14º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 2020

14º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A

05/07/2020

Pistas homilético-franciscanas

 

Leituras: Zc 9,9-10; Sl 144(145); Rm 8,9.11-13; Mt 11,25-30.

Tema-mensagem: No júbilo e na louvação de Jesus, pela revelação do Pai aos pequeninos e humildes, nosso júbilo e nossa louvação!

Introdução

Neste domingo, celebramos a alegria, o júbilo, a louvação de Jesus ao Pai porque, em vez de revelar sua intimidade, os segredos do seu coração aos poderosos e soberbos, Ele os confia aos seus pequeninos e humildes.

  1. O profeta anuncia o despertar de um novo espírito (Zc 9,9-10)

A primeira e breve leitura de hoje, é tirada do livro do Profeta Zacarias. Como pano de fundo, está o ressurgimento da esperança messiânica no coração dos judeus que, no exílio, enfrentavam os sofrimentos da diáspora.

  • Estremece de alegria, filha de Sião

No trecho de hoje, Zacarias apresenta o Messias como o rei humilde e pacífico que vem à “filha de Sião”, à “filha de Jerusalém”, à comunidade de Israel como um esposo que vai ao encontro de sua esposa, sua bem-amada. Por isso, escreve: “Estremece de alegria, filha de Sião! Prorrompe em aclamações, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem ao teu encontro; ele é justo e vitorioso, humilde, montado num jumento – sobre um jumentinho bem novo” (Zc 9,9).

Foi assim que Israel sempre se compreendeu e experimentou: uma comunidade, um povo que surgiu da aliança esponsal com Jahweh, o Senhor: “Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo” (Ex. 6,7). Assim, como o esposo é único para a esposa, também o israelita deveria repetir para si mesmo, todo santo dia: “Shemá Yisrael Adonai Elohêinu Adonai Echad” – “Escuta ó Israel, Adonai nosso Deus é o Único Senhor” (Cf. Dt 6,4-9).  Os textos proféticos, retomando esse juramento de Jahvé, falam de Jerusalém, evocando-a como “filha de Sião”, como uma mulher. Ela é a esposa do Senhor. Assim, o advento do seu Rei será como a vinda do Esposo, após um longo tempo de saudosa ausência. Por isso, o convite à alegria, ao júbilo e à exaltação!

  • Um Rei que virá montado num jumento

Contrastando com os deuses de outros povos, o Messias (Ungido) de Deus, que Zacarias profetiza, é um rei pacífico e humilde; ele vem e entra em sua cidade como esposo que se achega à sua esposa, não montado num cavalo imponente, mas trotando sobre um animal modesto e jovem, um jumento, na verdade, um jumentinho bem novo, um filhote de jumenta. Essa profecia se realizará, depois, na entrada triunfal de Jesus em Jerusalém.   

Esse animal de carga, que tantos préstimos oferece ao homem, em contrapartida, é, pelo mesmo homem, um dos animais mais maltratado e desprezado. O jumento é, acima de tudo, animal de carga, não de festa e muito menos de guerra. Por isso, sua existência se dá terra a terra, e de modo muito humilde. No entanto, uma humildade que vela o fato de que ele é animal nobre e sagrado. Um verdadeiro servo do homem. Luiz Gonzaga, poeta, músico e cantor popular, saudou a presença dele com uma expressiva canção intitulada “apologia do jumento”. De maneira jocosa, como de costume, ele canta uma homenagem ao jumento, “nosso irmão”, conforme falou Padre Vieira. O cantador, enfim, lembra o vínculo do jumento com Jesus, com palavras mui franciscanas que comunicam graça (gracejo, encanto) e ternura: 

“Esse é o jumento, nosso irmão

Animal sagrado!

Serviu de transporte de Nosso Senhor

Quando ele ia para o Egito

Quando Nosso Senhor era pirritotinho

Todo jumento tem uma cruz nas costas, num tem?

Pode olhar que tem

Todo jumento tem uma cruz nas costas

Foi ali que o menino santo fez um pipizinho

Por isso ele é chamado de sagrado

Ha, ha, jumento meu irmão

O maior amigo do sertão!”

Segundo Zacarias, a filha de Sião devia estremecer de alegria, a filha de Jerusalém devia prorromper em aclamações de júbilo porque seu rei vinha ao seu encontro, não num corcel para se mostrar imponente em sua realeza, mas montado num jumentinho bem novo, num filhote de jumenta. Vem humilde, e não prepotente, manso e não oponente, pois vem para ser amado e não temido, para amar e salvar seu povo e toda humanidade.  Por isso, também, não usa um carro dourado e nem se veste de púrpura, ostentando sua vanglória nem vem montado em cavalo brioso, para deflagrar guerras contra os inimigos, mas, antes, montado em animal de carga, em humildade e pobreza.

Na leitura dos Padres da Igreja, esses dois animais – jumentinho e jumenta – representam toda a humanidade, judeus e gentios. A nós, portanto, o Senhor nos convida a depor os pesados fardos, e a tomar o seu jugo suave e a nos fazer mansos e humildes como ele.

Tudo muito paradoxal, pois, como esse Messias, rei humilde e pobre, irá destruir o poder da soberba e das armas que destrói, elimina e aniquila os homens? Resposta: pelo contra veneno da sua humildade e pobreza. Como, pois, não ver nessa profecia e no jumento uma imagem singela e ao mesmo tempo eloquente desse mistério? O mistério da encarnação, no qual o Criador assume nossa condição humana mais terra a terra, mais corpo a corpo? Mistério no qual Ele se apequena, se abrevia a fim de poder ser recebido e amado pela sua pequena criatura? Como não ver o mistério de sua Cruz? Podemos, assim, com toda razão parafrasear o dito do Precursor: “Eis aí o jumento que carrega o pecado do mundo!”

  1. Na revelação do Pai aos pequeninos, o júbilo de Jesus (Mt 11,25-3)

O Evangelho de hoje, vem logo depois do grande elogio de Jesus a João Batista, por causa de sua humildade, e da lamentação sobre as cidades da Galileia, por causa de sua incredulidade (Cf. Mt 11,7-24). Ele se desenvolve em três partes ou momentos distintos, mas intimamente unidos pela dinâmica do desejo da festa do encontro de Deus com seus queridos, os pequeninos.

  • Jesus louva o Pai

Mateus começa com esta confissão de Jesus: “Eu te louvo ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25). Confissão, aqui significa proclamação, alto e bom som, da verdade mais íntima, profunda, cara, pura e amável que Jesus experimenta em seu coração: a sabedoria do Pai.

São Jerônimo, comentando essa sabedoria, diz que Cristo louva o Pai por ter escondido o Evangelho aos sábios e inteligentes – isto é, aos sacerdotes, escribas e fariseus – e por tê-lo revelado aos pequeninos, isto é, aos discípulos, especialmente aos Apóstolos. Já Santo Agostinho interpreta os “sábios e inteligentes” como sendo os “soberbos” – uma vez que os “pequeninos” são os humildes. São Gregório Magno, por sua vez, oportunamente, observa que Jesus não disse: “revelastes estas coisas aos néscios” (insensatos), mas sim “aos pequeninos”, indicando que não está excluindo a inteligência e sabedoria, enquanto penetração de espírito, mas, sim a soberba, o orgulho, que advém do considerar-se a si mesmo sagaz e esperto. E, nesse mesmo sentido, São João Crisóstomo completa, dizendo que, com isso, Jesus nos ensina o cuidado que precisamos ter em fugir da soberba e em amar a humildade. Jesus detesta a mesquinhez ou a mediocridade de espírito, mas exalta a humildade. Não condena a sabedoria e a inteligência; condena, isto sim, a presunção, a arrogância, a soberba dos que se consideram sábios e inteligentes, doutores e mestres a partir de si.

Pequenino, aqui, talvez aponte para a experiência de uma profunda intimidade, mais ou menos como o pupilo, o queridinho, o amado, o preferido do Pai. Nesse sentido, todos os homens são “os pequeninos de Deus”, mas nem todos o fazem por se merecer, nem todos ousam abrir mãos de sua pretensa e falsa “grandeza”, de seu orgulho. Ao contrário desses, encontramos os simples, aqueles que não tem acesso à erudição e à ciência; os que nada contam na Religião do Templo, e que costumam se abrir a Deus com coração limpo, dispostos a se deixar instruir, guiar e conduzir por Ele.

  • Jesus, o verdadeiro pequenino do Pai

Como disse o Papa Francisco, Jesus é o rosto, a alma do Pai. Isso não apenas porque Ele vem do Pai, porque é Filho do Pai, mas também, porque Ele e o Pai são um só; o Pai é o seu Tudo, seu Amor, sua Paixão, seu Bem-querer. Por isso, ao ver que o Pai se torna aceito e conhecido, não se contém: exulta de alegria.

Como não rejubilar, então, não fazer festa se o desígnio de Deus, escondido em seu coração desde toda a eternidade, estava começando a se concretizar na terra dos homens através dos pequeninos, a começar pelo primeiro dentre todos, Ele mesmo, o Filho da bendita Virgem Maria?!

 Humilhar-se é, aqui, a modo do jumento, empenhar-se corpo a corpo, “terra a terra”, no desejo e na busca Daquele que nos tocou e visitou por primeiro. Esse empenho é necessário, porém, não é tudo. É preciso, acima de tudo, experimentar no não-saber e no não-poder da busca, que a sabedoria não é simplesmente a conquista de um mérito. É, antes, dom, dádiva, graça de uma conquista. Isso quer dizer que a própria doação de si no empenho da busca já nos é dada como uma possibilidade que nos vem daquilo que nos desperta e encanta para a busca. O soberbo, ao contrário, desconhecendo que a gratuidade está na raiz de todo empenho de busca e imaginando, néscia e ilusoriamente, que a sabedoria é resultado de seus esforços, se endurece na empáfia da arrogância e da soberba. Assim, jamais terá a alegria, o júbilo da festa do encontro.

Quem amou intensamente a alegria da mensagem desse Evangelho foi São Francisco. Ele mesmo era a alegria em pessoa. Por isso, esse Evangelho foi escolhido para a celebração da Missa de sua Festa. No vigor da importância dessa virtude, recomendava aos seus frades: Portanto, Irmãos, cuidemo-nos todos de toda soberba e vanglória. E guardemo-nos da sabedoria desse mundo e da prudência da carne… E retribuamos todos os bens ao Altíssimo e Sumo Senhor Deus, e reconheçamos que d’Ele são todos os bens, e por tudo demos graças a Ele, de quem procedem todos os bens (RNB 17).

2.3. Jesus convida

Na última parte, Jesus lança dois convites: jogar fora o peso que cansa e fatiga e assumir o jugo Dele que dá descanso.

Para as pessoas simples, que viviam oprimidas pelo peso das tradições e interpretações da Lei, por parte dos “donos” da Religião e do Templo, Jesus lhes oferece seu jugo. Não que esse seu jugo seja leve por ser menos exigente, mas, porque vem da graça do encontro e do bem-querer que brota num coração manso e humilde.

A humildade é a suavidade do Amor de Deus – que se revela no coração de Jesus. Tanto os fardos de nossos pecados[1], que impomos a nós mesmos, quanto os fardos da justiça da lei – a justiça dos fariseus (cf. Mt 5, 20) – devem ser abandonados no seguimento de Jesus, manso e humilde de coração, e substituí-los pela graça da suavidade de seu seguimento.

Ora, jugo é aquilo que con-juga os que o carregam. É nesse sentido que os casais são chamados “cônjuges”, isto é, aqueles que, na suavidade do amor, carregam o mesmo jugo. Por isso, tudo o que carregam fica suave. No jugo do Evangelho, se unem judeus e gentios, para serem discípulos de Jesus. É o jugo suave do discipulado. Por isso, Jesus diz: “aprendei de mim”. Aprender o que? A humildade, a mansidão.

Fundando a existência sobre a base da humildade, o homem encontra paz. “A mente repousa na humildade” (DE 1), dizia frei Egídio. Jesus diz: “e encontrareis descanso para as vossas almas”. Pela humildade, o homem se torna solícito e útil para os outros e, ao mesmo tempo, encontra paz e serenidade em si mesmo. Essa paz lhe é dada como um penhor daquela paz que lhe será concedida na eternidade.

Entretanto, pergunta um mestre medieval (Rabano Mauro), não disse, o próprio Senhor Jesus, que “estreita é a senda que conduz à vida” (Mt 7,14)? Como Ele diz, agora, que seu jugo é suave e seu peso leve? Resposta: o que no princípio nos parece custoso, com o passar do tempo, pela doçura inefável do encontro, tudo se nos torna sumamente fácil.

São Jerônimo ainda explica que o Evangelho é mais leve do que a Lei porque o Evangelho considera a intenção e o desejo do homem, enquanto a Lei considera somente a obra exterior. O Evangelho é também mais leve, porque, enquanto a Lei traz muitos preceitos impraticáveis (Cf. At. 15), o Evangelho nos recomenda o essencial: o amor a Deus e ao próximo. “Sim, este mandamento, que hoje te dou, não é excessivo para ti, nem está fora do teu alcance. Não está no céu (…). Nem está além dos mares (…). Sim, esta palavra está bem perto de ti, está em tua boca e em teu coração, para que a ponhas em prática” (Dt 30,11-14).

  1. O pequenino e a graça do Espírito (Rm 8,9.11-13)

No trecho da Carta aos Romanos, proclamado hoje, São Paulo nos leva ao coração da origem dos bem-aventurados e pequeninos do Pai: a graça de ter em seu coração o Espírito de Deus e de poder viver segundo Ele, e não segundo a carne (Rm 8,9).

Ora, o que é esse Espírito senão a graça da Potência de Deus que, tirando Jesus Cristo do domínio da morte, O entregou ao Pai e aos homens para que assim pudessem todos participar de sua natureza de Filho muito querido do Pai!

Daí a conclusão lógica e exigente de Paulo: Portanto, temos uma dívida, Irmãos, mas não para com a carne. Pois, se viverdes segundo a carne morrereis, mas se, pelo espírito, matardes o procedimento carnal, então vivereis (Rm 8,12-13).

Conclusão

Pai, é termo que resume não só a natureza mais profunda e visceral de Deus, mas, também, e consequentemente, todo seu relacionamento com suas criaturas, principalmente com os homens. Filho, por sua vez resume a essência do homem e, consequentemente, como deveria ser todo seu relacionamento com Deus, seu Pai e com as criaturas suas irmãs, enfim, sua vocação-missão no mundo e sua história.

O júbilo de Jesus é duplo. Primeiramente, porque Ele mesmo se vê e se sente como um pequenino amado e cuidado pelo Pai. Em segundo lugar, porque via que as coisas do Pai, isto é, seu cuidado, seu perdão, sua misericórdia, sua compaixão, enfim, sua salvação, se revelavam e aconteciam no coração dos mais simples e pequeninos, pobres e pecadores. Eis a obra evangélica que deve repetir-se séculos afora na e pela Igreja.

É preciso, pois que cada um de nós, a exemplo de Maria, diante do mistério da encarnação, possa confessar alto e bom som: “A minha alma engrandece o Senhor e exulta meu espírito em Deus meu salvador porque olhou para a pequenez de sua serva” (Lc 1,46) ); que cada um de nós, como São Francisco, diante da graça do encontro com Cristo, e de sermos chamados e enviados por Ele a participar e provar do mistério de sua filiação divina, possamos cantar jubilosos o nosso “Laudato si, mi Signore!”.

Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini, ofm

[1] São Gregório diz: “é certamente um jugo áspero e uma dura submissão o estar submetido às coisas temporais, o ambicionar as terrenas, o reter as que morrem, o querer estar sempre no que é instável, o apetecer o que é passageiro, e o não querer passar com o que passa. Porque, enquanto desaparecem, apesar de nossos desejos, todas essas coisas que por ansiedade de possui-las afligiam nossa alma, nos atormentam depois por medo de perde-las”.