5° domingo da Páscoa

 

5º DOMINGO DA PÁSCOA

29/04/2018

Pistas homilético-franciscanas

Leituras: At 9,26-31; Sl 21 (22); 1Jo 3,18-24; Jo 15,1-8

Tema-mensagem: Chamados-enviados para sermos ramos unidos à verdadeira videira do Pai, Jesus Cristo crucificado-ressuscitado, a fim de podermos produzir muitos e bons frutos.

 Sentimento: Comunhão.

 Cristo Videira

Introdução

A Igreja, continua solenizando, jubilosa e agradecida, os insondáveis benefícios do mistério pascal. Hoje, 5º Domingo da Páscoa, somos levados a celebrar nossa alegre união com Jesus Cristo. Uma união tão estreita, íntima e profunda como a que existe, por exemplo, entre a videira e seus ramos.

  1. Paulo, de perseguidor a perseguido e testemunha de Jesus

A primeira leitura de hoje, de novo tirada dos Atos dos Apóstolos, começa falando de um dos ramos mais expressivos do cristianismo e de sua ação evangelizadora: “Saulo chegou a Jerusalém e procurava ajuntar-se aos discípulos de Jesus. Mas, todos tinham medo dele…” (At 9,26). A causa deste medo é muito simples e compreensível. Todos se perguntavam: como, aquele que até pouco só respirava ameaças e morte contra os discípulos do Senhor…, que chegou a pedir cartas de recomendação do sumo sacerdote para as sinagogas de Damasco, a fim de levar presos para Jerusalém, os homens e mulheres que encontrasse seguindo o Caminho-Jesus (Cf. Atos dos Apóstolos 9, 1-2), agora estava pregando o Nome de Jesus, proclamando e testemunhando que Jesus era o Messias?!  (Cf. At 9, 21-22). Isso provocou a ira dos judeus de Damasco, que tramaram contra Paulo, para fazê-lo perecer. Paulo teve que fugir da cidade de noite, descendo pela sua muralha, com a ajuda dos discípulos, por um cesto (At 9, 25). Eis o preâmbulo da primeira leitura de hoje.

  • Paulo busca a comunhão com a Igreja mãe

Paulo, então, volta para Jerusalém. Saíra de lá como inquisidor e perseguidor dos discípulos de Jesus, isto é, de Jesus mesmo (Cf. At 9, 5); voltava, agora, como sua testemunha. Muitos dos discípulos hesitavam em confiar em Paulo, que mudara de um dia para outro “da água para o vinho”. Barnabé, figura notável da primitiva comunidade de Jerusalém, a ponto de receber o título de “Apóstolo” (At 14, 4), isto é, enviado, e por isso compreendendo muito bem a situação, tomou Paulo consigo e levou-o aos Doze, os “Enviados” por excelência.

Assim, com a ajuda de Barnabé, Saulo “que havia pregado em nome de Jesus, publicamente, em Damasco… permaneceu com os Apóstolos em Jerusalém” (At 9,25-26). O objetivo desta viagem e desta estadia em Jerusalém, intermediada por Barnabé, é muito claro: pô-lo imediatamente em comunhão com a Igreja Mãe. Ou seja, Paulo não podia iniciar e levar adiante sua missão apostólica sem receber o envio dos dirigentes da Igreja, isto é, sem estar em comunhão com os doze apóstolos.

O autor de Atos diz que Paulo pregava com firmeza o nome do Senhor. Paulo sempre fora um homem de Deus movido fortemente pela graça de um fogo interior. Antes de sua conversão o fora seguindo à risca a lei de Moisés e suas tradições. Agora, após sua conversão, seguindo Jesus Cristo e seu Evangelho. Foi e é, certamente, um dos homens mais geniais e mais corajosos que o cristianismo já teve. E por isso, um homem que sempre incomodou tanto os de fora como os de dentro da Igreja, tanto ontem como hoje. Tinha ideias bem próprias e uma interpretação bem pessoal acerca do evento “cristianismo”. Era um homem que não admitia uma evangelização ou cristianismo de meios termos ou de adaptações ao judaísmo, suas leis e tradições. Exemplo claro dessa intransigência foi o caso da circuncisão (At 15,1-2). E o dizia com clareza e coragem a ponto de impor respeito aos irmãos e reserva aos apóstolos. E, para estas conciliações, foi de fundamental importância a presença e a intermediação de Barnabé. Assim, a missão de Paulo, recebida diretamente do encontro com o Senhor no caminho de Damasco, deixou de ser particular. Passou a ser eclesial porque, como diríamos hoje, estava em plena comunhão com a máxima autoridade da Igreja – Pedro, a nível de Igreja universal – e Tiago, a nível de Igreja local de Jerusalém.

