12º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C 2019

12º DOMINGO DO TEMPO COMUM – Ano C

Pistas homiléticas

23/06/2019

Liturgia da Palavra:­ Zc 12,10-11;13,1;  Sl 62; Gl 3,26-29; Lc 9,18-24

Tema ou mensagem: Tu és o Cristo de Deus

Sentimento: Júbilo pela graça do encontro com o Filho de Deus vivo e pelo seu seguimento.

(Mosaico na Basílica de São Clemente, em Roma. Rico em símbolos, com destaque as pombas (paz, simplicidade, ternura e amor) e o cervo, sedento de água viva, aos pés da Cruz. No centro, Cristo crucificado, a partir e ao redor do qual todos e tudo, que antes parecia morto, renasce). 

Introdução

O vigor, o júbilo e a beleza da gratuidade do encontro, se realmente for encontro, sempre marcam, movem, comovem, apaixonam, unem, transformam. Muito mais quando o encontro é com o mistério de nossa vida: Cristo, o Filho de Deus vivo, como aconteceu outrora com Pedro e acontece hoje, conosco, neste 12º Domingo do Tempo Comum.

  1. Jesus Cristo crucificado (traspassado) na visão profética de Zacarias (Zc 12,10-11;13,1)

O grande e definitivo encontro do Deus vivo e verdadeiro conosco, veio sendo preparado e profetizado de longe e aos poucos. A primeira leitura de hoje, tirada da profecia de Zacarias, tem como centro a figura de um misterioso personagem, condenado, desprezado, “ferido de morte”, “traspassado”. O mesmo profeta, porém, faz questão de acentuar que, graças ao derramamento “de um espírito de graça e de oração, aqueles que o feriram hão de chorá-lo, como se chora a perda de um filho único, e hão de sentir por ele a dor que se sente pela morte de um primogênito”.

 O derramamento do Espírito é uma constante na Sagrada Escritura, é o modo misericordioso de Deus tratar e cuidar suas criaturas, seus filhos. O profeta Zacarias, por exemplo, vê sendo infundido nos corações dos habitantes de Jerusalém “um espírito de boa vontade e de oração”. Trata-se de uma profecia do grande derramamento do Espírito de Deus proporcionado pelo sacrifício de Cristo na Cruz diante do qual os corações endurecidos e de pedra converteram-se em corações de carne, de desconfiança em fé, de fechamento para com Deus em abertura e docilidade. Enfim, nesta visão, todas estas pessoas, principalmente os apóstolos e o próprio Paulo, uma vez recebida a infusão do Espírito, passaram a olhar, ver, sentir e tratar com outros olhos o Traspassado.

Além do mais, nesta profecia, Zacarias compara o luto de Jerusalém pelo Traspassado com o luto de Hadad-Rimon, uma divindade fenícia, deus da vegetação, que morria no fim das colheitas e renascia com o voltar das chuvas. É que o luto a que se refere o profeta Zacarias é um luto sacro. Afinal, o Traspassado não é outro senão o bem-amado do Senhor Deus (Yahweh – Adonai) vivo e verdadeiro. Por isso, aquilo que sobreveio ao Traspassado, o Senhor Deus considera como feito a si mesmo (ele usa a expressão “a mim” no oráculo).

 Por isso e finalmente, o misterioso Traspassado, tido como sinal de desgraça, vai constituir-se em “fonte acessível à Casa de Davi e aos habitantes de Jerusalém”; uma fonte que tanto lava os homens de seus pecados, quanto os cura de suas enfermidades, abrindo-lhes o coração para o encontro com Deus, com os irmãos e as criaturas. Em toda a história da salvação Deus está sempre vindo ao encontro dos homens sedentos de salvação, oferecendo-se como fonte de água viva como é decantado no salmo de hoje: 

Senhor, sois o meu Deus: desde a aurora Vos procuro.

A minha alma tem sede de Vós.

Por Vós suspiro,

Como terra árida, sequiosa, sem água.

  1. Jesus o nazareno, o mistério escondido de Deus (Lc 9,18-24)

A fonte que realmente vivifica e salva o homem, e o próprio Filho do Homem, chama-se “Pai do Céu”. Por isso, a perícope do evangelho de hoje começa dizendo que “Jesus estava rezando num lugar retirado”.

  • Tu és o Cristo de Deus

Lucas gosta de mostrar que Jesus, além de um fervoroso buscador das ovelhas perdidas, era também e igualmente um assíduo e apaixonado buscador do Pai através do recolhimento na oração e contemplação. Esta busca revela, por um lado, o quanto Jesus estimava e necessitava estar no convívio, na intimidade do Pai, mas, também, por outro lado, o quanto ele, como todo humano, sentia na própria carne a fragilidade humana e, consequentemente, a necessidade do socorro, da ajuda do Pai.

