O Calendário Litúrgico de 2019 promove um profético encontro entre a Festa Litúrgica de Santa Isabel da Hungria, OFS, Franciscana Secular do Século XIII que abraçou a Espiritualidade Franciscana como caminho de liberdade para SERVIR e PARTILHAR com os últimos de seu tempo e o 33º Domingo do Tempo Comum que , por convocação do Papa Francisco, será o “Dia Mundial dos Pobres”, oportunidade formativa, de à luz do Evangelho e em fraternidade, irmos ao encontro daqueles que são os preferidos de Deus. Por isso apresentamos a Juventude Franciscana do Brasil este Roteiro de Encontro que poderá ser vivenciado como Família Franciscana (Frades, Congregações Femininas, OFS e JUFRA) para celebrar a festa de nossa padroeira com uma vivência concreta, pois, como nos recorda o Papa Francisco: “Não amemos com palavras, nem com a boca, mas com obras e com verdade!” (1 Jo 3, 18). Paz e Bem!
OBJETIVOS
o Celebrar em Fraternidade a Festa da Padroeira da Ordem Franciscana Secular, Santa Isabel da Hungria (1207-1231); o Abraçar, com toda a Igreja, o “Dia Mundial dos Pobres”, reafirmando o nosso comprometimento assumido no Ideal Franciscano de Vida com a Opção Preferencial pelos Pobres nas realidades de nossas fraternidades locais;
AMBIENTAÇÃO
Preparar o ambiente de modo circular, tendo ao centro elementos de nossa Espiritualidade (Imagem/Ícone de Santa Isabel, Livros da OFS, Fontes Franciscana, Taus, Cruz de São Damião), trazer presente com destaque a Iluminação Bíblica: “Não amemos com palavras, nem com a boca, mas com obras e com verdade!” (1 Jo 3, 18), sementes variadas, tecidos, velas, como convier na realidade da fraternidade. Sugestão: Como Igreja em Saída, este Encontro pode ser realizado ao ar-livre, em alguma ONG ou Instituição Social, Casas de Recuperação, Asilos, Albergues, indo ao encontro dos leprosos de nosso tempo, para rezar, celebrar e conviver.
ACOLHIDA
Coordenador: O Dia Mundial dos Pobres foi instituído por Francisco, na conclusão do Ano Santo extraordinário da Misericórdia, com uma Carta Apostólica intitulada “Misericórdia e mísera”. A celebração, ‘sinal concreto” do Ano Jubilar, se realizará no XXXIII Domingo do Tempo Comum, que este ano cai em 17 de novembro. Com a Festa Liturgica celebramos o carisma franciscano de Santa Isabel da Hungria, como imitação alegre e amorosa de Jesus “pobre, desprezado e crucificado”, com uma característica pessoal irrepetível: a extraordinária caridade para com o próximo. Seguindo o ensinamento de São Francisco, Isabel, quando o marido ainda era vivo, tecia lã juntamente com as servas para confeccionar roupas destinadas aos pobres. Oração a Santa Isabel da Hungria Ó Deus, que destes a Santa Isabel da Hungria reconhecer e venerar o Cristo nos pobres, concedei-nos, por sua intercessão, servir os pobres e aflitos com incansável caridade. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém. VER Coordenador: Queremos, neste momento conhecer um pouco mais da história da Padroeira da Ordem Franciscana Secular, Santa Isabel da Hungria, conhecendo seis aspectos de sua vida e que a fizeram nossa padroeira: Leitor 1: O IDEAL FRANCISCANO – Isabel (ou Elisabeth, em Alemão) nasceu na Hungria em 1207, filha do rei André II e de Gertrudes de Merânia. Com a idade de quatro anos é enviada como noiva do filho primogênito do conde Hermann I à corte da Turíngia – região situada na extremidade sudoeste da Alemanha. Criada nessa atmosfera frívola e casando-se com Luís aos quatorze anos, Isabel entra em contato com os primeiros missionários franciscanos na Alemanha. No caso de Isabel não se pode falar de “conversão” mas o que ela encontra no ideal franciscano é o enriquecimento e aprofundamento de valores da fé. Os testemunhos de Francisco e Clara vão ao encontro do desejo que Elisabeth sempre conservou em seu coração. Leitor 2: NOBREZA DE SER E NÃO DE TER – Das fontes dos testemunhos de personagens que passaram pela vida de Isabel, aflora uma figura de mulher completa como moça, mãe e viúva consagrada ao serviço dos pobres e dos doentes, rica de humanidade e com profunda vida interior. Seu ideal de santidade se caracteriza pelo equilíbrio entre as obrigações às quais estava vinculada como filha de rei e landgravina de um poderoso Estado e as práticas de uma vida religiosa pobre e austera. Leitor 3: MULHER: Há nesta grande mulher uma profunda humanidade, uma sensibilidade de seus atos e suas palavras além de uma vontade de viver não para si, mas para os outros, que se traduz num amor sem limites pelo marido, pelos filhos e a mesma delicadeza e atenção para com os outros, especialmente os pobres e sofredores. Da classe nobre a que pertencia tinha o porte senhoril e a disponibilidade de recursos, mas não a vaidade e separação que costumeiramente criam distância e estabelecem submissão. Leitor 4: ESPOSA E MÃE: Aos quatorze anos Isabel se torna finalmente esposa de Ludovico, tendo as bodas celebradas em maio de 1221. Em setembro já esperava seu primogênito com tremor, mas também com a máxima confiança em Deus. Não aproveitou de seu estado para entregar-se à indolência e ao nada fazer. Ao contrário, sentia uma força nova que a impulsionava a dedicar-se aos outros, particularmente às crianças mais pobres,
como se o instinto materno se dilatasse ao infinito. Em março, Isabel deu à luz seu primeiro filho, Hermano. Leitor 5: FRANCISCANA SECULAR: Isabel era uma “religiosa” vivendo no mundo. O incentivo e o estímulo para esta escolha foram essencialmente franciscanos, ou seja, o mesmo que tinha motivado Francisco e Clara: a altíssima pobreza. Em 1228 faz um ato solene de consagração, na forma mais estrita da sequela Christi, que consistia em seguir o Cristo pobre e humilde, na capela de seu castelo. Leitor 6: OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS POBRES: Os motivos que fizeram com que Isabel se dirigisse aos leprosos foram os mesmos de Francisco. Antes de tudo, era uma escolha teológica, cristocêntrica, decorrente do desejo de imitar Jesus Cristo em tudo. Nos irmãos atingidos pelo terrível mal ela via a imagem do Salvador atingido pelos pecados do mundo. Não podemos esquecer alguma coisa que em Isabel era muito forte: a participação humana nos sofrimentos dos outros. ILUMINAR Iluminação Bíblica 1 João 3, 16-19 Leitura da Primeira Carta de São João. Conhecemos o amor nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos irmãos. Quem, pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu irmão necessitado, lhe cerrar as suas entranhas, como estará nele o amor de Deus? Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade. E nisto conhecemos que somos da verdade, e diante dele asseguraremos nossos corações. Palavra do Senhor. Coordenador: Deixemos que Palavra de Deus ecoe em nosso coração e produza verdadeiros frutos de conversão. Por isso, podemos de modo silencioso, retornar a leitura e refletir sobre os nossos irmãos marginalizados: Rostos de Deus no mundo. (Momento de Meditação da Palavra de Deus, por isso, é importante conduzir e propor uma pequena partilha, com as palavras que mais tocam cada irmão. Sugerimos encerrar este momento com a música a seguir.)
REFLEXÃO – SEU NOME É JESUS CRISTO (Pe. André Luna)
Seu nome é Jesus Cristo e passa fome E grita pela boca dos famintos E a gente quando vê passa adiante Às vezes para chegar depressa a igreja Seu nome é Jesus Cristo e está sem casa E dorme pelas beiras das calçadas E a gente quando vê aperta o passo E diz que ele dormiu embriagado Entre nós está e não O conhecemos Entre nós está e nós O desprezamos Seu nome é Jesus Cristo e é analfabeto E vive mendigando um subemprego E a gente quando vê, diz: “é um à toa Melhor que trabalhasse e não pedisse” Seu nome é Jesus Cristo e está banido Das rodas sociais e das igrejas Porque d’Ele fizeram um Rei potente Enquanto Ele vive como um pobre Entre nós está e não O conhecemos Entre nós está e nós O desprezamos Seu nome é Jesus Cristo e está doente E vive atrás das grades da cadeia E nós tão raramente vamos vê-lo Dizemos que ele é um marginal Seu nome é Jesus Cristo e anda sedento Por um mundo de Amor e de Justiça
Mas logo que contesta pela Paz A ordem o obriga a ser de guerra Entre nós está e não O conhecemos Entre nós está e nós O desprezamos Seu nome é Jesus Cristo e é difamado E vive nos imundos meretrícios Mas muitos o expulsam da cidade Com medo de estender a mão a ele Seu nome é Jesus Cristo e é todo homem E vive neste mundo ou quer viver Pois pra Ele não existem mais fronteiras Só quer fazer de todos nós irmãos Entre nós está e não O conhecemos Entre nós está e nós O desprezamos
AGIR Coordenador: Recentes estudos dão conta de que no Brasil a pobreza continua enorme e tende a crescer. A classe A da população, 3,8% dos brasileiros com renda familiar mensal superior a R$ 17.286, detém 38% da renda global do país; enquanto isso, as classes D e E, que somam 54,3% da população mais pobre e tem renda mensal familiar abaixo de R$ 2.302, detém apenas 16,3% da renda global (revista Veja, 5/7, página 66). A concentração da renda é fator de perenização da pobreza no Brasil. Vejamos o que diz o Papa Francisco sobre a Pobreza Contemporânea: “Ela é difusa e onipresente, aparecendo nos rostos marcados pelo sofrimento, a marginalização, a opressão, a violência, as torturas, a prisão, as guerras, a privação da liberdade e da dignidade, a ignorância e o analfabetismo, a falta de saúde e de assistência sanitária, a falta de trabalho, o tráfico de pessoas, as escravidões, as migrações forçadas. São homens, mulheres e crianças explorados por interesses vis, espezinhados pelas lógicas perversas do poder e do dinheiro. O elenco constrangedor dos pobres é impiedoso e nunca completo, fruto de injustiça social, da corrupção, da miséria moral, da avidez de poucos e da indiferença generalizada”. O que, como Franciscanos e Franciscanas, temos feito? Como temos agido? (Propomos neste momento uma “Tempestade de Ideias” a partir de GESTOS CONCRETOS que a Fraternidade deverá assumir a partir deste encontro e da Celebração do Dia Mundial dos Pobres. Certamente, duas ou três ações são suficientes para que toda a fraternidade possa assumir e realizar, integrando vivência e testemunho, palavras e vida.) CELEBRAR Coordenador: Uma certa vez, Santa Isabel, tendo tomado conhecimento de um mendigo enfermo de aspecto horrendo, que sofria de dificuldades mentais, tomou-o escondidamente, cortou-lhe os cabelos, mantendo-o amorosamente reclinado junto de seu seio. Depois de tê-lo lavado, deixou-o escondido num canto do jardim para evitar os olhares curiosos dos outros. Foi, no entanto, descoberta e repreendida. Justificou-se, mostrando o mais belo sorriso. Em todas as obras de misericórdia, chamava atenção de modo particular o sorriso sincero que enfeitava perenemente seu rosto. Estamos diante de uma mulher em que santidade e feminilidade se unem harmoniosamente, evidenciando uma simbiose perfeita entre natureza e graça. (Neste momento, aquele que conduz convida alguma irmão da OFS que entregará para cada irmão presente um pouco de sementes, representando o compromisso a ser assumido nesta Festa) ENTREGA DAS SEMENTES – O MEU REINO (Frei Fabretti)
1 – O meu Reino tem muito a dizer, não se faz como quem procurou, aumentar os celeiros bem mais e sorriu.
Insensato, que vale tais bens, se hoje mesmo terás o teu fim? Que tesouros tu tens pra levar além.
Sim Senhor, nossas mãos vão plantar o teu reino. O teu pão vai nos dar teu vigor, tua paz.
2 – O meu reino se faz bem assim: Se uma ceia quiseres propor, não convide amigos, irmãos e outros mais. Sai à rua a procura de quem não puder recompensa te dar, que o teu gesto lembrado será por Deus.
3 – O meu reino quem vai compreender? Não se perde na pressa que tem, sacerdote e levita que vão se cuidar. Mas, se mostra em quem não se contém, se aproxima e procura o melhor para o irmão agredido que viu o chão.
4 – O meu reino não pode aceitar, quem se julga maior que ops demais por cumprir os preceitos da lei, um a um a humilde de quem vai além e se empenha e procura o perdão, é o terreno onde pode brotar a paz.
5 – O meu reino é um apelo que vem, transformar as razões do viver, que te faz desatar tantos nós que ainda tens. Dizer sim é saberes repor tudo quanto prejuizo causou, dar as mãos , repartir, acolher, servir!
MOTIVAÇÃO FINAL Coordenador: Na Mensagem para o Dia Mundial dos Pobres, o Papa Francisco nos ensina: “Não esqueçamos que, para os discípulos de Cristo, a pobreza é, antes de mais, uma vocação a seguir Jesus pobre. É um caminho atrás d’Ele e com Ele: um caminho que conduz à bem-aventurança do Reino dos céus (cf. Mt 5, 3; Lc 6, 20). Pobreza significa um coração humilde, que sabe acolher a sua condição de criatura limitada e pecadora, vencendo a tentação de omnipotência que cria em nós a ilusão de ser imortal. A pobreza é uma atitude do coração que impede de conceber como objetivo de vida e condição para a felicidade o dinheiro, a carreira e o luxo. Mais, é a pobreza que cria as condições para assumir livremente as responsabilidades pessoais e sociais, não obstante as próprias limitações, confiando na proximidade de Deus e vivendo apoiados pela sua graça. Assim entendida, a pobreza é o metro que permite avaliar o uso correto dos bens materiais e também viver de modo não egoísta nem possessivo os laços e os afetos (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 25-45). Assumamos, pois, o exemplo de São Francisco, testemunha da pobreza genuína. Ele, precisamente por ter os olhos fixos em Cristo, soube reconhecê-Lo
e servi-Lo nos pobres. Por conseguinte, se desejamos dar o nosso contributo eficaz para a mudança da história, gerando verdadeiro desenvolvimento, é necessário escutar o grito dos pobres e comprometermo-nos a erguê-los do seu estado de marginalização. Ao mesmo tempo recordo, aos pobres que vivem nas nossas cidades e nas nossas comunidades, para não perderem o sentido da pobreza evangélica que trazem impresso na sua vida”. Por isso, queremos encerrar este encontro com a Benção. Nosso desejo e compromisso não é de sermos abençoados por Deus, pois isso já somos a todo tempo, mas de nós mesmos sermos a Benção de Deus aos Pobres de nosso tempo e acolhê-los também nós somos abençoados, e fazer o Reino acontecer.
MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO PARA O III DIA MUNDIAL DOS POBRES
XXXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM (17 DE NOVEMBRO DE 2019)
«A esperança dos pobres jamais se frustrará»
1. «A esperança dos pobres jamais se frustrará» ( Sal 9, 19). Estas palavras são de incrível atualidade. Expressam uma verdade profunda, que a fé consegue gravar sobretudo no coração dos mais pobres: a esperança perdida devido às injustiças, aos sofrimentos e à precariedade da vida será restabelecida.
O salmista descreve a condição do pobre e a arrogância de quem o oprime (cf. Sal 10, 1-10). Invoca o juízo de Deus, para que seja restabelecida a justiça e vencida a iniquidade (cf. Sal 10, 14-15). Parece ecoar nas suas palavras uma questão que atravessa o decurso dos séculos até aos nossos dias: como é que Deus pode tolerar esta desigualdade? Como pode permitir que o pobre seja humilhado, sem intervir em sua ajuda? Por que consente que o opressor tenha vida feliz, enquanto o seu comportamento haveria de ser condenado precisamente devido ao sofrimento do pobre?
No período da redação do Salmo, assistia-se a um grande desenvolvimento económico, que acabou também – como acontece frequentemente – por gerar fortes desequilíbrios sociais. A desigualdade gerou um grupo considerável de indigentes, cuja condição aparecia ainda mais dramática quando comparada com a riqueza alcançada por poucos privilegiados. Observando esta situação, o autor sagrado pinta um quadro realista e muito verdadeiro.
Era o tempo em que pessoas arrogantes e sem qualquer sentido de Deus espiavam os pobres para se apoderar até do pouco que tinham, reduzindo-os à escravidão. A realidade, hoje, não é muito diferente! A numerosos grupos de pessoas, a crise económica não lhes impediu um enriquecimento tanto mais anómalo quando confrontado com o número imenso de pobres que vemos pelas nossas estradas e a quem falta o necessário, acabando por vezes humilhados e explorados. Acodem à mente estas palavras do Apocalipse: «Porque dizes: “sou rico, enriqueci e nada me falta”, e não te dás conta de que és um infeliz, um miserável, um pobre, um cego, um nu?» (3, 17). Passam os séculos, mas permanece imutável a condição de ricos e pobres, como se a experiência da história não ensinasse nada. Assim, as palavras do salmo não dizem respeito ao passado, mas ao nosso presente submetido ao juízo de Deus.
2. Também hoje devemos elencar muitas formas de novas escravidões a que estão submetidos milhões de homens, mulheres, jovens e crianças.
Todos os dias encontramos famílias obrigadas a deixar a sua terra à procura de formas de subsistência noutro lugar; órfãos que perderam os pais ou foram violentamente separados deles para uma exploração brutal; jovens em busca duma realização profissional, cujo acesso lhes é impedido por míopes políticas económicas; vítimas de tantas formas de violência, desde a prostituição à droga, e humilhadas no seu íntimo. Além disso, como esquecer os milhões de migrantes vítimas de tantos interesses ocultos, muitas vezes instrumentalizados para uso político, a quem se nega a solidariedade e a igualdade? E tantas pessoas sem abrigo e marginalizadas que vagueiam pelas estradas das nossas cidades?
Quantas vezes vemos os pobres nas lixeiras a catar o descarte e o supérfluo, a fim de encontrar algo para se alimentar ou vestir! Tendo-se tornado, eles próprios, parte duma lixeira humana, são tratados como lixo, sem que isto provoque qualquer sentido de culpa em quantos são cúmplices deste escândalo. Aos pobres, frequentemente considerados parasitas da sociedade, não se lhes perdoa sequer a sua pobreza. A condenação está sempre pronta. Não se podem permitir sequer o medo ou o desânimo: simplesmente porque pobres, serão tidos por ameaçadores ou incapazes.
Drama dentro do drama, não lhes é consentido ver o fim do túnel da miséria. Chegouse ao ponto de teorizar e realizar uma arquitetura hostil para desembaraçar-se da sua presença mesmo nas estradas, os últimos espaços de acolhimento. Vagueiam duma
parte para outra da cidade, esperando obter um emprego, uma casa, um afeto… Qualquer possibilidade que eventualmente lhes seja oferecida, torna-se um vislumbre de luz; e mesmo nos lugares onde deveria haver pelo menos justiça, até lá muitas vezes se abate sobre eles violentamente a prepotência. Constrangidos durante horas infinitas sob um sol abrasador para recolher a fruta da época, são recompensados com um ordenado irrisório; não têm segurança no trabalho, nem condições humanas que lhes permitam sentir-se iguais aos outros. Para eles, não existe fundo de desemprego, liquidação nem sequer a possibilidade de adoecer.
Com vivo realismo, o salmista descreve o comportamento dos ricos que roubam os pobres: «Arma ciladas para assaltar o pobre e (…) arrasta-o na sua rede» (cf. Sal 10, 9). Para eles, é como se se tratasse duma caçada, na qual os pobres são perseguidos, presos e feitos escravos. Numa condição assim, fecha-se o coração de muitos, e leva a melhor o desejo de desaparecer. Em suma, reconhecemos uma multidão de pobres, muitas vezes tratados com retórica e suportados com fastídio. Como que se tornam invisíveis, e a sua voz já não tem força nem consistência na sociedade. Homens e mulheres cada vez mais estranhos entre as nossas casas e marginalizados entre os nossos bairros.
3. O contexto descrito pelo salmo tinge-se de tristeza, devido à injustiça, ao sofrimento e à amargura que fere os pobres. Apesar disso, dá uma bela definição do pobre: é aquele que «confia no Senhor» (cf. 9, 11), pois tem a certeza de que nunca será abandonado. Na Escritura, o pobre é o homem da confiança! E o autor sagrado indica também o motivo desta confiança: ele «conhece o seu Senhor» (cf. 9, 11) e, na linguagem bíblica, este «conhecer» indica uma relação pessoal de afeto e de amor.
Encontramo-nos perante uma descrição verdadeiramente impressionante, que nunca esperaríamos. Assim faz sobressair a grandeza de Deus, quando Se encontra diante dum pobre. A sua força criadora supera toda a expetativa humana e concretiza-se na «recordação» que Ele tem daquela pessoa concreta (cf. 9, 13). É precisamente esta confiança no Senhor, esta certeza de não ser abandonado, que convida o pobre à esperança. Sabe que Deus não o pode abandonar; por isso, vive sempre na presença daquele Deus que Se recorda dele. A sua ajuda estende-se para além da condição atual de sofrimento, a fim de delinear um caminho de libertação que transforma o coração, porque o sustenta no mais profundo do seu ser.
4. Constitui um refrão permanente da Sagrada Escritura a descrição da ação de Deus em favor dos pobres. É Aquele que «escuta», «intervém», «protege», «defende», «resgata», «salva»… Em suma, um pobre não poderá jamais encontrar Deus indiferente ou silencioso perante a sua oração. É Aquele que faz justiça e não esquece (cf. Sal 40, 18; 70, 6); mais, constitui um refúgio para o pobre e não cessa de vir em sua ajuda (cf. Sal 10, 14).
Podem-se construir muitos muros e obstruir as entradas, iludindo-se assim de sentir-se a seguro com as suas riquezas em prejuízo dos que ficam do lado de fora. Mas não será assim para sempre. O «dia do Senhor», descrito pelos profetas (cf. Am 5, 18; Is 2 – 5; Jl 1 – 3), destruirá as barreiras criadas entre países e substituirá a arrogância de poucos com a solidariedade de muitos. A condição de marginalização, em que vivem acabrunhadas milhões de pessoas, não poderá durar por muito tempo. O seu clamor aumenta e abraça a terra inteira. Como escrevia o Padre Primo Mazzolari: «O pobre é um contínuo protesto contra as nossas injustiças; o pobre é um paiol. Se lhe ateias o fogo, o mundo vai pelo ar».
5. Não é possível jamais iludir o premente apelo que a Sagrada Escritura confia aos pobres. Para onde quer que se volte o olhar, a Palavra de Deus indica que os pobres são todos aqueles que, não tendo o necessário para viver, dependem dos outros. São o oprimido, o humilde, aquele que está prostrado por terra. Mas, perante esta multidão inumerável de indigentes, Jesus não teve medo de Se identificar com cada um deles:
«Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» ( Mt 25, 40). Esquivar-se desta identificação equivale a ludibriar o Evangelho e diluir a revelação. O Deus que Jesus quis revelar é este: um Pai generoso, misericordioso, inexaurível na sua bondade e graça, que dá esperança sobretudo a quantos estão desiludidos e privados de futuro.
Como não assinalar que as Bem-aventuranças, com que Jesus inaugurou a pregação do Reino de Deus, começam por esta expressão: «Felizes vós, os pobres» ( Lc 6, 20)? O sentido deste anúncio paradoxal é precisamente que o Reino de Deus pertence aos pobres, porque estão na condição de o receber. Encontramos tantos pobres cada dia! Às vezes parece que o transcorrer do tempo e as conquistas da civilização, em vez de diminuir o seu número, aumentam-no. Passam os séculos, e aquela Bem-aventurança evangélica apresenta-se cada vez mais paradoxal: os pobres são sempre mais pobres, e hoje são-no ainda mais. Mas, colocando no centro os pobres ao inaugurar o seu Reino, Jesus quer-nos dizer precisamente isto: Ele inaug urou , mas confiou-nos, a nós seus discípulos, a tarefa de lhe dar seguimento, com a responsabilidade de dar esperança aos pobres. Sobretudo num período como o nosso, é preciso reanimar a esperança e restabelecer a confiança. É um programa que a comunidade cristã não pode subestimar. Disso depende a credibilidade do nosso anúncio e do testemunho dos cristãos.
6. Ao aproximar-se dos pobres, a Igreja descobre que é um povo, espalhado entre muitas nações, que tem a vocação de fazer com que ninguém se sinta estrangeiro nem excluído, porque a todos envolve num caminho comum de salvação. A condição dos pobres obriga a não se afastar do Corpo do Senhor que sofre neles. Antes, pelo contrário, somos chamados a tocar a sua carne para nos comprometermos em primeira pessoa num serviço que é autêntica evangelização. A promoção, mesmo social, dos pobres não é um compromisso extrínseco ao anúncio do Evangelho; pelo contrário, manifesta o realismo da fé cristã e a sua validade histórica. O amor que dá vida à fé em Jesus não permite que os seus discípulos se fechem num individualismo asfixiador, oculto nas pregas duma intimidade espiritual, sem qualquer influxo na vida social (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium , 183).
Recentemente, choramos a perda dum grande apóstolo dos pobres, Jean Vanier, o qual, com a sua dedicação, abriu novos caminhos à partilha promotora das pessoas marginalizadas. Jean Vanier recebeu de Deus o dom de dedicar toda a sua vida aos irmãos com deficiências profundas, que muitas vezes a sociedade tende a excluir. Foi um «santo da porta ao lado» da nossa; com o seu entusiasmo, soube reunir à sua volta muitos jovens, homens e mulheres, que, com o seu empenho diário, deram amor e devolveram o sorriso a tantas pessoas vulneráveis e frágeis, oferecendo-lhes uma verdadeira «arca» de salvação contra a marginalização e a solidão. Este seu testemunho mudou a vida de muitas pessoas e ajudou o mundo a olhar com olhos diferentes para as pessoas mais frágeis e vulneráveis. O clamor dos pobres foi ouvido e gerou uma esperança inabalável, criando sinais visíveis e palpáveis dum amor concreto, que podemos constatar até ao dia de hoje.
7. «A opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e lança fora» ( ibid ., 195), é uma escolha prioritária que os discípulos de Cristo são chamados a abraçar para não trair a credibilidade da Igreja e dar uma esperança concreta a tantos indefesos. É neles que a caridade cristã encontra a sua prova real, porque quem partilha os seus sofrimentos com o amor de Cristo recebe força e dá vigor ao anúncio do Evangelho.
O compromisso dos cristãos, por ocasião deste Dia Mundial e sobretudo na vida ordinária de cada dia, não consiste apenas em iniciativas de assistência que, embora louváveis e necessárias, devem tender a aumentar em cada um aquela atenção plena, que é devida a toda a pessoa que se encontra em dificuldade. «Esta atenção amiga é o início duma verdadeira preocupação» ( ibid ., 199) pelos pobres, buscando o seu
verdadeiro bem. Não é fácil ser testemunha da esperança cristã no contexto cultural do consumismo e do descarte, sempre propenso a aumentar um bem-estar superficial e efémero. Requer-se uma mudança de mentalidade para redescobrir o essencial, para encarnar e tornar incisivo o anúncio do Reino de Deus.
A esperança comunica-se também através da consolação que se implementa acompanhando os pobres, não por alguns dias permeados de entusiasmo, mas com um compromisso que perdura no tempo. Os pobres adquirem verdadeira esperança, não quando nos veem gratificados por lhes termos concedido um pouco do nosso tempo, mas quando reconhecem no nosso sacrifício um ato de amor gratuito que não procura recompensa.
8. A tantos voluntários, a quem muitas vezes é devido o mérito de ter sido os primeiros a intuir a importância desta atenção aos pobres, peço para crescerem na sua dedicação. Queridos irmãos e irmãs, exorto-vos a procurar, em cada pobre que encontrais, aquilo de que ele tem verdadeiramente necessidade; a não vos deter na primeira necessidade material, mas a descobrir a bondade que se esconde no seu coração, tornando-vos atentos à sua cultura e modos de se exprimir, para poderdes iniciar um verdadeiro diálogo fraterno. Coloquemos de parte as divisões que provêm de visões ideológicas ou políticas, fixemos o olhar no essencial que não precisa de muitas palavras, mas dum olhar de amor e duma mão estendida. Nunca vos esqueçais que «a pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual» ( ibid . , 200).
Antes de tudo, os pobres precisam de Deus, do seu amor tornado visível por pessoas santas que vivem ao lado deles e que, na simplicidade da sua vida, exprimem e fazem emergir a força do amor cristão. Deus serve-se de tantos caminhos e de infinitos instrumentos para alcançar o coração das pessoas. É certo que os pobres também se aproximam de nós porque estamos a distribuir-lhes o alimento, mas aquilo de que verdadeiramente precisam ultrapassa a sopa quente ou a sanduíche que oferecemos. Os pobres precisam das nossas mãos para se reerguer, dos nossos corações para sentir de novo o calor do afeto, da nossa presença para superar a solidão. Precisam simplesmente de amor…
9. Por vezes, basta pouco para restabelecer a esperança: basta parar, sorrir, escutar. Durante um dia, deixemos de parte as estatísticas; os pobres não são números, que invocamos para nos vangloriar de obras e projetos. Os pobres são pessoas a quem devemos encontrar: são jovens e idosos sozinhos que se hão de convidar a entrar em casa para partilhar a refeição; homens, mulheres e crianças que esperam uma palavra amiga. Os pobres salvam-nos, porque nos permitem encontrar o rosto de Jesus Cristo.
Aos olhos do mundo, é irracional pensar que a pobreza e a indigência possam ter uma força salvífica; e, todavia, é o que ensina o Apóstolo quando diz: «Humanamente falando, não há entre vós muitos sábios, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. Mas o que há de louco no mundo é que Deus escolheu para confundir os sábios; e o que há de fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte. O que o mundo considera vil e desprezível é que Deus escolheu; escolheu os que nada são, para reduzir a nada aqueles que são alguma coisa. Assim, ninguém se pode vangloriar diante de Deus» ( 1 Cor 1, 26-29). Com os olhos humanos, não se consegue ver esta força salvífica; mas, com os olhos da fé, é possível vê-la em ação e experimentá-la pessoalmente. No coração do Povo de Deus em caminho, palpita esta força salvífica que não exclui ninguém, e a todos envolve numa verdadeira peregrinação de conversão para reconhecer os pobres e amá-los.
10. O Senhor não abandona a quem O procura e a quantos O invocam; «não esquece o clamor dos pobres» ( Sal 9, 13), porque os seus ouvidos estão atentos à sua voz. A esperança do pobre desafia as várias condições de morte, porque sabe que é particularmente amado por Deus e, assim, triunfa sobre o sofrimento e a exclusão. A sua condição de pobreza não lhe tira a dignidade que recebeu do Criador; vive na
certeza de que a mesma ser-lhe-á restabelecida plenamente pelo próprio Deus. Ele não fica indiferente à sorte dos seus filhos mais frágeis; pelo contrário, observa as suas fadigas e sofrimentos, para os tomar na sua mão, e dá-lhes força e coragem (cf. Sal 10, 14). A esperança do pobre torna-se forte com a certeza de que é acolhido pelo Senhor, n’Ele encontra verdadeira justiça, fica revigorado no coração para continuar a amar (cf. Sal 10, 17).
Aos discípulos do Senhor Jesus, a condição que se lhes impõe para serem evangelizadores coerentes é semear sinais palpáveis de esperança. A todas as comunidades cristãs e a quantos sentem a exigência de levar esperança e conforto aos pobres, peço que se empenhem para que este Dia Mundial possa reforçar em muitos a vontade de colaborar concretamente para que ninguém se sinta privado da proximidade e da solidariedade. Acompanhem-nos as palavras do profeta que anuncia um futuro diferente: «Para vós, que respeitais o meu nome, brilhará o sol de justiça, trazendo a cura nos seus raios» ( Ml 3, 20).
Vaticano, na Memória litúrgica de Santo António de Lisboa, 13 de junho de 2019.
Francisco