Sede de uma nova humanidade.

Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp

A sede representa o nosso desejo de saciar-nos em algo maior do que nós. Trata-se do sublime que nos eleva em união com o Transcendente. Todos nós, por mais obscuros que sejamos, somos necessitados de beber nesta fonte que nos plenifica. Viver a procura de água cristalina capaz de matar a nossa sede é, antes de tudo, um percurso de humanização de nós mesmos.

A literatura sapiencial fala de inquietude e de repouso em Deus: “Como uma corça suspira pelas correntes das águas, assim a minha alma suspira por ti, ó Deus” (Sl 42). A alma tem sede de Deus e deseja o Deus vivo. Por sua vez, o Redentor, agonizante na cruz, exprime a sua inestancável sede de Justiça e de Paz: “tenho sede” (Jo 19,28). A sede nos move porque é a também a nossa energia erótica que nos aproxima mais do próximo e de Deus, inexaurível fonte de amor.

No entanto, para ser saudável a sede precisa ser educada. Isto é necessário, uma vez que existem sedes que nascem do espírito selvagem que não nos humanizam. Basta pensar na sede pelos grandes cargos, a sede pelo poder que nos faz ficar noites acordados pensando em estratégias de controle e domínio. Contudo, uma das sedes mais nocivas do nosso tempo é aquela de querer ser sempre como o outro e não aceitar-se. Essa sede é movida sobre a inveja. Cresce cada vez que nos enganamos, por exemplo, quando pensamos que as postagens virtuais dos outros representam a vida real. Essa sede é diabólica e nos faz esquecer do lado concreto da vida. Os que se fazem ver nas plataformas virtuais são seres humanos que carregam dramas existenciais, como qualquer um outro ser humano.

Em nível político, o tipo de sede que sentimos plasma a nação que queremos. Se um político tem sede de justiça e verdade, fará o possível para promover a boa política, a qual tem como primeira prioridade o cuidado para com os mais vulneráveis. Por vunerável aqui entendemos o que o profeta Isaías em 42,3 diz: “Não quebrará o caniço rachado, e não apagará o pavio fumegante”. Aqui não entra a lógica da maioria. Um exemplo: as grandes empresas, com o discurso de progresso, podem destruir uma reserva indígena inteira, com o argumento de geração de mão de obra. A maioria acredita que isso é bom, porque muitas pessoas terão direito ao primeiro emprego. Calamidade! Uma cultura milenar será destruída, ou seja, deixa de existir um grupo de povos nativos que cultiva uma relação de harmonia com a natureza, para ceder lugar as intenções manipuladoras daqueles que têm sede selvagem de destruição. A questão se torna mais grave quando esse tipo de sede é justificada em nome de Deus.

O que fazer para educar a nossa sede por uma nova humanidade? Eu proponho algumas pistas.

Aproximar-se do outro sem preconceito: em nosso país, infelizmente, as relações estão etiquetadas: os de “esquerda” não mantêm o diálogo com os de “direita” e vive-versa. Esse muro nos separa e nutre a sede de ódio e vingança. Em nível cristão, se fala de conservadores e progressistas. Essa sede gera a manipulção do Evangelho. Para nos libertar vale a proposta do apóstolo Paulo: “Não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3,28).

Promover a hospitalidade: essa ação é fundamental para nutrir a nossa sede de cultura. Quando uma convivência é permeada de pessoas que pertencem a outros países e regiões, os absolutismos e extremismos são corrigidos. O clássico encontro de Jesus com a samaritana é a prova disso. A sede de Jesus manifesta primeiramente sua vontade de salvar a todos. Ele chega primeiro do que a samaritana ao poço de Sicar, ou seja, ele frequenta o lugar das diferenças. Para tanto, Jesus aceita ser um viajante, como os outros. Não aceita a política de castas, é um homem normal. Tal atitude são as colunas de sustenção do diálogo que gera a hospitalidade.

Priorizar as relações ofline: vários estudos dizem que passamos maior parte do nosso tempo em conversas virtuais e diante de telas. Pouca atenção rendemos aos que estão em torno de nós. Sem dúvida sabemos que o espaço virtual possui inúmeros benefícios, porém a história está nos dizendo que parece que não estamos aprendendo a desfrutar dos mesmos. E como tudo nutre a nossa sede, o mundo virtual pode ser uma armadilha para a nossa autodestruição, ou seja, estando sempre conectados aos momentos da vida dos outros, corremos o risco de não nos amarmos a nós mesmos, esquecendo que a nossa dignidade não pode ser comparada com nada do outro. Em outras palavras, a sede pelas relações ofline corrige nossa baixa autoestima, fazendo-nos mais sensíveis a vida real.

Um novo tempo de pessoas maduras e saudáveis depende só do tipo de sede que possuímos. Isso porque as nossas ações, boas ou más, são exatamente para saciar o tipo de sede que cultivamos. Vamos frequentar poços saudáveis que nutram a nossa boa sede e nos façam acreditar na novidade que o outro pode nos trazer. E só isso nos ajudará a dar à luz a uma nova humanidade.


Pe. Ademir Guedes Azevedo é missionário passionista e mestrando em teologia fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana.