SÁBADO SANTO – VIGÍLIA PASCAL – PÁSCOA

SÁBADO SANTO – VIGÍLIA PASCAL – PÁSCOA

31/03/2018

  1. SÁBADO SANTO

Tema-mensagem: No silêncio da noite o Senhor desceu à mansão dos mortos

Hoje, exceto a Liturgia das Horas, não há outra celebração porque, aparentemente, o Mistério da Vida está morto.

“Ao fim da paixão, quando a Palavra de Deus está morta, a Igreja já não tem mais palavras” (Balthasar). É a “Hora” do silêncio. O Filho está morto. Já não há acesso ao Pai. Ele está morto não só pela morte primeira, que é como um sono, mas pela segunda morte, a infernal, que é como um pesadelo. Foi rejeitado como pecado; morreu como maldito (2Cor 5,21; Gl 3,13). O juízo que nos condenava recaiu sobre Ele. Ele foi aniquilado. Seu caminho deu numa aporia (no intransitável). Entre o homem e Deus abre-se um hiato intransponível. Eis o “escândalo da cruz” (Cf. Gl. 5, 11) sem o qual jamais haveria salvação.

A percussão deste evento, porém, repercutirá por todo o universo. Tudo ressoará a partir da sonância que emergirá desde este silêncio. Silêncio que, antes de ausência de palavras, significa profunda e amorosa atenção ao mistério insondável que a tudo e a todos contêm: Deus.

Assim, do nada do abismo infernal é que irrompe a nova criação: o novo céu e a nova terra, de que nos fala o Apóstolo Pedro (2 Pd 3, 13), as “coisas novas” de que nos falam Isaías (Is 65, 17) e o Apocalipse (Ap. 21, 1). O descenso de Cristo aos infernos é seu triunfo sobre a segunda morte. É a morte da morte segunda, o triunfo sobre o desespero infernal.  O “status exinanitionis” (estado de exinanição) se revela, pois, como “status exaltationis” (estado de exaltação). Do mesmo modo, para o discípulo de Cristo, não há outro caminho para ascender a Deus a não ser descendo para o profundo silêncio do nada de cada coisa; a não ser praticando a humildade, isto é, o descenso até o abismo da própria condição de homem mortal e pecador, que, num salto, deixa para trás o desespero e se confia ao Cristo como Libertador e Salvador, como Vida da própria vida, como a Ressurreição em pessoa. Por isso, dizia o Bem-aventurado Egídio: “Se alguém fosse o homem mais santo do mundo e se reputasse o mais vil do mundo, nisto estaria a humildade” (DE 4).

 

Sábado santo dia do recolhimento, do silêncio, dia para descer humildemente, mas também valentemente, até ao mais profundo abismo de nossos infernos, e de lá saltar para os braços do Pai, porque, agora, é lá que mora o Filho de Deus, o Princípio da vida nos esperando para associar-nos à sua vitória, à sua Ressurreição.

Uma grande Palavra nasce de um grande silêncio.

Um grande silêncio nasce de uma grande palavra.

ANTES, porém, AMBoS  precisam passar pelo VALE DA morte.

 

 

  1. VIGÍLIA PASCAL

 

Leituras: Gn 1,1-2,2; Sl 103 (104), 1-2a.5-6.10.12.13-14.24.35c (R. cf. 30); Gn 22,1-18; Sl 15 (16), 5 e 8.9-10.11 (R. 1); Ex 14,15-15,1; Sl Ex15, 1-2.3-4.5-6.17-18 (R. 1b); Is 54, 5-14; Sl 29 (30), 2 e 4.5-6.11 e 12a e 13b (R. 2a); Is 55, 1-11; Is 12, 2-3.4bcd.5-6 (R. 3); Br 3, 9-15.32-4, 4; Sl 18 (19), 8.9.10.11 (R. Jo 6, 68c); Ex 36,16-17ª.18-28; Sl 41 (42), 2-3.5; 42 (43), 3-4 (R. 41 (42), 2); Rm 6, 3-11; Sl 117 (118), 1-2.16ab-17.22-23 (R. Aleluia); Mt 28, 1-10.

Tema-mensagem: Na ressurreição o princípio da nova criação

Sentimento: gratidão e júbilo

 

Introdução

A Igreja, esposa predileta e fiel, procura aguardar a volta do seu Senhor com uma longa Vigília noturna, recheada de belos e significativos ritos, leituras e orações. Podemos aplicar a esta espera as palavras de um poema chinês, em que uma esposa espera pelo seu esposo:

No silêncio claro,

O luar.

Abre-se a flor,

Apenas branca,

À noite serena

Do céu.

Na espera de ti,

Meu Senhor.

 

  1. O anúncio da Páscoa

O primeiro momento tem seu início fora da Igreja e com a comunidade dos fiéis envolta nas trevas. Apenas a luz da lua cheia reluz no céu. É no meio deste ambiente que se faz a bênção do novo fogo, o fogo do desejo de Cristo de recriar e de reunir todas as coisas na casa do Pai (Cf. Oração); fogo que aos poucos vai se transformando em luz e clarão; clarão que começa a iluminar e a conduzir de novo os fiéis para o seio da Comunidade santa, a Igreja de Cristo, a nova Jerusalém. Desde tempos imemoriais, o fogo reúne os homens e cria comunidade. Agora o fogo de Cristo, simbolizado pelo Círio Pascal, recria a Igreja, que nasceu do lado transpassado de Cristo na Cruz, do qual jorrou água e sangue – Igreja que nasce do costado de Cristo, qual nova Eva do novo Adão.

 Por isso, como conclusão deste rito de abertura, comemorando a hora mais silenciosa e alta da noite na qual Cristo ressuscitou, a Igreja, jubilosa canta:

“Exulte o Céu e os anjos triunfantes,

Mensageiros de Deus desçam cantando,

Façam ressoar trombetas fulgurantes

A vitória de um Rei anunciando

…..

Ó noite, verdadeiramente feliz,

Que só tu mereceste conhecer o tempo e a hora

Em que Cristo ressuscitou dos infernos”.

 

  1. O ressuscitado aparece

O caminho do mistério é sempre oblíquo, nunca chega a nós de modo direto, pois se fosse assim, o fulgor de sua luminosidade, o simples poder de seu ser, de sua substância, arrebentaria com qualquer criatura. Por isso, como a encarnação, também a ressurreição acontece no oculto, no meio da noite e sem testemunhas. Da mesma forma, os Evangelhos procurando guardar o pudor do mistério apresentam apenas os sinais da ressurreição: o mensageiro do céu, o sepulcro vazio, as vestes dobradas, a pedra retirada, etc.  Tudo muito eloquente, mas ao mesmo tempo, difícil de ser expresso em linguagem humana. Por isso, também, as narrações dos evangelhos além de muito variadas e mesmo muito contrastantes, se revestem de imagens e símbolos, beirando, por vezes, às raias do mito. Mas, por outro lado, tudo é proclamado como um mistério realmente acontecido, ou, se quisermos, como um acontecimento misterioso, isto é, verdadeiro, real. Nada de fantasioso ou inventado. Assim, a mensagem escutada pelas “Marias” – “O Senhor ressuscitou realmente (óntos) e apareceu a Simão” (Lc 24,34) – irá reverberar não apenas para a Igreja primitiva, mas também, para toda a Igreja de todos os tempos, tornando-se ela, a Ressurreição, seu único e verdadeiro fundamento.

Assim, Jesus, o crucificado, é agora também o ressuscitado: ressuscitado-crucificado ou crucificado-ressuscitado e as “Marias”, representantes, de novo, da Igreja do Amor, suas primeiras mensageiras junto aos Apóstolos, representantes da Igreja ministerial.  Eis que, de novo, como na narrativa da paixão, a Igreja do amor, a “Igreja das mulheres”, se mostra essencial para a Igreja ministerial dos Apóstolos. São duas dimensões da única e mesma Igreja. A solicitude delas em cumprir o obséquio de mensageiras da alegre Mensagem (euangélion) junto dos Apóstolos é recompensada, no evangelho de Mateus que lemos hoje, pela visão do Cristo Ressuscitado: “E eis que Jesus veio ao seu encontro e lhes disse: ‘Eu vos saúdo’. Elas se aproximaram dele e abraçaram-lhe os pés, prosternando-se diante dele” (Mt 28, 9).  Com tais gestos, elas testemunham a veneração de sua fé e de seu amor para com o Mestre. Jesus, então, as encoraja: “Não temais. Ide anunciar a meus irmãos que eles devem ir à Galileia; lá é que eles me verão” (Mt 28, 10). Note-se que Jesus, aqui, como no Evangelho de João, por ocasião da aparição a Maria Madalena (Jo 20, 17), se refere aos seus discípulos, ou melhor, aos Apóstolos, como “meus irmãos”. Ele, agora, não é mais simplesmente o Mestre e o Amigo, é o Irmão. Ele e os Apóstolos se constituem no fundamento da nova “Fraternidade universal”. São estes “irmãos” do Senhor que receberão a missão de levar o Evangelho por toda a terra e a toda a criatura. Movido por esta mesma razão, 13 séculos mais tarde, também Francisco irá denominar seus companheiros de “Irmãos”: “Irmãos menores”.   

A Ressurreição de Cristo, antes de uma revivescência do que era antes de sua morte, semelhante à ressurreição de Lázaro. A ressurreição de Lázaro em nada mudou a estrutura da sua natureza de homem. Continuou sujeito à morte com antes. A Ressurreição de Crito é, acima de tudo, uma nova criação: princípio de um novo céu, uma nova terra, uma nova história, uma nova humanidade. Além do mais: “A Páscoa proclama um começo que já decidiu sobre o futuro mais longínquo. A ressureição diz-nos que a transfiguração gloriosa já começou” (Rahner). O sentido do homem, da história e de toda a criação já foi decidido na Cruz e se revelou na Ressurreição de Cristo. Todas as realidades criadas estão se tornando o corpo glorioso de Deus que, aos poucos, chegará à sua plenitude no fim dos tempos. Então, Ele será tudo em todas as coisas.

Neste sentido a nova criação é muito mais admirável que a primeira porque, se a antiga surgiu do puro nada, do vazio (ex nihilo), a segunda surge do nada negativo (nihil negativum), isto é, do nada destrutivo, aniquilador, do pecado, da Cruz, da morte segunda. Até mesmo a culpa se torna uma feliz culpa (felix culpa), como proclama a Igreja no canto do “Exultet”, que celebra o eclodir da Ressurreição na hora mais silenciosa da noite santa.

  1. Salmo do Ofício da Paixão, de São Francisco, para o dia da Ressurreição

São Francisco, em seu longo e famoso “Ofício da Paixão”, para contemplar o mistério da Ressurreição compôs este Salmo: 

Cantai ao Senhor um cântico novo * porque fez maravilhas.

A sua mão direita sacrificou * seu dileto Filho e seu braço santo.

O Senhor tornou notável a sua salvação * e diante das nações revelou sua justiça.

Naquele dia, enviou o Senhor a sua misericórdia * e à noite a sua canção.

Este é o dia que o Senhor fez * exultemos e n’Ele nos alegremos.

Bendito o que vem em nome do Senhor * e o Senhor Deus nos iluminou.

Alegrem-se os Céus e exulte a Terra, comova-se o mar e sua vastidão *

Alegrem-se os campos e tudo o que neles existe.

Trazei ao Senhor, ó famílias das nações * trazei ao Senhor glória e honra * trazei ao Senhor glória ao seu nome.

Conclusão

Em tempos em que o niilismo grassa em quase toda a parte, proclamar que no “nada” há um Senhor nobre que, em vez de dominar serve, sim, que serve não apenas todos os bens de que o homem necessita, mas acima de tudo, serve-lhe sua própria Pessoa, seu próprio Corpo e Sangue como comida e bebida, é certamente uma grande e Boa Notícia, Evangelho.

 

  • MISSA DO DIA

01/04/2018

Leituras: At 10,34ª.37-43; Sl 117; 1Cor 5.6b-8; Jo 20,1-9 (Lc 24,13-35)

Tema-mensagem: O despertar da fé, do amor e da Igreja

Sentimento: Júbilo

Introdução

Além de uma Vigília noturna, a Igreja soleniza a Páscoa também com uma missa especial celebrada durante o dia.

  1. Na Ressurreição nasce a Igreja e sua missão

As leituras da Missa deste dia, levam a Igreja a celebrar não apenas as aparições do Crucificado que aparece como Ressuscitado, mas também a missão dos Apóstolos e a fundação da Igreja universal (católica). Uma Igreja única e una, mas com duas faces que devem andar sempre juntas e inseparáveis: a Igreja do amor e a Igreja ministerial. A Igreja ministerial nada é sem a Igreja do amor. Assim, o discípulo amado, o Apóstolo João, a quem Jesus confia sua Mãe e Maria, na Cruz, realiza de modo feliz esta unidade.

Movida por este amor, a Igreja ministerial e do amor de Pedro, Tiago, João e Paulo, etc. começa a se expandir pela Galiléia, Judéia e Samaria através do anúncio dos Apóstolos, principalmente de Pedro e Paulo, testemunhando por toda a parte “tudo o que aconteceu” a Jesus, principalmente sua Ressurreição (1ª leitura). Fruto desta pregação e deste testemunho era a fé e o perdão dos pecados (Cf. Idem). Por isso, Paulo, exorta os colossenses a se esforçarem para alcançar as coisas do alto, e os coríntios a lançar fora o fermento velho da lei e do farisaísmo (2ª leitura).

  1. O pavio que ainda fumegava se reacende

Certamente, de modos diversos, cada vez singulares, esta unidade se realizou também na vida e na morte dos demais Apóstolos, de um modo muito especial, na vida de Pedro. Num dos evangelhos recomendados para a leitura na missa da manhã de Páscoa (Jo 20, 1-9) nos faz ver como protagonistas os três: Maria Madalena, João, o discípulo amado, e Pedro. Os três correm ao sepulcro vazio e atestam que algo surpreendente acontecera. Mas, ainda não podiam compreender que Jesus ressuscitara (Cf. Jo 20, 9). O texto grego faz uso de diversos verbos para dizer “olhar” e “ver”. Maria Madalena “vê que a pedra fora retirada do túmulo”. Para este “ver”, aqui, o grego usa o verbo “blépein” que significa olhar, ver, no sentido de mirar e descobrir alguma coisa que estava escondida. O discípulo amado, o próprio evangelista João, que fala de si como se fosse uma terceira pessoa, corre mais rápido do que Pedro, chega ao sepulcro primeiro. “Ele se inclina e vê as faixas deitadas ali. Todavia não entrou”. “Ver” é aqui, ainda, “blépein”, mirar e ver, simplesmente, a modo de fato, ocorrência. Pedro, porém, entra no sepulcro, e dirige um olhar atento, observa as faixas que envolveram o corpo de Jesus e o pano que cobrira a sua cabeça, enrolado à parte. Para este olhar de Pedro, o grego usa o verbo “theorein”, que significa um olhar atento, contemplativo, observador, que busca, inquire, investiga, procurando ver além do fato. Depois de Pedro, é a vez de o discípulo amado entrar no sepulcro. “Ele viu e creu”, diz o evangelista. Agora, para esse “ver”, o grego usa o verbo ideîn. Do grego, este verbo significa perceber, captar o aspecto (eidos, idea) de alguma coisa, ter a evidência de uma realidade misteriosa, realmente presente, embora oculta aos sentidos e à razão. Aqui estamos no mundo de fé.

A estas alturas do vai e vem ao túmulo, o amor, a fé, a modo de uma brasa do fogo do dia anterior, soterrada pelas cinzas, começa a brilhar e a crepitar no coração das mulheres e dos dois apóstolos, levando-os a buscar o amado e a ter um certo pressentimento de que algo de extraordinário teria acontecido. Mas, eles ainda não tinham chegado a uma compreensão do que seria este algo de extraordinário: “Com efeito, eles ainda não tinham compreendido a Escritura segundo a qual Jesus devia ressuscitar dentre os mortos” (Jo 20, 9). E não podiam mesmo porque no mundo da transcendência antes do conhecimento é preciso que chegue o amor. Ao mistério de Deus o amor ocorre rapidamente e se lança, se precipita, antes mesmo de o conhecimento completar o seu curso. Por isso, só depois da graça do reencontro com a Pessoa amada através das aparições, é que as Escrituras começarão a dar aos discípulos a possibilidade de compreender e interpretar o acontecimento da crucificação  e da ressurreição (Cf. 1 Cor. 15, 4; At 2, 24-31; 13, 32-37; Lc 24, 27.44-46). Aqui, isto é, nas realidades que ultrapassam nossos sentidos e nossa razão, vale o princípio: para compreender é preciso primeiro crer e amar. Isso evoca o dito da Escritura que se tornou lema para Santo Agostinho e para todos os pensadores medievais: “Se não creres” (e amares) “não compreendereis” (Is 7,9).

Conclusão

Celebrar a Páscoa significa renovar nosso compromisso batismal de levar adiante a nova criação inaugurada por Cristo. Hoje, este compromisso, além de uma ecologia meramente biológica deve levar-nos a pensar e a dispor-nos ao cuidado e ao cultivo do humano de toda a humanidade (Cf. Laudato Si). Antes de mais nada faz-se necessário despertar em todos a consciência de que “todos somos irmãos” (Campanha da Fraternidade) e de que todos temos “uma origem comum, uma recíproca pertença e um futuro partilhado por todos… Surge assim um grande desafio, cultural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração” (LS 202).

Uma regeneração, porém, que precisa passar, necessariamente, por uma rigorosa e sincera “crítica aos ‘mitos’ da modernidade baseados na razão instrumental (individualismo, progresso ilimitado, concorrência, consumismo, mercado sem regras) (LS 210); passar, também, para a necessidade de “recuperar os distintos níveis de equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus. A educação ambiental deveria predispor-nos para dar este salto para o MISTÉRIO, do qual uma ética ecológica recebe o seu sentido mais profundo” (LS 210).

Uma abençoada e Feliz Páscoa a todos,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini, ofm