Restaurar a Igreja

Frei Almir Guimarães

Passando perto de São Damião, o Senhor inspirou Francisco que visitasse aquela igreja e orasse. Entrando, pôs-se em fervorosa oração diante da imagem de um Crucifixo, o qual piedosa e benignamente lhe falou: “Francisco, não vês que a minha casa está em ruínas? Vai, pois, e restaura-a para mim”. Trêmulo e atônito, disse: “Com muito boa vontade o farei, Senhor”.
Três Companheiros, 13

1. Francisco de Assis, num momento de sua vida, compreendeu que o Senhor queria que ele fosse reconstrutor da Igreja. Primeiramente, ele pensou que deveria ser pedreiro e trabalhar pela recuperação das capelas de sua cidade. Mais tarde ele e nós compreendemos que os discípulos do Poverello, com seu jeito de viver e com a força do Evangelho, sem postura de autorreferencialidade, colocam-se como operários de uma Igreja conforme o coração de Deus. Que colaboração os irmãos e irmãs da Penitência podem dar no sentido de tornar cada vez mais belo o rosto da Esposa do Ressuscitado que é a Igreja? Sentimo-nos muito à vontade com o jeito de exercer seu ministério o Papa Francisco.

2. Inegavelmente, os franciscanos seculares são seguidores de Jesus vivo e ressuscitado. Querem e professam em sua vida de todos os dias seguir o Evangelho por meio de um compromisso que abarca toda sua vida. Fazem a profissão de seguir o Evangelho. “Antes de tudo, nós crentes devemos reavivar nossa adesão profunda à pessoa de Jesus Cristo. Só quando vivermos “seduzidos” por ele e trabalhados pela força regeneradora de sua pessoa, poderemos transmitir hoje seu espírito e sua visão de vida. Do contrário, proclamaremos com os lábios doutrinas sublimes, mas vamos continuar vivendo uma fé medíocre e pouco convincente’ (José Antonio Pagola).

3. Os franciscanos são pessoas que respeitam a vida, advogados da vida, porque a vida vem de Deus. Vida humana desde o feto, passando por todas as estações da existência. Respeito pelas crianças, pelos mais explorados da face da terra, pelas vítimas da sociedade da indiferença e da idolatria do mercado. Vida dos doentes, idosos, encarcerados. Respeito pela vida do que estão se despedindo da vida. Respeito pela vida da casa comum que é o planeta.

4. Por onde passam os franciscanos criam laços com as pessoas. Não são “diplomatas”, quer dizer, não estão a fim de agradar a todo mundo. Dizem a verdade com carinho e firmeza. São pessoas que constroem pontes. Tentam dirimir divergências. Fazem-se presentes nas associações de bairro e nos grupos de prédios. Constituem presença significativa. São gente e gente de verdade.

5. Vivem com a preocupação de que o Amor seja amado. Seu apostolado primeiro se faz pelo testemunho. Aceitam atividades evangelizadoras e pastorais nas paróquias e comunidades e as exercerão de maneira franciscana. Estão sempre dispostos a servir, se possível da maneira mais discreta possível.

6. Vivem um sadio dilaceramento entre o eremitério e o ir pelo mundo. Cultivam uma grande intimidade com o Senhor. Gostam dos salmos. Gostam da oração no quarto, a portas fechadas, oração que é apenas e nada mais do que abraço e acolhida do Senhor, do Amado, do Mistério. Andam querendo retiros espirituais em silêncio para refazerem o tecido espiritual esgarçado com tanta fuga da verdade.

7. No vestir, no falar, no morar, no comer, no conviver são pessoas descomplicadas. Descomplicado é o que é simples, que não tem dobras e partes menos visíveis. Não se fazem mais importantes do que são.

8. Vivem grande sensibilidade para com o fraterno: amam com amor de mãe. São capazes de quebrar o jejum da sexta-feira da paixão para comer uvas com um irmão desesperado de fome em sua enfermidade. Seu DNA é o fraternismo.

9. Exercitam-se na arte da desapropriação. Não são donos de si. Estão nas mãos de Deus.

10. Reescrevem, enquanto podem, a vida de Cristo Jesus, o Evangelho em sua vida pessoal, no seio de suas fraternidades e com sua presença no meio do mundo.

11. São corteses. Exercem um verdadeiro ministério da cortesia. Ajoelham-se cavalheirescamente diante de seu Senhor. Reverenciam as chagas do leproso. São corteses com todo o criado.

12. Não são “cultuadores” do poder. Gostam de refletir sobre o lava-pés. Em sua casa, no trabalho servem…

13. Os franciscanos aprenderam e continuam aprendendo a dialogar, conversar, valorizar, construir pontes. Não são intransigentes. Estão à vontade com os de dentro e os de fora. Fazem lugar em seus corações para pessoas que seguem outros credos.


Para refletir

Do fundamentalismo para o diálogo

O crescimento do fundamentalismo é mais um aspecto de nosso tempo. Em termos gerais, pretende garantir com clareza e segurança a identidade através da negação sistemática do outro, do diferente; tenta caminhos de justificação para romper os laços de uma humanidade comum; considera mais importante a pertença a uma ideologia do que pertença ao gênero humano, com necessidades e desejos comuns. Os defensores dessa ideologia baseiam-se na convicção de serem superiores: possuem a verdade e, a priori, consideram os outros no erro; não percebem a falta do diálogo. A tentação do fundamentalismo é uma ameaça para todos os grupos e para todos os campos: científico, religioso, político, econômico, artístico… Do fundamentalismo brota a intolerância, o autoritarismo, a coerção, o dogmatismo, o fanatismo, o sectarismo, o sexismo, o racismo, a xenofobia e todas as formas de negação ou de dominação sobre o outro: no fundo constitui a antítese da fraternidade universal, um caminho seguro para alimentar o ódio e a vingança.

“O Senhor te dê a paz”, Documento do Capítulo Geral da Ordem dos Frades Menores, Assis, Pentecostes de 2003, n. 14