1° DOMINGO DO ADVENTO- Ano C
02/12/2018
Pistas homilético-franciscanas
Liturgia da Palavra: Jr 33,14-16; Sl 24(25) 4-5; 8-10; 14 (R/:25, 1b); 1Ts 3, 12 – 4,2; Lc 21, 25-28
Tema-mensagem: Na vigilância, prontidão e oração aguardemos a nova Vinda do Senhor que está próximo
Sentimento: vigilância e prontidão
Introdução
O tempo, enquanto corre para frente, em busca de um futuro cada vez mais promissor e de um bem estar cada vez mais universal, se volta também e sempre, de novo, para trás em busca de suas raízes pois sem essas corre e constrói em vão. Neste domingo, começamos a olhar e a celebrar, de novo, como em todos os anos, a primeira Vinda de Jesus: tempo de preparação para o seu Santo Natal. Mas, é, igualmente, o tempo, também, de olharmos e celebrarmos o presente a fim de reavivar em nós a esperança da segunda Vinda de Cristo no fim dos tempos.
- O anúncio do dia do Senhor
A primeira leitura da missa de hoje, tirada do profeta Jeremias, vem toda ela tomada por uma grande e profunda expectativa pelo misterioso “dia do Senhor”. O profeta é sempre um homem de fé à serviço da fidelidade de Deus às suas promessas. Por isso, para aqueles que, mergulhados nas trevas do exilo babilônico, abandonados por seus pastores, começavam a perder toda a esperança; para aqueles que não tinham mais nada a perder, Jeremias (ou um de seus discípulos), dirige este auspicioso oráculo: “Eis que dias virão em que o Senhor fará cumprir a sua promessa de bens futuros para a casa de Israel, para a casa de Judá”. O oráculo não era novo. Já havia sido anunciado por Jeremias já bem antes para ambos os reinos – o de Israel e o de Judá (Cf. Jr 23,5-8).
“Naqueles dias”, não naqueles dias que pensam e tramam os homens, com seus projetos vãos e tomados de maldades, injustiças, violências e opressões, mas aqueles que estão no desígnio e no coração misericordioso de Deus – nos dias em que Jahvé fará brotar para “Davi um rebento justo” (Jr 23,5), “que fará brotar de Davi a semente da justiça, que fará valer a lei e a justiça na terra” (Jr 33,15); enfim, dias da graça, da benignidade de Deus, dias em que o Messias vai marcar sua presença com sua aparição misericordiosa.
O Deus da fé e do anúncio dos profetas é um Deus vindouro. Nossa existência humana histórica acontece a partir do porvir (futuro). O que vem do futuro torna-se presente e, enfim, passado. O futuro não é o prolongamento do presente. O futuro é o radicalmente novo e outro. Por isso podemos ler na profecia de Jeremias: “eis que outros dias virão”. Não serão apenas novos dias, que se tornarão presentes e que esvanecerão. Serão outros dias. Serão dias de outra história, de outra ventura. Esses dias receberão o seu vigor do Rebento de Davi – o Ungido (Cristo), que portará “o direito e a justiça”. Seu Reino será a vigência e a regência da salvação.
Salvar é trazer para a paz. Salvo é o que está em paz: o que está preservado do dano e da ameaça, o que está resguardado. O Rei libertador preanunciado por Jeremias é aquele que põe a salvo aqueles que participam do seu Reino: os resguarda na Paz. Resguardar, porém, não é apenas algo negativo, isto é, preservar do que ameaça. Resguardar é também, positivamente, entregar o que é resguardado ao vigor de seu ser, de sua essência, restituir ao abrigo do ser. Estar recolhido no abrigo do ser, do essencial, isto é a Paz. Isto é a segurança (securitas), o viver “sine cura”, sem aflição. A Paz é a unidade deste recolhimento. A cidade de Jerusalém, que se mantém em unidade em torno do seu Rei de Justiça, encontra n’Ele a Paz. Para os cristãos, este Rei de Justiça e Paz é o Cristo Jesus. Ser cristão é deixar que os dias da própria existência histórica sejam marcados pelo reinado de Cristo, que é o reinado de Justiça e Paz.
No mesmo sentido da profecia de Jeremias, Isaías, personagem importante na liturgia deste advento, nos falará da “rama” que brota da “cepa de Jessé” (Is 11, 1-2), “fruto da terra” e de “Germe” (Is 4, 2), nos remetendo, assim para o mistério da encarnação, em que o Filho de Deus germina da terra, isto é, de nossa humanidade, inaugurando no coração do humano de todos os homens, o reinado da justiça que se consumará, por sua vez, na “Parousía”, isto é, no seu segundo e consumado Advento.
A pergunta, porém, que se nos impõe neste domingo e neste advento, frente à promessa da consumação do reinado de Deus na encarnação e na “Parousía” definitiva de Cristo é: como devemos, enquanto cristãos, viver o tempo de nossa vida, a partir do nosso relacionamento com Nosso Senhor Jesus Cristo? Que atitudes nós devemos cultivar neste relacionamento? Podemos responder: a esperança! Mas, uma esperança operativa, que gera conversão para o Senhor e um novo fervor para segui-lo mais de perto. Sobre isso nos falará mais adiante e mais explicitamente o evangelho de hoje.
- Crescer sempre mais no amor mútuo
A segunda leitura de hoje, tirada da primeira carta de São Paulo aos Tessalonicenses, tem como pano de fundo o desejo de Paulo acerca da preparação dos tessalonicenses para a segunda vinda de Jesus: “Pois, quem, senão vós, será a nossa esperança, a nossa alegria e a nossa coroa de glória perante Nosso Senhor Jesus Cristo no dia de sua vinda?” (1Ts 2,19).
- A esperança cristã se consuma no amor
E qual será a melhor preparação senão “que o amor entre vós aumente e transborde sempre mais, a exemplo do amor que temos por vós?” (1 Ts 3, 12) A esperança cristã se consuma no amor, cerne do Sermão da Montanha e resumo da essência, do sentido, da vocação e missão do viver cristão (Mt 5-7) e que São Francisco chamava de “a esperança da salvação, a medula do evangelho, o caminho da perfeição…” (2C 208).
A fé, o amor tem como lei intrínseca de sua própria natureza o crescimento, o fortalecimento, a perfeição, a consumação. Se não seguir esta lei ela tende a esfriar e a morrer. Por isso exortava Santa Clara a sua Irmã Inês para que jamais esquecesse o princípio, o primeiro amor de sua vocação: a paixão de Crisso crucificado. O mesmo já o proclamara São João à Igreja de Éfeso: “Há uma coisa que reprovo :’Abandonaste teu primeiro amor’. Lembra-te de onde caíste. Converte-te e volta à tua prática original” (Ap 2,4-5).
- Que o Senhor confirme em nossos corações sua santidade
Uma outra leitura do texto de Paulo pode ser feita assim: “Que o Senhor faça abundar e superabundar para vós a caridade uns para com os outros e para com todos…”. Neste caso, é o Senhor (ho kyrios) que faz crescer, multiplicar, aumentar (pleonásai) a caridade e, para além disso, a faz superabundar, ultrapassar toda medida (perisseúein). Este “ultrapassar toda a medida”, superabundar, superfluir, aparece no Sermão da Montanha, onde Jesus convida os seus discípulos a não se medirem segundo a medida da justiça dos fariseus e exorta-os a terem uma medida superabundante de amor, assim como é o amor do Pai. Para o cristão, o tempo, o suceder dos dias, existe para que nele, na sua fraqueza, atue a força, o vigor da graça. O tempo não é outra coisa do que a chance, a oportunidade, de, a cada dia, dia após dia, deixar que o Senhor faça crescer nele o amor para com os irmãos no discipulado de Cristo e para com todos os homens, enfim, para com todos os seres.
Assim, segundo Paulo, uma sadia espiritualidade acerca da escatologia exige que façamos progressos sempre maiores no amor aos irmãos. Só assim o Senhor confirmará nossos corações numa santidade sem defeitos aos olhos de Deus. De fato, nada há de mais eficaz do que a fé, a esperança e o amor para o fortalecimento do coração do homem em face de Deus Pai e para a preparação do Advento glorioso de Cristo. Por isso, diz: “Que assim, o Senhor confirme os vossos corações numa santidade sem defeito aos olhos de Deus, nosso Pai, no dia da vinda de Nossos Senhor Jesus com todos os seus santos”.
É o que pede e implora o salmista no salmo de hoje (Sl 24/25): “faze-me conhecer os teus caminhos, Senhor; ensina-me tuas veredas. Faze-me caminhar para a tua verdade e ensina-me, és o Deus que me salva. Eu te espero o dia inteiro” (v. 4-5). Se confiarmo-nos ao Senhor ele também se confiará a nós: “O Senhor se confia àqueles que o temem, dando-lhes a conhecer a sua aliança” (v. 14).
Assim, o caminho, a via escatológica, a busca do “fim”, da consumação do sentido de nossa vida se dá sempre na premência, na aflição, na angústia que leva o fiel à súplica, como faz São Francisco neste salmo (13) do seu Ofício da Paixão que rezava no Tempo do Advento:
“Até quando, enfim, Senhor, te esquecerás de mim? * Até quando desviarás de mim a tua face?
Por quanto tempo se me impõem tramas na minha alma * dor por todo o dia no meu coração?
Até quando o meu inimigo se exaltará sobre mim? * Ilumina meus olhos para que jamais adormeça na morte * para que nunca diga o inimigo: Prevaleci sobre ele.
Os que me atribulam, exultarão se for abalado g * eu, porém, esperei na tua misericórdia.
Exultará meu coração na tua salvação; * cantarei ao Senhor que me cumulou de bens * cantarei salmos ao nome do Senhor altíssimo”.
- Levantai-vos e erguei a cabeça porque o Senhor está próximo
Quem, todavia, na liturgia de hoje, nos fala mais explicitamente acerca do mistério do fim, da consumação da história e da humanidade que se dará com a Vinda definitiva de Jesus, é o evangelho tirado de Lucas. Para isso, o texto trata primeiramente dos sinais que antecedem ou acompanham esse evento e depois da conduta ou atitudes que devemos cultivar diante deste mistério.
- Os sinais
Quem faz o anúncio dos sinais da proximidade desse advento é o próprio Jesus. Primeiramente fala dos sinais da natureza: “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas… Na terra, as nações ficarão angustiadas… os homens vão desmaiar…“ Em seguida, conclui com o grande sinal que encerra, engloba e consuma todos os demais: “Então, eles verão o Filho do Homem, vindo numa nuvem com grande poder e glória”.
Realidades que estão para além da esfera humana, como no caso tudo o que se refere a Deus, não podem ser compreendidas diretamente, “olho no olho” como se costuma dizer. Não porque elas não possam se comunicar conosco, mas porque nós, devido à fragilidade de nossa condição terrena, não somos capazes de compreendê-las devido à grandeza e à profundidade de sua natureza.
Por isso, toda a Sagrada Escritura não passa de um livro repleto de sinais de “um Deus quer Se dar a conhecer no diálogo que deseja ter conosco” (VD 6); um Deus invisível que quer falar aos homens como a amigos e conviver com eles, para os convidar e admitir à comunhão com Ele (Cf. VD 2). É dentro deste insight que cada um e todos devemos olhar, admirar e contemplar não apenas a Sagrada Escritura, mas também toda a criação, a história da humanidade e, consequentemente os sinais elencados por Jesus no evangelho de hoje.
Jesus fala em sinais que acontecerão no futuro, mas que na verdade sempre existiram. Sinais no sol e na lua como os eclipses, nas estrelas como as estrelas cadentes, o barulho do mar como nos maremotos, os tsunamis. Os sinais do discurso apocalíptico, em todo o caso, falam do que é mais decisivo: que o que mais brilha e se impõe com seu vigor “neste mundo” se eclipsa e se desvanece frente ao que mais brilha e vigora e reina no “mundo vindouro”. Na apocalíptica cristã, evangélica, isto que mais brilha e vigora e reina no “mundo vindouro” é Cristo. Ele é o luzeiro e o rei do Novo Céu e da Nova Terra. Frente a ele, mesmo as potências celestes, isto é, os anjos (tronos, dominações, potestades…) ficarão pasmados.
O que importa, portanto, para nós é que “Então verão o Filho do Homem, vindo numa nuvem com grande poder e glória”. Ou seja, no meio de tudo isso, o cristão deve aprender a ver a Boa Nova: o aparecimento do Filho do Homem, cheio de glória e poder, como coroamento, fim, consumação de todos os homens, de toda a criação e de toda a história.
- Levantai-vos, erguei a cabeça, vigiai e orai
A segunda parte do evangelho de hoje chama a atenção para a vigilância em relação ao próprio coração: “ficai de sobreaviso para que os vossos corações não fiquem pesados pela embriaguez, pelas orgias e pelas preocupações da vida e que esse dia não caia sobre vós de modo imprevisto como uma armadilha” (Lc 21, 34). Justamente por manter-se sóbrio e vigilante na espera da vinda inesperada de Cristo é que o cristão não vive o seu tempo apoiado em expectativas sobre as coisas penúltimas e sobre as suas seguranças, esquecido das coisas últimas e definitivas. Pelo contrário, ele vive desprendido destas expectativas, ancorado apenas naquilo que dá o sentido definitivo de sua vida: o encontro com Cristo.
O cristão não vive a temporalidade em vista apenas do imediato dia a dia. Tudo o que ele faz ou deixa de fazer, tudo o que ele sofre, tem seu sentido no futuro mais distante: na ressurreição, no Novo Céu e na Nova Terra. Ele é um homem que age para preparar, no presente, uma correspondência para com este futuro. É a partir do Porvir de Cristo que ele vive a temporalidade de seu cotidiano. O estar acordado, desperto, atento ao modo como, na temporalidade do dia a dia, feita de coisas penúltimas, transientes e transitórias, pode-se se dispor para harmonizar-se com o último, o definitivo, o encontro com Cristo, é o que se chama de vigilância evangélica.
À vigilância há que se acrescentar a oração incessante. É preciso que vigiemos e que rezemos a todo o momento, nos assinala o evangelho de hoje (Lc 21, 36). Quem vive assim, na fé e na esperança em Cristo, não deve temer os apertos, as precisões, as tribulações, nem os abalos e as perplexidades da história, nem mesmo os mais extremos (Lc 21, 25-26). Pois, quem assim vive, ficará de pé “diante do Filho do Homem” no momento do juízo definitivo sobre a história e as vidas de todos os homens (cfr. Lc 21, 36).
Jesus de Nazaré, que nasceu da Virgem Maria, que morreu na cruz por todos os homens, ressuscitou e retornou para junto do Pai e que prometeu voltar no fim dos tempos é pois o sentido de toda a história, de toda a humanidade e de toda a criação. Isto significa que só podemos nos compreender a nós mesmos no acolhimento Dele na docilidade de seus sinais. É à luz Dele, dos sinais de toda a sua revelação que se esclarece definitivamente o segredo, o enigma da existência humana.
Conclusão
Depois de alguns séculos de esquecimento, hoje, a consciência acerca do papel e da importância da escatologia na reconstrução da Igreja, do mundo e da humanidade está se tornando cada vez mais clara viva e atuante. Um dos mais importantes documentos do Vaticano II começa proclamando solenemente que “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração… Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história” (GS 1).
Portanto, se o noivo está próximo – está para chegar – mais intensos devem se tornar os preparativos da festa do casamento. Em primeiro lugar, evidentemente, deve vir a renovação do ardor, do desejo, da paixão da noiva pelo noivo (“óleo na vasilha!” “lâmpadas acesas!”). Por isso Jesus insiste, no evangelho de hoje: “orai!”.
Mas, também os preparativos do ambiente, da casa comum precisam ser intensificados, principalmente a busca da restauração ou renovação dos laços “familiares” com todos os homens e todas as criaturas, através do perdão, da reconciliação e do amor fraterno; laços que incluem a derrubada de cercas que impedem a aproximação e a comunhão entre todos os membros da “Casa Comum”, como, por exemplo, todo tipo de violência, de injustiça e opressão.
Falando desta realidade diz nosso Papa: “Muitas coisas devem reajustar o próprio rumo, mas antes de tudo é a humanidade que precisa de mudar. Falta a consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos. Esta consciência basilar permitiria o desenvolvimento de novas convicções, atitudes e estilos de vida. Surge, assim, um grande desafio cultural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração” (LS 202).
E, mais adiante, continua o mesmo Papa: “A situação atual do mundo « gera um sentido de precariedade e insegurança, que, por sua vez, favorece formas de egoísmo coletivo». Quando as pessoas se tornam auto-referenciais e se isolam na própria consciência, aumentam a sua voracidade: quanto mais vazio está o coração da pessoa, tanto mais necessita de objetos para comprar, possuir e consumir… Por isso, não pensemos só na possibilidade de terríveis fenômenos climáticos ou de grandes desastres naturais, mas também nas catástrofes resultantes de crises sociais, porque a obsessão por um estilo de vida consumista, sobretudo quando poucos têm possibilidades de o manter, só poderá provocar violência e destruição recíproca” (LS 204).
Finalmente, quem nos dá um exemplo claro e admirável de como unir passado, presente e futuro, de viver a graça da escatologia, é são Francisco. Pela graça dos sagrados estigmas todos podemos ver nele o “homem novo”, “o homem do outro mundo” (1C82), o homem no qual o “eschaton”, isto é o último e definitivo se realiza já entre as transiências e transitoriedades deste mundo. E assim, como “um novo evangelista dos últimos tempos” (1C 89), dizia aos seus Irmãos “Ide, porque nesta última hora os Frades Menores foram emprestados ao mundo para que os eleitos cumpram neles aquilo que vai ser recomendado pelo Juiz: “O que fizestes a um destes meus Irmãos menores, foi a mim que o fizestes” (2C 71). Em outras ocasiões “afirmava que os Frades Menores tinham sido enviados nestes últimos tempos pelo Senhor para darem exemplos de luz aos pecadores envolvidos nas trevas” (2C 155).
Fraternalmente,
Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini, ofm