A seguir, vem as duas perguntas de Jesus aos Doze: “Quem sou eu, no dizer das multidões?” e: “E vós, quem dizeis que eu sou?”  Com estas perguntas Cristo visava separar os Doze da opinião corrente, vulgar, comum sobre Ele mesmo; que era necessário infundir-lhes um seguimento assentado no espírito da fé, conduzindo-os ao verdadeiro conhecimento d’Ele. Era necessário que a confissão de fé deles não fosse apoiada numa opinião do vulgo, da publicidade, mas sim na experiência e no conhecimento da verdade de sua Pessoa, isto é, de quem de fato Ele era; verdade que só se revelaria plenamente na consumação de sua vida, isto é, na sua morte de Cruz.

Ora, acontece que não apenas as multidões, mas também os Doze, ainda não estavam preparados para o sinal de contradição que iriam enfrentar: a Crucificação.  As palavras seguintes que Jesus diz aos seus Apóstolos querem prepara-los para acolher, na obediência da fé e no vigor da caridade, este mistério do Messias rejeitado, morto com a morte de cruz, abandonado, traspassado. Por isso, Jesus começa a revelar-lhes o mistério mais profundo de sua identidade – sua verdade: que o Filho do Homem devia sofrer, ser rejeitado e crucificado. Mas, também, que a morte, a cruz em vez de uma desgraça seria o princípio de uma nova vida: a ressurreição no terceiro dia.

São Cirilo fala do embaraço dos discípulos: hoje viam o humano orar, este mesmo, que, de modo tão divino, ontem realizava prodígios. Este contraste do divino e humano em Jesus podia não ser suportado por eles. Por isso, Cristo mesmo resolve lhes falar da Cruz.

  • Se alguém quiser me seguir

Depois de falar aos Doze Jesus se dirige a “todos”, isto é, a todos os que se tornaram próximos a Ele e que postulavam se tornar seus discípulos. Notemos, porém que Ele não impõe o discipulado, o seguimento. Antes, o propõe como um apelo à liberdade. Cristo atrai, cativa não arrasta. Por isso, hoje, diz também nosso Papa Francisco: “A Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração”.  Cristo, tem a nobreza e a paciência de esperar de nós uma resposta de amor. O poder de segui-lo é, antes, uma moção do espírito, graça do vigor do encontro de amor entre Ele e nós. Isso implica, da nossa parte, acima de tudo, como dizia São Francisco, “estarmos sempre atentos ao Espírito do Senhor e seu santo modo de operar”; implica empenhar-nos de todo o coração, alma e mente, para conformar nossa vida com a vida dele, de pensar como Ele pensa, sentir como Ele sente, de agir como Ele age, enfim de ser e viver como Ele é e vive. Exemplo admirável de verdadeiro seguidor de Jesus Cristo temos em São Francisco que, no fim da vida, parecia um “outro Cristo” ou um “Cristo redivivo” (Papa Pio XI). Todo cristão é chamado a ser, como São Francisco, outro Cristo, isto é, outro ungido de Deus, a ser um com Cristo, de modo que Cristo viva nele e ele possa se tornar também um Cristo redivivo. Este tornar-se o que se é do cristão, porém, tem seu caminho, suas condições.

2.3. Negue-se a si mesmo e tome a sua cruz

Para seguir o Senhor é preciso, primeiramente, “negar-se a si mesmo”. Esta negação, porém, não é meramente negativa, mas libertadora e criativa porque nasce da graça do encontro, do enamoramento. É a capacidade de ser um não para si mesmo (Harada) a fim de ser tudo para o outro.  Aqui, o dizer não a si mesmo é uma consequência do ter dito sim ao radical-Outro, ao Tu divino, a Cristo e, com Cristo, ao Pai, no Espírito Santo. Ao renunciar a si mesmo, o discípulo nega, crucifica a sua vontade própria, para, no desprendimento, tornar a sua vontade una com a vontade de Cristo, isto é, para aprender a querer o que e como Cristo quer. E, o querer de Cristo, que é o querer do Pai, é amor, e o amor é o Espírito Santo. Toda renúncia, em verdade, se constitui num grande anúncio. Quando Francisco, por exemplo, renuncia ao pai e a todos aos bens deste mundo está fazendo o grande anúncio do Pai do Céu e dos bens celestes, a Senhora Pobreza.

Finalmente, o seguimento de Cristo conduz o discípulo à Cruz: “tome a sua cruz, cada dia, e siga-me”. Mas, porque nosso Senhor dá tanta importância à cruz? Porque ela é nossa identidade. Nós somos cruz. Nascemos como cruz, isto é, como criaturas frágeis, finitas, limitadas, sempre sofridas, sedentas e desejosas do mais, do melhor, do novo, do mais perfeito, da vida. Daí a dor, o sofrimento, o peso, a cruz. Por isso, quando assumimos, amamos esta condição ou modo de ser – cruz – em nós ou nos outros, como, por exemplo, quando sofremos uma doença, um castigo merecido ou não merecido  ou quando damos de comer a quem tem fome, veste a quem está desnudo, visitamos enfermos e presos, ela, a cruz, se torna fonte de bênção, graça e perfeição. Tudo porque, simplesmente, estamos cultivando nossa identidade maior e mais profunda: a de sermos criaturas.  Só não o será para o acomodado, aquele que a rejeita ou nada busca, o satisfeito consigo mesmo, o alienado.

Mas, acima de tudo, para o discípulo de Cristo, Cruz é a tribulação e a tentação, o sofrimento e a rejeição que lhe virá do seguimento mesmo e por causa deste seguimento. A dor de ter de sacrificar seu querer, seu fazer, poder e saber para só querer, fazer, poder, saber e viver o que o Senhor quer, faz, pode, sabe e vive. Eis nossa cruz que devemos abraçar e assim seguir a Cristo como Ele abraçou a sua para seguir o Pai e sua vontade até a morte e morte de Cruz. Como, porém, o querer de Cristo e o querer do Pai é amor, sacrificar o próprio egoísmo, para viver o amor, acaba sendo uma grande alegria para o discípulo, pois o faz sair de si, ir além de si mesmo, expandir-se na gratuidade e graciosidade da vida. Não seria isso o que São Francisco chamou de Perfeita Alegria? (Cf. imagem no início destas Pistas).                             

Em verdade, a Cruz é o extraordinário no nosso ordinário. Ela há de ser tomada a “cada dia”. Assim, ela não está presente apenas em alguns momentos ou no fim da caminhada do discipulado; ela é a regra que vai orientar no dia a dia os passos do discípulo desde o início do encontro com o Senhor até a sua consumação. A cruz do chamado é uma espada que divide, separa e provoca rupturas entre o que é de Cristo e de seu Reino daquilo que é do mundo e de seu reino. Uma espada que leva à morte a velha criatura com seus vícios e pecados, para fazer viver na novidade, na jovialidade e na graciosidade da vida dos Filhos de Deus. Cruz é, pois, a luta cotidiana pela fidelidade na obediência da fé, fidelidade que é, em última instância, uma questão de amor, de manter-se em sintonia, em harmonia, com o Outro, para deixar ser a graça do encontro.

Assim, o discípulo experimenta a verdade do que diz Jesus: que só há salvação quando tivermos a humildade ou a coragem de, no amor, perder-nos para dentro Dele, ‘o Cristo, o Filho o Deus vivo´. A lógica é muito simples. Como a gota d´água que cai no mar, assim, todo menor que se entrega nos braços do maior, em vez de se perder se salva porque menor se torna o maior com o maior.

Carregar todos os dias a própria cruz, significa, enfim, cada um pôr sobre suas costas sua própria cruz e não a cruz de Cristo. Ele tem a sua, nós a nossa. Mas, Ele é o espírito, a luz, a medida e a regra para nós bem carregarmos a nossa. Isto é: com o mesmo amor e a mesma alegria.

  1. Ser cristão é revestir-se de Cristo (Gl 3,26-29)

Na segunda leitura de hoje, Paulo nos recorda que o cristão é um homem “revestido de Cristo”.  Nós costumamos entender o revestir-se como o cobrir-se. A veste, porém, que cobre nosso corpo, vem carregada de todo um rico e precioso significado existencial, bem como expressão da atividade espiritual e forma visível do homem interior. De fato, a roupa que se veste se constitui como que uma segunda pele, um segundo corpo, ou seja: prolongamento e expressão do nosso interior. Revestir-se de Cristo indica, portanto, empenho contínuo e diário de tomar a peito o trabalho para que Cristo se torne o íntimo do nosso íntimo, a alma de nossa alma, o corpo do nosso corpo, a vida da nossa vida. Só assim seremos cristãos de verdade, pois então falarão nossas obras e não nossas palavras (Cf. Sermão de Santo Antônio).

Conclusão

 “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!”. Isso foi dito por Pedro não a partir dele mas movido pelo Espírito. O entusiasmo desta revelação e deste encontro foi de tão grande repercussão que se constitui até hoje na origem da Igreja, da fé e da vida cristã de cada um de nós como diz nosso Papa: Na origem da vida cristã não está uma decisão ética, uma grande ideia, mas o encontro com a Pessoa de Jesus Cristo, o Filho do Deus vivo (Cf. EG 7).

Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e frei Dorvalino Fassini