21º DOMINGO DO TEMPO COMUM – Ano C – 25/08/2019
Pistas homilético-franciscanas
Leituras: Is 66,18-21; Sl 116; Hb 12,5-7.121-13; Lc 13,22-30
Tema-mensagem: Virão homens do oriente e do ocidente, do norte e do sul e tomarão lugar à mesa da comunhão do Reino de Deus.
Sentimento: cuidado-atenção
Introdução:
Domingo passado celebrávamos o desejo e o empenho de Jesus para que seu amor, sua paixão pelo Pai e seu Reino se acendesse no coração dos seus discípulos. Hoje, além de anunciar que este Reino é para todos os homens dirá, também, que a porta para entrar neste reino é estreita.
- Um anúncio profético acerca da universalidade do Reino de Deus [Is 66,18-21]
Quem, nos introduz na celebração deste mistério é Isaias, o profeta da era escatológica ou messiânica. A perícope, tirada do último capítulo de suas profecias, contém o anúncio de um evento maravilhoso e empolgante por parte do Senhor: Eu que conheço suas obras e seus pensamentos, virei para reunir todos os povos e línguas, eles virão e verão a minha glória (Is 66,18). Trata-se de um dos mais belos e queridos temas de Isaias: a manifestação universal da glória de Jahvé através de algo até então nunca ouvido: a participação de gentios (pagãos) como sacerdotes e levitas na nova teocracia messiânica.
Assim, o exclusivismo judaico será totalmente superado pela inclusão e participação de todos os não judeus não só no culto e no sacerdócio, mas também e principalmente na missão de proclamar a mensagem acerca da universalidade do novo Reino de Javé: Esses enviados anunciarão às nações minha glória e reconduzirão de toda a parte, até meu santo monte em Jerusalém, como oferenda ao Senhor, irmãos vossos, a cavalo, em carros e leiteiras … (Is 66,19-20).
Ora, todos nós sabemos, agora, que esta profecia se cumpriu plenamente com a vinda de Cristo, mais precisamente com o seu sangue derramado e ofertado ao Pai na Cruz em favor de todos os homens. Assim, na nova comunidade dos filhos de Deus, no novo Israel, todas as diferenças de raça, cor, língua ou religião são abolidas e superadas. Mais tarde, Pedro verá confirmada a maravilha deste mistério pela famosa e enigmática visão em Jope: uma toalha que descia do céu, repleta de animais impuros. Como bom judeu, embora tomado pela fome, se reusava tomar daqueles alimentos. Foi então que veio do céu a voz e a ordem: Pedro, levanta-te, mata e come… não chames de impuro o que Deus purificou (At 10,11-15). Em outras palavras não existe mais alimentos, pessoas, criaturas impuras porque Deus purificou tudo e todos com o sangue de seu Filho bem-amado. Por isso, tudo e todos não apenas devem ser chamados de filhos de Deus, mas também tratados e venerados como tais porque o são de fato, de verdade.
Era esta a razão que levava Francisco a reverenciar o sol, a lua, as criaturas todas, mas principalmente as pessoas, fossem de que credo fossem, como os sarracenos, por exemplo, como irmãos, porque filhos do mesmo Pai (Cf. Cântico do Irmãos Sol)
- O pai que ama corrige e o filho que ama deseja ser punido [Hb 12,5-7.121-13]
Na segunda leitura, tirada da Carta aos Hebreus, o autor, falando aos judeus convertidos ao cristianismo, recorda-lhes as honrosas consequências da graça de poderem fazer parte do novo Povo de Deus: Já esquecestes as palavras de encorajamento que vos foram dirigidas como a filhos: “Meu filho não desprezes a educação do Senhor, não desanimes quando Ele te repreender…” (Hb 12,5).
A intenção do autor é muito clara: que os cristãos devem descobrir e ter clareza acerca do sentido de seus sofrimentos, dores e contrariedades a que são submetidos diariamente: que são sinais do amor de Deus. Ou seja: que Deus corrige a quem ele ama e castiga a quem aceita como filho… É para vossa formação que sofreis, é como filhos que Deus vos trata (Hb 5,6-7).
Por mais contraditório que pareça, o sofrimento é uma prova que somos filhos de Deus, pois pai que é pai mesmo não pode deixar de corrigir seus filhos. Só não corrige, não pune aqueles que lhe são estranhos. Por isso, todos nós reverenciamos nossos pais ou mestres, justamente e também pelos castigos que nos impuseram.
Ora, qual o objetivo ou a intenção dos pais ao punirem os filhos senão a sua educação, isto é, abrir-lhes o caminho para a participação no banquete de uma vida digna, justa, honesta, alegre e feliz. Ora, aqui estamos diante do desfrute não apenas na participação do banquete da vida humana, mas da vida cristã, isto é, da oferta da festa da comunhão com Deus e com os irmãos.
Todo este desfrute só se dá na medida em que, a exemplo de Cristo, com Ele e como Ele, seguirmos o caminho não da justiça humana, mas da justiça divina que significa conformar-se sempre mais e melhor não às medidas de nossa vontade própria, mas da vontade do Pai.
Mas a razão fundamental, primeira e última, é de que aqui o autor está falando para discípulos de Jesus. Ora discípulo é aquele que vai atrás de uma pessoa movido pelo vigor da graça do encontro, do amor. E amar é sofrer. É sofrer porque sente que por mais que se doe ou sirva à pessoa amada, sempre ficará aquém, será sempre um devedor. Por isso, o mesmo autor diz que Jesus nos dias de sua vida na carne … mesmo sendo Filho de Deus, aprendeu a obedecer por meio daquilo que sofreu (Hb 5,7-8). Aliás, como não haveria de sofrer por Aquele que o chamara de filho muito querido (Mt 3,17)? É o mesmo sentimento que encontramos, depois, em São Francisco quando perguntado porque estava chorando respondeu: “Choro a Paixão do meu Senhor, e por isso não deveria envergonhar-me de andar pelo mundo inteiro chorando em alta voz (LT 14,6).
Ser discípulo de Jesus significa lutar contra seu único inimigo, diz Francisco, que é seu corpo pelo qual peca (Cf. Ad 10). Por isso, castigá-lo, puni-lo, além de ser um meio de comungar dos sentimentos e sofrimentos do seu Senhor, será sempre, também e por isso, caminho de bênção e de perfeição.
- A salvação final como graça da admissão ao banquete do Reino de Deus [Lc 13,22-30]
O evangelho deste domingo começa asseverando que Jesus atravessava cidades e povoados, ensinando e prosseguindo o caminho para Jerusalém (Lc 13,22). Sua caminhada, mais que a de um devoto judeu que vai à cidade santa cumprir suas obrigações religiosas, é a de um discípulo do Pai em cujo coração arde a paixão de anunciar seu Reino de amor, de perdão e de misericórdia em favor dos pobres, doentes, prostitutas e pecadores e de realizá-lo cumprindo sua vontade até a morte e morte de Cruz.
- Uma pergunta polêmica e uma resposta rigorosa
É então que entra em cena alguém com uma pergunta muito comum, embora indevida: Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam?
A pergunta vem fortemente marcada pela polêmica da rejeição dos judeus e da admissão dos gentios na Igreja. Lucas aproveita a ocasião para catequizar os discípulos acerca de um dos temas ou mensagens fundamentais de Jesus: a salvação. A pergunta, porém, embora muito comum entre os fariseus daquele tempo e, muitas vezes também entre nós, é indevida, imprópria, nada adequada. Sua missão não era satisfazer a curiosidade das pessoas acerca deste assunto – o número dos que se salvam – mas, convocá-las ao seguimento do Pai. Por isso, sua resposta não podia ser mais certeira: Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita … (Lc 13,24). Eis a única coisa que verdadeiramente importa a um discípulo. Tudo o mais é inútil e vão.
Um judeu fiel certamente teria respondido que só se salvariam os verdadeiros judeus, observantes da lei e que se condenariam os falsos judeus, transgressores da lei e das tradições e os pagãos. Mas, talvez e provavelmente, também hoje, nós, diríamos algo semelhante: se salvarão os cristãos ou católicos praticantes e se condenarão os cristãos e católicos relapsos justamente com todos os que estão fora da Igreja.
Por isso, é necessário que voltemos ao evangelho. Para um seguidor de Jesus o que importa não são dados estatísticos acerca do número de pessoas que se salvam, mas firmar-se cada vez mais no seu seguimento através do caminho da renúncia a todos os outros caminhos. Ora, este é, hoje, certamente, um dos desafios mais frequente e comum para nós cristãos. Vivemos, hoje em meio à uma sociedade, a uma cultura “permissivista”, “amoral” segundo a qual tudo é permitido, podendo cada um seguir os ditames de sua própria consciência. Os falsos ídolos – o consumismo que coloca em primeiro lugar as coisas em detrimento das pessoas, a produção, o lucro a qualquer preço, o sexismo, etc. – nos acossam em toda a parte e em todos os momentos. Por isso, o cristão precisa mais do que em outros tempos colocar o fundamento de sua fé Naquele que proclamou: Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará, e sairá, e achará pastagem” (João 10,9).