  • Paulo pregava com firmeza em nome do Senhor

Este modo de falar, franco, isto é, aberto e firme (Cf. At 9, 27), que em grego se chama “parresía”, e que poderia ser traduzido por franqueza, é uma virtude do testemunho apostólico de Paulo, mas que deve ser também de toda a Igreja, de todo o cristão. É por isso que o Papa Francisco, ultimamente, vem convocando os cristãos, principalmente os evangelizadores agraciados com algum ministério, para assumirem essa postura paulina.

Na Evangelii Gaudium, por exemplo, já dizia que “o Espírito Santo infunde a força para anunciar a novidade do Evangelho com ousadia (parresía), em voz alta e em todo o tempo e lugar, mesmo contra a corrente” (EG 259). Isso significa que, sem o ardente desejo desse fogo interior, nascido do júbilo do toque do encontro, toda evangelização não passa de um conjunto de tarefas vividas como uma obrigação pesada, que quase não se tolera ou se suporta como algo que contradiz as nossas próprias inclinações e desejos (EG 261). O mesmo apelo ele o repete na abertura do Sínodo extraordinário sobre a família: “Falai com franqueza e escutai com humildade” – era a sua exortação aos bispos.

Assim, sem ignorar muitas outras características, a “parresía” não é uma fala polêmica, opressiva ou ofensiva contra o outros, que são hostis. Ela é, antes, uma fala aberta, franca, livre, ousada, mas, ao mesmo tempo, marcada pela candura e pela suavidade para com a pessoa e a fragilidade humana, unindo a verdade com a caridade. A partir disso, podemos entender melhor como o Papa Francisco articula o falar com franqueza com o ouvir com humildade. Pois, onde a franqueza é privada da candura e da suavidade, a ousadia se transforma em insolência; falta, neste caso, a humildade, a capacidade de se fazer menor e de escutar o outro, acolhendo-o na sua diferença, e estando disposto mesmo a suportar a sua resistência, a sua hostilidade, sim, mesmo a sua perseguição, a exemplo da fala de Cristo no processo de sua condenação. Não se trata, pois, de uma fala impositiva, autoritária. É uma fala propositiva, destituída da pretensão de poder, mas que apela para a verdade na caridade – verdade que é libertadora em sua essência.

No testemunho dos Apóstolos deveria ficar claro que sua fala não era baseada na presunção da ciência e sabedoria humana, mas no dom do Espírito Santo. Os judeus do Sinédrio ficaram admirados com a fala de Pedro e João, considerando seu histórico de pessoas iletradas (agrammatoi) e “idiotas” (idiotai). Quem, depois dos Apóstolos,  nos dá um belo exemplo deste modo de anunciar o Evangelho, de pregar, é São Francisco. Diz, por exemplo, Tomás de Celano: “O Bem-aventurado Francisco respondeu que era idiota, e que por isso estava mais na condição de aprender com ele (um frade dominicano) do que na de dar sentenças acerca das Escrituras!” (2C 103).

A parresía dos apóstolos não vinha de uma habilidade retórica. Não era uma estratégia de poder de persuasão. Era uma fala sem poder, mas imbuída da autoridade do Espírito Santo. Essa parresía era e foi fundamental no testemunho apostólico (At 14, 3). Foi graças a ela que se operou o milagre de tantas conversões, primeiramente no mundo judaico e depois no mundo pagão, principalmente, no mudo romano, tornando-se a força originária da Igreja primitiva. Hoje, quando há tantas dificuldades de comunicação e evangelização entre cristãos na Igreja e de cristãos em relação ao mundo público, evocar a força (virtude) da parresía é, segundo nosso papa, uma das tarefas mais prementes e urgentes da Igreja.

  1. Amar com obra e em verdade

A segunda leitura da missa de hoje é tirada do terceiro capítulo da primeira Carta de São João, cujo princípio diz: “Vede, irmãos, com que grande amor o Pai nos amou, para sermos chamados filhos de Deus” (Jo 3,1). Por isso, a exortação do verso 18, com o qual se inicia a 2ª leitura de hoje, não podia ser outra: “Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e em verdade” (Jo 3, 18).

O amor de Deus, ou melhor, o amor que é Deus, proposto por João como o novo sentido de nossa vida, diferentemente do nosso amor, é obra pura, palavra verdadeira, isto é, um modo de amar no qual não há nenhuma distância ou separação entre o pensar, o desejar, o querer e o fazer. Tudo Nele é um e uno. A fala é obra e a obra é fala, como se vê nitidamente no Gênesis por ocasião da criação e depois com a fala e as obras de Jesus.

Este dito, porém, está assentado no novo e grande mandamento do próprio Senhor, confiado aos apóstolos na última ceia e exemplificado em inúmeras passagens como, por exemplo, na parábola do bom samaritano, no discurso acerca do juízo final, e muitas outras. Ora, a razão desta exortação é muito simples: pelo mistério da encarnação o cristão é feito, sem mais e menos, um comungante da vida intra-trinitária, de Deus, definido pelo mesmo João como amor: “Deus é amor” (1Jo,4,8).

Portanto, não há como participar de sua vida, como conhecer Deus senão pelo amor fraterno. Quem ama seu irmão haverá de conhecer a Deus e quem não o ama jamais haverá de conhecer o Pai. Mas, não se trata aqui do amor erótico, familiar e muito menos do amor amizade nascido da simpatia, por exemplo, mas do amor doação chamado caridade, ágape ou, eucaristia, simbolizado, muitas vezes pelo modo de ser da fonte que jorra água sempre gratuita e generosamente para todos, indistintamente e que resplandece com todo seu fulgor na doação de Cristo na Cruz.

Por isso, também, o amor fraterno que herdamos de Cristo, tem o modo de ser da obra, do bem fazer, da operação. Notemos que o original latino fala, justamente, em “opere” (obras) e não em ações, atividades. Quem explica este modo de ser é frei Harada: “Operação, literalmente, significa a ação de fazer obra. O verbo latino do qual ela deriva, é operari (operor, operatus sum, operari) e indica um modo todo próprio do empenho e desempenho de um trabalho livremente assumido, no qual amor, responsabilidade, criatividade e dedicação são algumas das características que o qualificam. Quem assim se doa a esse modo de trabalhar se chama operário e o fruto, o produto que surge, cresce e se consuma dessa ação, se chama obra.

O amor fraterno cristão, portanto, é um amor que nasce, cresce, floresce e se consuma no vigor da graça do encontro, isto é, na experiência graciosa de ser amado por primeiro, sem porquê nem para quê. Por isso, será sempre um amor atencioso, criativo, gratuito, alegre, dando sempre o melhor de si, tendo na graça de poder amar o irmão sua própria recompensa. Um modo de amar de quem sente que mais deve do que merece, que mais recebe do que dá.

É desse amor que nasce a Igreja. A Igreja não nasce de uma palavra morta, meramente falada, mas da palavra viva, testemunhada, feita ato. É por isso que o primeiro livro do Novo Testamento, que tem como objetivo testemunhar o nascimento da Igreja, leva, justamente, este nome tão significativo: “Atos dos Apóstolos”. O mesmo se dá 13 séculos mais tarde. A Ordem de São Francisco nasce não do Evangelho apenas ouvido, mas na medida em que logo após sua escuta, Francisco e seus companheiros “se puseram a cumprir plenamente o conselho divino” (LTC 8,10). Desse nascimento, nos dão testemunho os famosos “I Fioretti” ou melhor, os “Atos do Bem-aventurado Francisco e dos seus Companheiros”. Temos assim, “Atos” lá no nascimento da Igreja e “Atos” cá no surgimento da Ordem seráfica. Esta admirável semelhança fez com que o tempo de São Francisco, principalmente por causa dos franciscanos seculares, fosse considerado com a expressiva caracterização de “Tempos Apostólicos” (Sequência da Missa do Santo). No mesmo tom um cronista da época, Jacques de Vitry, realça que na nova Ordem “se imita expressamente em tudo a forma da Igreja primitiva e a vida dos Apóstolos” (TM 10 em FF, Mensageiro de Santo Antônio). E o então arcebispo de Londres não teve nenhum receio em ver e proclamar a nova Ordem como o ressurgimento da “Ordem dos Apóstolos” (Cf. Crônicas de Tomás de Eccleston, 15).

A obra do cristão, portanto, não é outra senão amar no Amor que é o próprio Deus. Por isso, diz São Francisco: “Ama, pois, de verdade seu inimigo quem não se dói pela injúria que lhe é feita, mas se abrasa pelo amor de Deus por causa do pecado de sua alma. E mostra-lhe dileção em obras (Ad 9).

Empenhar-se na obra do amor fraterno de Cristo é, pois, a prova maior e única de que estamos na verdade. Pois, em verdade, a única verdade é o bem fazer, a obra mesma, isenta, limpa, pura de todo e qualquer vício, interesse ou pretensão própria, particular ou grupal. Neste caso, acima de toda a consciência está sempre Deus. Por isso, diz João: “Pois, se o coração (consciência) nos acusa, Deus é maior que o nosso coração (consciência) e conhece todas as coisas” (v. 20). Isso significa que Ele conhece nossa fragilidade, nossas limitações e dificuldades. Assim, a realidade do amor fraterno se constitui em último juízo e apelo para a nossa salvação, paz e quietude.

  1. Chamados e enviados da videira e para a videira

A obra do amor fraterno – ou o amor fraterno feito obra – anunciada e prometida por Jahvé, durante todo o Antigo Testamento, foi introduzida e realizada plenamente por Jesus Cristo mediante o mistério de sua Encarnação-morte e ressurreição.

Para ilustrar o mistério desta obra, Jesus recorre a inúmeros exemplos, parábolas e alegorias. Entre essas está a da videira e dos ramos: “Eu sou a verdadeira videira, e meu Pai é o vinhateiro”.

  • Jesus a nova e verdadeira videira

Para os antigos, a videira era uma árvore sagrada. Para os israelitas, junto com a oliveira, uma árvore messiânica (Mq 4, 4; Zc 3, 10). Ambas evocam a “Árvore da Vida”, plantada no meio do jardim originário (paraíso). No Antigo Testamento, a videira é o povo de Israel, propriedade de Deus. É a sua alegria. Dele o Senhor cuida continuamente e espera seus frutos. E, no entanto, o seu amor não é correspondido. “Dela esperava inocência e veio sangue, a retidão, e veio o grito de pavor” (Is 5, 7). Ela deu maus frutos, espinhos, frutos degenerados (Jr 2, 21). Mostrou-se uma videira não genuína, falsa.

A fala de Jesus é muito clara e precisa: Israel deixou de ser a videira de Jahvé. Agora Ele é “a verdadeira videira”. Ele é a verdadeira árvore da vida que o Pai plantou em seu antigo jardim – o coração do homem e de toda a criação – e que se manifestou nos novos tempos da Nova Aliança (Novo Testamento), embora se tenha mantido velada e latente nos tempos antigos da Antiga Aliança (Antigo Testamento). Ele é a fonte da vida e dos crentes e de todas as boas obras, principalmente da fé e da caridade. Assim como a seiva é a fonte da vida dos ramos e das uvas das quais se extrai o vinho que dá saúde, vida e longevidade ao homem, do mesmo modo Jesus é a alma, o ânimo dos novos membros do novo Povo de Deus. A seiva desta videira é o Espírito Santo e o Pai seu agricultor.

  • O Pai, o agricultor

No Evangelho de João, Jesus fala com muita frequência e fervor de sua intimidade, união e dependência do Pai (Cf. Jo 10,30, por exemplo). Na alegoria de hoje, o Pai aparece como agricultor, isto é, como aquele que cuida do campo, no caso, da videira e dos ramos que é Jesus e seus fiéis, a Igreja, a fim de que produzam frutos.

Primeiramente, o Pai cuidou do tronco de sua videira, Jesus, seu Filho muito amado, não permitindo, jamais, que sucumbisse às tentações do Maligno, mas que permanecesse sempre unido a Ele através de sua santa vontade, seu bem querer.

Mas, o viticultor cuida também e principalmente dos ramos. Para isso, ele os poda e limpa por meio da palavra exortativa (v.7) e das obras de seu servo Jesus, principalmente pelos seus atos de perdão e misericórdia e que culminam com o grande ato de sua morte na Cruz e que se prolongam através da Eucaristia.

Agostinho relaciona o culto (Eucaristia) com o cultivo. Nós damos culto a Deus, no sentido de cultivar nosso relacionamento com Ele. Esse culto não torna Deus melhor. Por outro lado, Deus dá culto a nós, isto é, nos cultiva, e o culto de Deus a nós (seu cultivo de nós), nos torna melhores. É preciso que recebamos a cultura, isto é, o cultivo, de Deus, do Pai de Jesus. Do contrário, somos lançados fora do relacionamento com Jesus, principalmente, quando a modo de ramos secos, por causa, principalmente do esquecimento e da acídia, não se dá fruto de amor fraterno. Agora, o cultivo do Pai se volta não para a Cepa, que não precisa mais deste cultivo, mas para os sarmentos, que precisam, diz João Crisóstomo.

  • Permanecer Nele

Tocamos assim, no coração da parábola: “Permanecei em Mim e eu permanecerei em vós”. É tão claro este desejo e tão forte esta exortação que neste pequeno trecho de apenas 8 versos Jesus usa por onze vezes o verbo permanecer. A aspiração de Jesus, apesar das inúmeras infidelidades daqueles seus discípulos, expressa um pouco antes de sua partida, não podia ser mais contundente e cordial. Ele sabia muito bem que sem Ele, haveriam de sucumbir imediatamente.

E Jesus então explica como é esta comunhão: “Do mesmo modo que o sarmento não pode produzir fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em mim” (Jo 15, 4). Os sarmentos estão na cepa. Mas, eles em nada contribuem com a cepa. Ao contrário, dela é que recebem a seiva, a vida. É assim que nós estamos em Cristo e Cristo está em nós: nós estamos Nele como recebedores da vida e Ele está em nós como doador da vida de modo que toda a obra do amor que produzimos, é fruto da vida, da graça de sua presença que assim atua em nós. Por isso, não diz: “pouco podeis fazer”, mas “nada podeis fazer sem Mim”. Mais ainda, separados Dele, nos tornamos ramos secos. Só em Cristo nossas obras alcançam um sentido e uma vigência de eternidade. Era a evidência deste mistério que levava São Francisco a exclamar: “Meu Deus e tudo”.

  • A necessidade de produzir frutos

Jesus termina sua alegoria dizendo: “O que glorifica meu Pai é que produzais fruto em abundância e vos torneis meus discípulos”. A glória do Pai que se manifesta em Jesus deve também se manifestar nos seus discípulos, quando estes produzem frutos de caridade, em virtude da permanência nele.

Por estarem em comunhão com ele, como ramos na videira, produzem os mesmos frutos Dele: os frutos do amor, da caridade, do perdão, da misericórdia, da justiça, da paz. E isso é fonte de alegria indizível: “Eu vos disse isso para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja perfeita” (Jo 15, 11).

Permanecer em Jesus, a fim de produzir muitos e bons frutos, significa entrar num processo de convivência e cuidado tão constante e contínuo, profundo e íntimo com Ele que tudo o que se vive, se pensa e se faz se vive, se pensa e se faz a partir Dele, de sua Palavra, de seu Espírito. Exemplo deste modo de produzir frutos vemos no matrimônio: um vai cuidando do outro, podando seus vícios, limpando suas deficiências e, enfim, assimilando a identidade do outro, de modo que o que é de um vai se tornando, também, do outro. No fim, os dois serão uma só carne, uma só vida, uma só alma, um só corpo: o corpo de Cristo, a grande e consumada obra, o grande e consumado fruto.

Conclusão

Hoje, depois de séculos de uma Igreja voltada, mais para si mesma e para a doutrina cristã e para a ascese, desde o Vaticano II, estamos sendo acordados e nos dando conta que o centro e o coração de nossa vida são o encontro com Jesus Cristo e a permanência com Ele. Só Jesus é a videira e nós os seus ramos. Consequentemente, o decisivo é permanecer nele e com Ele (216). Por isso, já dizia o nosso Papa, quando ainda era o Cardeal Bergóglio, que a Igreja deveria deixar a pretensão de ser “mysterium solis” (mistério do sol) voltando a ser o que de fato é: “mysterium lunae”. A imagem quer dizer que o brilho da lua não é dela, mas do sol e que o mesmo se dá com a Igreja: sua luz vem de Jesus Cristo, o Sol nascente que, vindo do alto, ilumina todos os homens que vem a este mundo (Jo Pró). Por isso, uma Igreja “senhora”, triunfante, dominadora, mundana, que vive de si e para si não condiz com sua natureza e origem, vocação e missão.

Belo testemunho deste admirável e jubiloso mistério, além dos Apóstolos e muitos outros, encontramos em São Francisco e seus primeiros frades. Dizem as fontes: “E iam pelo mundo como peregrinos e forasteiros, nada levando consigo a não ser Cristo. Pelo que, onde quer que fossem, faziam grandes frutos nas almas, pois eram verdadeiros ramos da verdadeira videira” (Atos 4).

Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini