reino de Deus – seguimento de Cristo – um tesouro

Novamente, é bom recordar que, no momento histórico da elaboração do primeiro Evangelho, muitos seguidores de Jesus Cristo se perguntavam se realmente valia a pena tal empreendimento. As razões eram diversas. Mas, a principal dentre todas era, certamente, a falta de expressão e de poder político-econômico-social do Evangelho e da própria Pessoa de Jesus, um pobre e simples crucificado. Além do mais, qual o retorno, quais os benefícios que tal projeto de vida lhes proporcionaria? Aparentemente, nenhum. Por isso, muitos se sentiam um tanto desanimados, e frustrados. Foi então que Mateus se lembrou dessas duas parábolas.

Primeiramente, o que Jesus está querendo é expor, anunciar o que estava se passando com Ele mesmo. A partir da grande teofania no rio Jordão (Cf. Mt 3,16-17), começou a descobrir e a encontrar o tesouro mais profundo, celeste e divino, que é dado a um homem: ver, sentir, conhecer e experimentar a presença real, viva de Deus como Pai. Acabaram-se as imagens, as figuras. O que fora prometido outrora, agora era realidade: Deus estava no meio dos homens como Pai. Era preciso, agora, passar essa descoberta para seus seguidores e, através destes, à toda humanidade. Missão difícil devido à grandeza e à profundidade do mistério. Daí os inúmeros sermões, milagres e parábolas como as três de hoje.

Duas pequenas, mas preciosas palavras movem o coração dessas duas parábolas: tesouro (pérola) escondido. Desde o batismo no Jordão, o Pai passara a ser o amor, o sentido, a riqueza que Cristo procurava descobrir, encontrar, acolher e revelar em tudo o que fazia ou lhe acontecia; em todos os que encontrava pelos povoados e aldeias da Galileia ou da Judeia, principalmente nos pobres, sofredores, doentes, viúvas e marginalizados, nas sinagogas ou no Templo de Jerusalém, era sempre o Pai, com sua misericórdia, que Ele via e intuía. Ele, o Pai, é o Reino, a Regência, isto é, o Cuidado de Deus que se esconde atrás de tudo e de todos porque é a Fonte da Vida de tudo e de todos.

Assim, Jesus com sua Palavra, seus atos e gestos, passa a ser o grande Sinal, o sacramento vivo deste Reino: o Pai. Como o Pai, porém, também Ele não se dá a conhecer de modo aberto, escancarado como faz o mundo com seus pseudos valores que precisam da publicidade e da força da imposição para serem conhecidos, vendidos e comprados. Jesus vive escondido porque seu modo de ser – que é o do verdadeiro amor, da gratuidade – é o da terra, da raiz, da fonte que tudo dão de si em favor da vida, esquecendo-se, porém, de si mesmas e pedindo para que os esqueçam. Uma é a dinâmica da raiz, outra a do tronco, dos ramos e frutos. Se, para esses importa aparecer, para a raiz pôr-se para fora da terra seria decretar a própria morte. Assim é o Deus que Nosso Senhor Jesus Cristo revela em toda a sua vida, principalmente na morte e morte de Cruz.

  • O preço

Como em todas as parábolas, também nessas, o protagonista não é outro senão, o próprio Senhor. Jesus Cristo é aquele camponês que encontrou um tesouro escondido no campo (Mt 13,44) e que, para comprá-lo vendeu tudo, até a última gota de seu sangue – até mesmo a própria vontade – o bem maior e mais precioso que um homem pode ter – só para “merecer” e encontrar o único tesouro, a pérola preciosa de toda sua  vida: o Pai. “Pai, não se faça o que eu quero, mas o que tu queres…” (Lc 22,42), “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lc 23,46).

Jesus Cristo mesmo, com sua palavra, sua mensagem, atos e feitos, principalmente o da Cruz, é, pois, o tesouro escondido que todo discípulo precisa procurar, comprar, custe o que custar. Eis a saga de todo cristão que queira fazer jus à honra e dignidade desse nome.

O primeiro fruto da graça do encontro desse tesouro vem assim assinalado: Cheio de alegria… (Mt 13,44). A alegria, de fato, passa a ser o sentimento maior e mais profundo que vai perpassar todo Evangelho. Ou, como diz nosso Papa: A alegria do Evangelho enche o coração de todo aquele que se encontra com Cristo. E todos quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento (EG 1). 

A primeira consequência da alegria, do entusiasmo que toma conta do felizardo, do bem-aventurado, que encontra o amor de sua vida, é sair de si. Por isso, agora, ele vai vender tudo o que tem… (Mt 13,44) a fim de comprar aquele campo (Mt 13,44). Assim, o fez o próprio Filho de Deus que vendeu sua dignidade de Deus para comprar o  nosso humano; assim o fez Maria para ser a mãe do Verbo eterno do Pai; assim procedeu também São Francisco que, subtraindo-se, aos poucos, do bulício do mundo e dos negócios, procurou esconder Jesus Cristo no homem interior. Como um negociante prudente, escondeu aos olhos dos enganadores “a pérola encontrada” e, ocultamente, procurou “vender tudo” só para poder adquiri-la (1C 6,2-3).

As duas parábolas, com uma pedagogia muito simples e clara, não deixam de apresentar e expor, também, o drama do percurso do homem após o pecado de Adão: a busca do tesouro, da pérola que desprezaram e jogaram fora: o paraíso, isto é, o convívio com seu Criador, sua Origem. Por isso, bem exclamou Santo Agostinho: Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti.

  • A separação final e definitiva

A parábola da rede introduz um elemento a mais referente ao Reino de Deus: a separação entre os justos e injustos, bons e maus, caraterizados pela parábola como peixes bons colocados em cestos e os que não prestam jogados fora. A mensagem é a mesma da parábola do joio semeado no meio do trigo (Mt 13,24-43).

Como aquela, também aqui, o tom que permeia toda narrativa é eminentemente escatológico. Ou seja, expor como serão os últimos tempos, o que vai acontecer um pouco antes do fim do fim: a separação final e definitiva entre os fiéis e os infiéis. Antes disso, ou enquanto não chegar esse tempo, todos devem viver juntos. O cristão, a exemplo de Cristo – o Filho de Deus que se fez Filho do Homem – deve aprender a conviver e a coexistir com todos os homens, até o fim. Para isso, diz a parábola, olhe como sabem conviver os peixes dentro das águas do mesmo mar. Todos, grandes e pequenos, mansos e ferozes, sabem compartilhar as águas e frutos do mesmo mar. Assim deve ser a vida do cristão. Enquanto o fim não chegar, aprenda a ser compassivo, fraterno e misericordioso com todos.

Assim será a caminhada da Igreja, do reino de Deus, dos filhos de Deus: uma luta contínua de purificação. Só então se manifestará a verdadeira assembleia dos eleitos, liberta dos falsos seguidores que, em vez da glória do Senhor, se ocuparam mais com a glória desse mundo e seu próprio bem estar pessoal; que, em vez de se fiarem na misericórdia do Senhor, preferiram acreditar em suas próprias forças, cultivando um sentimento de superioridade em relação aos demais irmãos. Em todos esses casos são excluídos porque não trazem o selo de Cristo encarnado, crucificado e ressuscitado. Seu destino será o que escolheram em sua vida, não lhes restando outra sorte senão a fornalha de fogo onde haverá choro e ranger de dentes (Mt 13,50).

  1. Predestinados a ser filhos no Filho (Rm 8,28-30)

O trecho proclamado hoje, como segunda leitura, é da Carta aos Romanos, um precioso resumo acerca do projeto salvador de Deus: Pois, aqueles que Deus contemplou com seu amor desde sempre, a esses Ele predestinou a ser conformes à imagem de seu Filho, para que este seja o primogênito numa multidão de irmãos (Rm 8,29).

Nunca se viu, ao longo da história, uma apreciação tão elevada acerca da grandeza e da dignidade do homem e, consequentemente, do sentido de sua existência, de seu destino como o exposto aqui. Deus passou para todos nós tudo o que pertencia a seu Filho, bem como toda glória que esse seu Filho conquistou com sua morte na Cruz.

São Francisco contemplando esse mistério, todo comovido, assim exortava: Atende, ó homem, a que excelência te pôs o Senhor Deus, porque Ele te criou e te formou “à imagem” do seu dileto Filho, segundo o corpo, “e à sua semelhança”, segundo o espírito (Ad V).

Portanto, somos excelentes, nobres, cheios de glória, não por merecimento próprio, mas pelo sangue divino que corre nas veias de nosso espírito, trazido e infundido em nosso coração pelo mistério da Encarnação de seu Filho amado. Um sangue que nos transforma de simples, pobres, desterrados e insignificantes filhos de Adão em filhos de Deus.

Desse mistério nasce a grande conclusão de Paulo: Sabemos que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados para a salvação, de acordo com o projeto de Deus (Rm 8,28).

Conclusão

O “Domingo do tesouro escondido” ou da pérola preciosa, nos leva à questão essencial de um cristão: É Jesus Cristo, realmente, para mim o único tesouro de minha vida, o tesouro escondido, a pérola preciosa para o qual eu devo e estou disposto a vender tudo a fim de comprá-lo? Ou, já me considero um cristão pronto, feito; um cristão que dispensa o discipulado, sempre pronto para justificar o pecado e a si mesmo, sem a disposição de uma busca sincera e suplicante de um novo encontro com Jesus Cristo, que passa a proporcionar-me uma sempre nova e mais profunda conversão?

Talvez, ainda não tenha compreendido que “tesouro” , “pérola”, aqui, na boca de Jesus significa a alegria, o júbilo, o vigor que nasce do encontro com Ele – Jesus – e através Dele com o Pai; e que esta busca, portanto, pertence à dinâmica da sedução, do enamoramento, da paixão, como o diz com muita clareza Marina, uma terciária franciscana, servindo-se do profeta: “Tu me cativaste,, me seduziste, e eu me deixei seduzir”… (Jr 20,7). Tu foste, pouco a pouco, tomando conta de mim, até me tomar toda. Se eu tenho ainda alguma coisa que não te entreguei, toma-a. Não quero reter nada, toma tudo. Não tenho culpa de me ter apaixonado por Ti. Pelo menos nisso, Tu és mais “culpado” do que eu. Tu me amaste primeiro (Livro de Marina, pag. 237).

Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini, ofm.