- A salvação como vigor da graça do banquete do amor, do encontro
Depois da resposta, Jesus faz um alerta muito sério e grave: muitos tentarão entrar e não conseguirão. E não adianta argumentar ao dono da casa, que fechou a porta, dizendo-lhe: Nós bebemos e comemos diante de ti e tu ensinaste em nossas praças. Ele, porém responderá: “Não sei de onde sois. Afastai-vos de mim todos vós que praticais a injustiça” (Lc 13,26-27).
É muito evidente que Jesus está se referindo em primeiro lugar aos próprios judeus que, embora ouvindo suas palavras, comendo junto à mesma mesa, todavia não se converteram, não aceitaram a mensagem Dele, principalmente referente à justiça divina.
Paradoxalmente, a justiça divina é uma “não-justiça”, porque contraria toda e qualquer justiça humana cujo princípio é dar a cada um o que lhe compete ou o que merece. Mas, se Deus agisse assim conosco estaríamos todos dupla e irremediavelmente condenados e perdidos. Primeiramente porque tudo o que temos ou somos, como a própria vida, nos é dado de graça e ininterruptamente. Em segundo lugar porque nos tornamos mais destruidores e poluidores da criação do que seus pastores e cuidadores. O que será, então, a justiça divina senão a medida justa, adequada, que nasce do coração infinitamente misericordioso e magnânimo do próprio Deus e não do homem? Medida essa que rege o novo Céu e a nova Terra e cuja inauguração se deu com a entrada do próprio Filho de Deus no coração do homem e do mundo; medida que culmina com todo o seu brilho e glória na grande, boa e transbordante medida sem medidas da Cruz (Cf. Lc 6,38; Fl 2,6-11).
Salvação, então, tema central deste evangelho, se constitui essencialmente em dispor-se a acolher, comungar do banquete da misericórdia de Deus. Uma misericórdia que vindo ao nosso encontro, chamando-nos pelo nosso próprio nome, nos tira da solidão. Não estamos mais sozinhos. A morte da solidão foi vencida pela graça e pela alegria do chamado. Tudo então vira festa, banquete. Por isso, o reino de Deus é simbolizado por um banquete, um lugar de encontro e de comunhão. Banquete que não é comprado, mas oferecido e dado. Mas, que precisa ser recebido.
Vem, então a conclusão final deste discurso: Virão homens do oriente… (Lc 13,29-30). A partir da nova justiça divina – Jesus Cristo crucificado – todos os homens estão diante de Deus como irmãos de Jesus Cristo e, portanto, como filhos do mesmo Pai. Israel, infelizmente perdera o significado de sua dignidade de Povo de Deus que era o de proclamar a todos os homens que não era o princípio da mesma origem natural que fundamenta a unidade e igualdade entre os homens, nem a pertença a uma raça ou religião, mas o encontro com o mesmo Senhor e Pai.
Conclusão
O 21º Domingo do Tempo comum nos leva, primeiramente, à festiva celebração da universalidade do banquete do Reino, do amor de Deus.
Quando, a exemplo de São Francisco, trocamos nosso olhar pelo olhar do Evangelho, nos damos conta do brilho, do reflexo de Deus Pai em todas as pessoas, povos, raças e nações. Isto gera a convicção de que nós e todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde (LS 89).
Em segundo lugar, o olhar do evangelho nos leva a tomar consciência de que a graça do seguimento de Cristo e nossa salvação nada tem de mágico ou barato. É, antes, graça cara. Tão cara que custou a morte de um Deus feito homem. Jesus é o primeiro convidado que entrou para o banquete do Reino do Pai passando pela porta estreita da Cruz. Uma graça oferecida a todos, sem nenhuma distinção ou discriminação. Oferecida, mas não imposta ou exigida. Daí a exortação de São Francisco aos seus frades: “Confortai-vos no Senhor e no poder de sua virtude e vos será fácil tudo o que for difícil. Deponde a carga da vontade própria, jogai fora o peso dos pecados e cingi-vos como homens fortes. Esquecidos das coisas que ficaram para trás, tendei para aquelas que estão à vossa frente. Digo-vos que todo lugar que vosso pé calcar, será vosso. Pois, há um espírito diante da vossa face, o Cristo Senhor. Ele vos atrai até o cume do monte em vínculos de caridade” (SC 3,6-9).
Fraternalmente,
Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini